29 Abril 2017
Para além das intenções, que efeitos práticos terão as palavras do grão-imã sobre a “renovação do discurso religioso”?
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada no sítio L’HuffingtonPost.it, 28-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nessa sexta-feira, todos os olhos estiveram sobre o papa, naturalmente. Mas, no Egito, quem está sob a lente do mundo é, acima de tudo, a Universidade de Al-Azhar (o maior centro teológico do Islã sunita, onde se formam centenas de imãs de todo o mundo), e a declaração – anunciada para a tarde dessa sexta-feira – sobre a “renovação do discurso religioso” para combater o terrorismo islâmico.
Será que o xeique Ahmed al-Tayyib, grão-imã de Al-Azhar, conseguirá fazer com que o Islã sunita passe na prova da laicidade? Isto é, aquele pressuposto essencial para evitar que a religião se torne instrumento de morte e de violência? A Al-Azhar conseguirá, pelo menos, iniciar um processo que, no Ocidente, justamente pela natureza do cristianismo, foi longo, sim (durou séculos), mas conseguiu modelar sobre si o próprio conceito de democracia e de direitos humanos? A interrogação, em suma, é: a tentativa existirá e terá sucesso?
O pedido de “renovar o discurso religioso” para combater as tendências fanáticos e extremistas tinha sido feita pelo presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi justamente a Al-Azhar várias vezes já e com mais força desde o início de 2015. E até agora o presidente tinha lamentado, frequentemente, a pouca acolhida reservada ao seu pedido.
A Al-Azhar joga uma partida importante do ponto de vista ideológico dentro do Islã, e o grão-imã em pessoa foi atacado pela revista do Isis, ou seja, do Estado Islâmico, que se considera intérprete fiel da Sunna, “Rumiyah”, no início de março, como imã revisionista justamente por causa da sua relação com o Papa Francisco. Mas, depois do ataque em São Petersburgo, o próprio Al-Tayeb se apressou em ressaltar que o terrorismo não pode ser combatido com o diálogo inter-religioso, porque há causas econômicas e a pobreza na base da radicalização.
Os sinais de mudança são importantes. No fim de fevereiro, a Al-Azhar realizou um congresso (com imãs de 60 países e 200 participantes) para definir os conceitos de Constituição, Estado e povo (que é a Umma) do ponto de vista islâmico. Com muitos passos à frente em relação ao integralismo da aplicação – em nível de instituições civis – dos preceitos islâmicos e da sua lei, a sharia. E, paradoxalmente, para fazer isso, indica um retorno às primeiras origens da religião muçulmana, ao primeiro Estado islâmico, o de Medina.
O congresso – intitulado “Liberdade, cidadania, diversidade e integração” – terminou com uma declaração oficial do grão-imã com seis afirmações de princípio, começando, acima de tudo, pelo conceito de “cidadania”, que Al-Tayeb reivindica como um conceito de que “tem origem no Islã, como foi aplicado perfeitamente no documento constitucional de Medina e nos posteriores aliados e tratados em que o profeta Maomé, paz e bênçãos estejam sobre ele, definiu as relações entre muçulmanos e não muçulmanos”.
“A Declaração – continua o grão-mufti no primeiro ponto – enfatiza que a cidadania não é somente uma solução desejável, mas sim um lembrete necessário da primeira aplicação islâmica do mais belo sistema de governo à primeira comunidade muçulmana no Estado de Medina. A aplicação da cidadania do Profeta era totalmente isenta de qualquer discriminação contra qualquer categoria da sociedade naquele momento; ela contempla políticas baseadas no pluralismo religioso, racial e social. Tal pluralismo poderia prosperar somente em um ambiente de plena cidadania e de igualdade no documento constitucional Medina. O documento declarou claramente que todos os cidadãos de Medina devem ser tratados de modo justo em termos de direitos e responsabilidades, que juntos constituem uma Nação, independentemente das suas raças e religiões, e que os não muçulmanos têm os mesmos direitos que os muçulmanos e são obrigados a respeitar as mesmas obrigações impostas aos muçulmanos.”
Essas palavras caem em uma situação egípcia que, em menos de 20 anos, deteriorou-se gravemente. No ano 2000, João Paulo II, além de ir à Universidade de Al-Azhar, pôde visitar o Sinai e o Mosteiro de Santa Catarina, o que, mesmo que quisesse, seria impossível para Francisco, por motivos de segurança, já que o Sinai se tornou o receptáculo de terroristas de todo o Oriente Médio, depois de ver a sua economia baseada no turismo curvada a golpes de assaltos aos resorts ocidentais.
O Estado de Israel, há poucos dias, fechou as suas fronteiras com o Egito justamente ao longo do Sinai (e nessa quinta-feira o Wall Street Journal escreveu que Israel deve fazer as contas com um novo vizinho, o Estado Islâmico).
Significativamente, em relação à conferência dessa sexta-feira à tarde, não há nenhuma referência a rabinos ou representantes da outra religião abraâmica, ou seja, a judaica. E a declaração do grão-mufti faz apenas referência às relações entre cristãos e muçulmanos.
Mas o próprio Francisco, neste sábado, poderá rezar uma missa pública no Egito somente depois que ela foi transferida para dentro de uma base da Força Aérea, a única que pode garantir, com uma razoável certeza, a segurança dos fiéis. Francisco, em suma, não se deslocará com o carro blindado, mas a sua missa será militarizada. A visita, em todo o caso, vai durar ao todo 27 horas.
Afinal, o Egito festeja Francisco, mas os cristãos (coptas e o pequeno rebanho católico), depois dos dois atentados do Domingo de Ramos, no início deste mês, não puderam “festejar” a Páscoa da Ressurreição, ainda mais significativa este ano, porque caiu em uma data comum para católicos e ortodoxos. Todas as cerimônias da Semana Santa foram canceladas por motivos de segurança. Só foi celebrada a missa da noite de Páscoa. Uma situação que seria considerada, com razão, inaceitável por todos os muçulmanos se acontecesse durante o Ramadã.
Em suma, é preciso dar confiança à mudança de Al-Azhar, mas também monitorar que não se trate de uma operação talvez entrelaçada com ótimas intenções, mas com limitados efeitos práticos.
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Al-Azhar, laicidade e o retorno ao primeiro Estado islâmico, o de Medina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU