30 Março 2015
"No discurso final da última sessão do Sínodo, o Papa Francisco mostrou que quer enfrentar de modo inclusivo as oposições, ou seja, que quer todas as diversas "almas" da Igreja partícipes de algum modo nos seus projetos de renovação. No entanto, acreditamos que, no fim, ele não vai paralisar a necessária renovação na espera da aceitação (improvável) por parte de todos."
A opinião é da teóloga leiga italiana Lilia Sebastiani, doutora pela Accademia Alfonsiana e professora do Liceo Scientifico Renato Donatelli, de Terni. O artigo foi publicado na revista Rocca, n. 6, 15-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O caminho quaresmal começa sob o sinal das tentações no deserto. Tentações que dizem respeito de Jesus e que aludem simbolicamente à tentação que acompanhou todo o seu caminho terreno, a tentação relativa ao modo de ser messias. Tentações das quais a comunidade dos crentes depois dele nunca poderá se dizer protegida. Tentações que se assomam àqueles que têm a responsabilidade de guiar a Igreja, tão mais fortes e mais perigosas quanto maior é o poder de decidir.
Enquanto a mídia deu grande ênfase às palavras do Papa Francisco do dia 22 de dezembro de 2014 sobre os pecados da Cúria Romana, talvez não suscitou uma mesma atenção – apesar do porte mais amplo – o seu discurso na conclusão do Sínodo, na última reunião plenária (sábado, 18 de outubro, à tarde), em cuja parte central se fala de "tentações".
Acreditamos que, na sua brevidade e simplicidade, esse será lembrado como um dos discursos históricos do Papa Francisco, e no futuro ainda mais do que hoje.
Um discurso simples e verdadeiro
O papa dirigiu aos bispos e aos outros presentes palavras vivas e naturais, como é o seu costume, e generosas e corajosas; agradeceu-lhes pelo trabalho desenvolvido, a todos, até mesmo aqueles que, como se costuma dizer, tinham remado contra.
O primeiro agradecimento, significativamente, não vai para os padres sinodais, mas para Deus, que acompanha a Igreja com o seu Espírito. Depois, vêm os agradecimentos a todos aqueles que participaram.
Essa parte, que também poderia ser chamada de circunstancial, distingue-se por um fôlego mais vivo e normal, mais "verdadeiro" em relação a outros pronunciamentos oficiais do mesmo tipo. Depois de ter agradecido, em óbvia ordem hierárquica, o secretário-geral do Sínodo, o subsecretário, o relator Erdö ("que trabalhou tanto mesmo nos dias de luto familiar"), o secretário especial e os três presidentes delegados, o papa não se esqueceu de mencionar, antes dos padres sinodais, dos delegados e dos auditores, as pessoas que mais dificilmente terão a atenção da mídia: "Os escritores, os consultores, os tradutores e os anônimos, todos aqueles que trabalharam com verdadeira fidelidade nos bastidores e com total dedicação à Igreja e sem descanso: muito obrigado!".
O Sínodo, como se sabe, não foi idílico. Começou com a publicação, poucos dias antes da abertura, do "livro dos cinco cardeais", que, de fato, era uma declaração de hostilidade contra o novo curso do Papa Francisco, apesar de protestos formais de obediência; e continuou através de rochedos e estreitos.
Como já tivemos ocasião de dizer no último artigo (Rocca, n. 4-2015), as corajosas aberturas do relatório preparado na metade dos trabalhos pelo cardeal Erdö foram muito redimensionadas no fim; as mudanças esperadas, embora aprovadas pela maioria dos padres sinodais, não encontraram a maioria dos dois terços que era necessária para considerá-los aprovados oficialmente.
No entanto, o Papa Francisco, com simplicidade e sinceridade, destaca o que houve de positivo no Sínodo, não só em termos de resultados alcançados, mas na sinodalidade, no próprio fato de se reunir e de se conhecer melhor: "Vivemos verdadeiramente uma experiência de 'Sínodo', um percurso solidário, um 'caminho juntos'. E, como acontece em todo o caminho – dado que se tratou de um 'caminho' –, houve momentos de corrida veloz (…); outros momentos de cansaço, como se se quisesse dizer basta; e outros momentos de entusiasmo e ardor. Houve momentos de profunda consolação, ouvindo o testemunho de autênticos pastores (...), que trazem sabiamente no coração as alegrias e as lágrimas dos seus fiéis". E acrescenta, sem reticências, que não faltaram nem mesmo a desolação, a tensão, as tentações.
Tentações
Cada palavra mereceria um destaque e um comentário, mas, acima de tudo, parece-nos importante lembrar a menção às tentações que podem minar o caminho humano do Sínodo.
É a passagem mais relevante, aquela sobre as cinco tentações "explicativas" (somente tentações-exemplo, certamente não as únicas, o Papa Francisco parece querer indicar). É a parte que nos fala mais ao coração; a parte em que mais se deve reconhecer o esforço de equanimidade feito pelo papa, que talvez esperava do Sínodo mais aberturas sobre as duas questões que mais pressionavam (sobre as outras, não se encontram novidades, mas também não eram esperadas) e, por enquanto, encontrou o caminho barrado, embora com tantas rachaduras que deixam entrever uma possível mudança.
Assim, ele atribui as tentações tanto à inclinação "progressista" quanto à "conservadora". Sobre cinco possibilidades ou exemplos de tentações, notamos que uma diz respeito, principalmente, aos tradicionalistas; duas predominantemente aos progressistas; outras duas são, por assim dizer, de via dupla.
Por isso, à primeira vista, pareceria que o Papa Francisco não quer se inclinar a um dos lados – e que, ao contrário, se quisermos, em relação aos progressistas, ele mostra um fio de severidade a mais... Mas talvez as coisas sejam diferentes.
Usamos esses rótulos (conservadores, progressistas) que não nos satisfazem, só por clareza e porque o próprio Papa Francisco os usa, mesmo no discurso em questão, acompanhado-os de aspas, quase para tomar distância deles e mostrar a sua relatividade.
A contraposição certamente seria esquemática demais: dentro de cada uma das duas categorias, registram-se posições muito diferentes, não reduzíveis a uma única fórmula. Todos conhecemos alguém que fala, age e reage como um progressista em certos âmbitos e, em outros, como um conservador. Mas olhemos para as tentações mais de perto.
"Uma: a tentação do enrijecimento hostil, ou seja, o desejo de se fechar dentro daquilo que está escrito (a letra) e não se deixar surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o espírito); dentro da lei, dentro da certeza daquilo que já conhecemos, e não do que ainda devemos aprender e alcançar. Desde a época de Jesus, é a tentação dos zelantes, dos escrupulosos, dos cautelosos e dos chamados – hoje – 'tradicionalistas' e também dos intelectualistas."
Não acrescentamos nada: a colocação na abertura e a explícita referência a Jesus e às controvérsias sobre a Lei evidenciam o seu caráter programático. Sobre as novidades e as "surpresas de Deus", o Papa Francisco falou novamente na homilia do dia seguinte, durante a celebração eucarística na qual Paulo VI foi beatificado.
Não por prudência diplomática, mas para não apontar o dedo contra um certo componente do Sínodo, para que ninguém se sinta abandonado e desaprovado, eis que o papa acrescenta outra tentação: a do bonachismo destrutivo, da misericórdia enganadora:
"A tentação do bonachismo destrutivo, que em nome de uma misericórdia enganadora enfaixa as feridas sem antes tratá-las e medicá-las; que trata os sintomas e não as causas nem as raízes."
Os adjetivos são importantes: não se estigmatiza a atitude misericordiosa, mas os seus eventuais desvios, que brotam, em última instância, do temor.
A terceira é totalmente conjugada em termos evangélicos:
"A tentação de transformar a pedra em pão para interromper um jejum prolongado, pesado e doloroso (cf. Lc 4, 1-4) e também de transformar o pão em pedra e jogá-la contra os pecadores, os frágeis e os doentes (cf. Jo 8, 7), ou seja, de transformá-lo em 'fardos insuportáveis' (Lc 10, 27)."
Esta também é uma tentação de via dupla, mas a ênfase é indiscutivelmente posta sobre a tentação de fechar a porta, de não considerar o sofrimento dos outros.
A quarta tentação serve para corrigir, esclarecer? Ou para reforçar?
"A tentação de descer da cruz, de contentar as massas e de não permanecer nela, para cumprir a vontade do Pai; de se curvar ao espírito mundano, em vez de purificá-lo e de curvá-lo ao Espírito de Deus."
Com a parrésia a que o Papa Francisco sempre remete, devemos confessar que essa tentação assim apresentada nos desagrada um pouco. De fato, nenhum dos padres sinodais e nem mesmo o papa se coloca realmente a incômoda alternativa entre descer da cruz ou permanecer lá; no máximo, alguns acham injusto, muito distante da práxis de Jesus, deixar irmãos e irmãs pregados em cruzes evitáveis e não desejadas por Deus.
Finalmente, a quinta e última, ainda de via dupla:
" A tentação de descuidar o 'depositum fidei', considerando-se não guardiões, mas proprietários e senhores ou, por outro lado, a tentação de descuidar a realidade, utilizando uma terminologia minuciosa e uma linguagem burilada, para dizer muitas coisas e não dizer nada! Acho que essas coisas eram chamadas de 'bizantinismos'..."
Esta última ênfase e muito pessoal parece ir além dos trabalhos e dos problemas do Sínodo: talvez, também seja uma resposta do Papa Francisco, mansa, mas precisa e decisiva, às críticas dos seus adversários que o acusam de ter um estilo – de linguagem e de vida – simples demais, linear e cotidiano demais, esquecendo-se que é também o estilo do Evangelho.
Um discurso aberto ao futuro
Voltemos à ideia da qual partimos: Jesus tentado, um ícone do tempo da Quaresma. A ideia de Jesus tentado poderia parecer a alguns inaceitável e ímpia, se todos os três sinóticos (e, em outro momento, de modo diferente e mais espiritual, também o quarto Evangelho) não falassem dela. Na Escritura, as tentações dizem respeito principalmente aos justos, servem para testar e consolidar a sua fidelidade.
"Caros irmãos e irmãs, as tentações não nos devem assustar nem desconcertar e menos ainda desencorajar, porque nenhum discípulo é maior do que o seu mestre; portanto, se Jesus foi tentado (…) os seus discípulos não devem esperar um tratamento melhor. Pessoalmente, teria ficado muito preocupado e entristecido se não tivesse havido essas tentações e essas discussões animadas; esse movimento dos espíritos, como o chamava Santo Inácio (cf. EE 6), se todos tivessem estado de acordo ou taciturnos em uma paz falsa e quietista. Ao contrário, vi e ouvi – com alegria e reconhecimento – discursos e intervenções cheios de fé, de zelo pastoral e doutrinal, de sabedoria, de franqueza, de coragem e de parrésia."
O papa recorda, para que não haja equívocos, não só que foi mantida constantemente diante dos olhos a salus animarum, "suprema lex" na Igreja segundo o cânone 1.752, mas também que, no debate sinodal, nunca foram postas em discussão as verdades fundamentais do sacramento do matrimônio: indissolubilidade, unidade, fidelidade e abertura à vida.
Com corajosa naturalidade, Francisco enfrenta a imagem, forçada de bom grado pela mídia, de uma Igreja dividida em seu interior: "Muitos comentadores, ou gente que fala, imaginaram ver uma Igreja em litígio, na qual uma parte está contra a outra, duvidando até do Espírito Santo".
E não se coíbe de fazer, com a sua costumeira simplicidade, uma referência a si mesmo, como pessoa e como papel.
"Era necessário viver tudo isso com tranquilidade, com paz interior, até porque o Sínodo se realiza cum Petro et sub Petro, e a presença do papa é garantia para todos. Agora, falemos um pouco do papa na sua relação com os bispos... Ora, a tarefa do papa é garantir a unidade da Igreja; é recordar aos pastores que o seu primeiro dever é alimentar o rebanho que o Senhor lhes confiou e tentar acolher – com paternidade e misericórdia, e sem falsos temores – as ovelhas perdidas."
Depois de enfatizar com clareza que a Igreja é de Cristo, e todos os bispos, em comunhão com o sucessor de Pedro, têm a tarefa e o dever de conservá-la e de servi-la, acrescenta:
"Nesse contexto, o papa não é o senhor supremo mas, ao contrário, o supremo servidor – o 'servus servorum Dei'; o garante (…) pondo de lado qualquer arbítrio pessoal, embora seja – por vontade do próprio Cristo – o 'Pastor e Doutor supremo de todos os fiéis' (cân. 749) e embora goze 'na Igreja de poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal' (cf. Cân. 331-334)..."
O que acontece? A linguagem repentinamente tão jurídica e canônica poderia nos surpreender, mas acreditamos que a intenção do Papa Francisco aqui seja apenas lembrar que a decisão final sobre as questões disputadas caberá a ele. Ele lembra isso não de modo autoritário, mas remetendo ao discernimento espiritual, portanto, à centralidade do Espírito:
"Caros irmãos e irmãs, temos ainda um ano para amadurecer, com verdadeiro discernimento espiritual, as ideias propostas e encontrar soluções concretas para tantas dificuldades e inúmeros desafios que as famílias devem enfrentar..."
Certamente, quem fala assim não mostra a vontade de deixar as coisas como estão. Na fase de transição histórica em que a Igreja se encontra agora e que foi comparada àquela em que ela se encontrava quando se começou a falar de Concílio nos tempos de João XXIII, o Papa Francisco mostrou que quer enfrentar de modo inclusivo as oposições, ou seja, que quer todas as diversas "almas" da Igreja partícipes de algum modo nos seus projetos de renovação.
No entanto, acreditamos que, no fim, ele não vai paralisar a necessária renovação na espera da aceitação (improvável) por parte de todos.
A conclusão é de evangélica normalidade, no estilo habitual do Papa Francisco. As últimas palavras: "E por favor, não se esqueçam de rezar por mim!".
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As cinco tentações do Sínodo. Artigo de Lilia Sebastiani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU