17 Junho 2015
A viúva do grande escritor argentino revela a relação de Jorge Luis Borges com o Papa. Bergoglio convidou o autor do “Aleph” a falar com os seus estudantes. O Mestre agnóstico e o “mestrinho” jesuíta. Borges e Bergoglio. Não foi amizade, como alguém se aventurou a levantar a hipótese na onda do entusiasmo das horas subsequentes à “fumaça branca” que marcou a subida de Francisco ao sólio pontifício, quase que por acaso ou um desígnio divino tivessem que unir indissoluvelmente os Grandes da Argentina. Mas, estima recíproca sim, e sobretudo uma admiração sem limites do escritor da parte do sucessor de Pedro. “Este Papa é um fanático de Borges”, confirmou Maria Kodama, viúva do eterno candidato ao Nobel, em uma entrevista o jornal El País, que já há dois anos doou ao ex-arcebispo de Buenos Aires as obras completas do autor de Aleph, sabendo dar-lhe o mais agradável dos presentes.
A reportagem é de Alessandro Oppes, publicada pelo jornal La Repubblica, 15-06-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Uma história que remonta a exatos cinquenta anos atrás, aquela do encontro entre um escritor já afirmadíssimo e idolatrado e um jovem sacerdote jesuíta que ensinava psicologia, literatura e arte no Colégio da Imaculada Conceição em Santa Fé. Jorge Mario Bergoglio tinha então apenas 28 anos e Jorge Luis Borges já completara 66. Distância anagráfica, e também geográfica. Mas, algo deve ter disparado na mente do Mestre, já quase cego, que se decidiu a enfrentar uma dura viagem de seis horas em ônibus para dar algumas aulas de literatura “gauchesca” a um grupo de jovens do último ano dos estudos superiores. Milhares de professores em toda a Argentina teriam feito passagens falsas para ter Borges como seu hóspede. Mas ele escolheu Santa Fé. E é provável que tenha razão Jorge Milla, hoje escritor e na época aluno de Bergoglio (portanto testemunha direta daquele encontro), quando sustenta que, além da “dialética e simpatia do seu jovem interlocutor”, o Mestre pode ter sido induzido a aceitar aquele convite pela “possibilidade do inefável encontro entre o agnosticismo e a fé”.
De resto, como o futuro Papa contou aos seus biógrafos Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, no livro El Jesuita publicado há cinco anos, embora fosse ateu Borges recitava o Pai Nosso todas as noites “porque o havia prometido a sua mãe” e que “além de sua distância da Igreja, surpreendia a serenidade e a dignidade com que vivia sua existência”. Daquele encontro de Santa Fé nasceu a ideia de um concurso de contos. Foram selecionados oito textos escritos pelos alunos do colégio e se publicou Contos originais, um livro que tem o prólogo do próprio Borges. Se o escritor e o jesuíta tenham tido ocasião de se rever em seguida, em Buenos Aires, não é dado saber. Mas, permaneceu a estima recíproca, aquela sim. Assim como não veio a faltar a atenção de Borges pelos temas religiosos. Pouco antes de morrer, em 1986, ele falava com a mulher Maria Kodama que, no entanto, lhe respondia que não podia responder às suas perguntas, sendo também ela agnóstica. “Então me disse que teria falado com um sacerdote católico e um pastor protestante, em homenagem à sua avó inglesa”.
E assim fez, antes de despedir-se deste mundo.
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“O Papa Francisco é um fanático de Borges” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU