30 Junho 2015
"Além de combater o ajuste fiscal, precisamos combater o “keynesianismo social-liberal” que é hegemônico em amplos setores da esquerda. Sem isto, vamos ficar correndo atrás do rabo, exatamente como acontece com alguns setores na Europa", afirma Valter Pomar, historiador e dirigente do PT.
A entrevista é de Pedro Marin, publicada pela Revista Opera, 26-06-2015.
Eis a entrevista.
Temos assistido, na Câmara, a uma erupção de retrocessos nas discussões referentes à Reforma Política. Um dia depois de serem anunciadas as “vitórias” sobre Cunha, a Casa aprovou o financiamento empresarial a partidos e a restrição ao acesso a fundo partidário. Qual sua avaliação quanto a isso?
O resultado das votações confirma que só uma Assembleia Constituinte, combinada com mecanismos de consulta direta à população, podem resultar numa reforma democrática. A atual maioria do Congresso é geneticamente incapaz de produzir uma reforma que altere as regras que beneficiam esta mesma maioria. Agora, o fato é que a “reforma” do Cunha não mudou nada de essencial. O que significa dizer que continuamos vivendo um impasse, pois o atual sistema político não agrada nem à esquerda, nem à direita, nem aos setores populares, nem às elites dominantes. Este impasse será resolvido, mais cedo ou mais tarde, ou por um caminho democrático ou por um caminho anti-democrático. Nós do PT defendemos um caminho democrático: Constituinte, participação popular, democratização da comunicação, fim do financiamento empresarial.
Em relação ao Governo Dilma, temos visto o fim das antigas políticas pró-consumo e o estímulo às empresas privadas, e o início de uma nova política, de cortes, semelhante à adotada por tantas nações europeias durante o aprofundamento da crise. O que pensa disso?
Uma precisão: as políticas pró-consumo envolviam estímulo às empresas privadas. O que decorria de uma visão equivocada acerca da relação que o Estado deve manter com as empresas privadas. É esta visão equivocada que – através da política de juros altos e isenções — gerou o déficit fiscal. Que se pretende “ajustar” utilizando receitas resultantes da mesma visão equivocada, que acredita que o crescimento virá do estímulo ao “espírito animal” do empresariado. Portanto, para além de combater o ajuste fiscal, precisamos combater o “keynesianismo social-liberal” que é hegemônico em amplos setores da esquerda. Sem isto, vamos ficar correndo atrás do rabo, exatamente como acontece com alguns setores na Europa.
Em 2016 teremos os Jogos Olímpicos, no Rio. Muito tem se falado da lei antiterrorista. Você acredita na possibilidade dessa lei ser aprovada? Qual são os perigos dessa proposta?
Acredito que existe, no Congresso nacional, um setor que defende políticas de Defesa, de Segurança e anti-terrorismo totalmente inspiradas nos modelos USA. Estas políticas têm como alvo os setores populares, exatamente como na época da “Lei de Segurança Nacional”. Ademais, sempre é bom lembrar que os Estados Unidos são maior patrocinador e estímulo para o terrorismo em escala mundial.
O PT foi, por muito tempo, o “núcleo” de estímulo a uma identidade de classe no Brasil. Ao que tudo indica, isso acabou – e essa identidade de classe também. Qual o perigo disso, nesse momento? Muita gente tem falado em golpe.
Esta pergunta dificilmente seria feita em outubro de 2014. Portanto, isto que você aponta é um fenômeno que tem no máximo 8 meses. De fato, a situação é muito difícil e muito perigosa, mas discordo do impressionismo segundo o qual a partida já está jogada, segundo o qual um processo de 35 anos possa ser “julgado e condenado” pelos acontecimentos dos últimos 6 meses. Claro que a quantidade se converte em qualidade, claro que os processos de mudança aceleram os tempos, claro que o resultado final pode ser um imenso retrocesso em termos de consciência, organização e mobilização da classe trabalhadora. Mas sou contra planejar o próprio funeral, prefiro lutar para reverter o curso das coisas. Quanto a perigo de golpe, penso assim: há um setor golpista, mas no momento está prevalecendo a direita inteligente, que prefere fazer a esquerda sangrar e nos derrotar eleitoralmente.
Como se dá a disputa interna do PT nesse momento?
Acabamos de sair de um congresso onde prevaleceu uma orientação conservadora, no sentido de não modificar nem rápida nem profundamente a linha geral adotada pelo Partido desde 1995. O resultado disto foi um desânimo muito grande em amplos setores do PT. Acontece que a situação econômica segue deteriorando, por conta do ajuste; e a direita continua valente, principalmente por conta da tibieza do lado de cá. Como resultado, mesmo integrantes do grupo que venceu o Congresso estão fazendo críticas públicas. O caso mais vistoso é o de Lula, que recentemente fez críticas ao governo e ao Partido, num tom muito mais duro que o prevalecente em boa parte da esquerda petista.
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Valter Pomar: Precisamos combater o “keynesianismo social-liberal” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU