A empresa do tráfico de drogas e a proliferação da pobreza no Norte e Nordeste. Entrevista especial com Roberto Reis Netto

Mazelas de Altamira, campeão nacional de violência | Foto: Kelly Lima

Por: Patricia Fachin | 06 Setembro 2019

Os altos índices de violência nos estados do Norte e Nordeste podem ser explicados pelo fato de que essas regiões foram privadas de “políticas públicas de desenvolvimento regional”, diz Roberto Magno Reis Netto, especialista em segurança pública pela Universidade Federal do Pará. A falta de políticas públicas, acentua, “acabou desembocando em um verdadeiro apartheid social, que aos poucos foi integrando essas pessoas a outras economias menos formais e, dentre elas, as economias ilícitas, as economias do crime”.

Nos últimos anos, Reis Netto tem estudado a integração de presídios às redes territoriais do tráfico de drogas no Norte do país e, consequentemente, a atuação das facções na região e suas implicações sociais. Altamira, município que foi palco da construção da hidrelétrica de Belo Monte nos governos Lula e Dilma, é um exemplo “marcante” da violência no estado do Pará, onde as facções estão em expansão desde 2010. Cidades como essa, menciona, propiciaram o surgimento de uma massa de trabalhadores que, por estarem abandonados à própria sorte, encontraram no tráfico “uma grande possibilidade de inserção”.

Igualmente, o pesquisador também vem investigando a relação do tráfico de drogas com a proliferação da pobreza na região Norte. Segundo ele, “o tráfico se dá utilizando, e muito — é uma hipótese que estamos levantando —, a droga enquanto dinheiro-mercadoria, isto é, se negocia o transporte da droga com uma parcela da droga transportada. Por exemplo, se alguém transporta 100 quilos de droga e recebe por esse transporte 10 quilos de droga, e se essa pessoa comercializa a droga na sua região, o traficante está possibilitando um ganho de valor agregado muito maior do que poderia ser possibilitado em dinheiro, fora os problemas de câmbio que teria na região e os problemas de se tornar visível para os órgãos fiscais, que fragilizam o negócio. Quando um traficante paga o transporte da droga com uma pequena quantidade de droga, quem recebe o resíduo pode contratar pequenos varejistas, pulverizar essa droga por aí e conseguir um ganho de valor pelo seu refino e diminuição do seu grau de pureza, lucrando bastante na própria região. Com isso, o que está acontecendo? A pessoa está extraindo dinheiro da sua própria região para si mesmo, que pode ser disfarçado por uma série de mecanismos de lavagem de dinheiro e, sim, realocando a economia e o poder local. Se isso, no fim das contas, resulta em pobreza? Eu penso que toda a concentração de dinheiro nas mãos de alguém, na outra ponta vai ocasionar pobreza”, afirma.

Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp à IHU On-Line, ele adverte ainda que “temos que olhar para o tráfico como uma empresa, temos que entender o fluxo de capitais dentro do tráfico de drogas como um verdadeiro fluxo de caixa. Enquanto ficarmos olhando o tráfico de drogas como crime demonizado feito por pessoas que não usam terno e gravata, estaremos agindo de forma mais do que completamente equivocada, inclusive quanto a se pensar sobre a legalização ou a não legalização [das drogas]”.

Roberto Netto (Foto: Arquivo pessoal)

Roberto Reis Netto é graduado em Direito e mestre em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará - UFPA, e doutorando em Geografia, na linha dinâmicas territoriais na Amazônia, com ênfase em geografia e segurança pública. Atualmente é professor do curso de graduação em Direito, na Escola Superior Madre Celeste - ESMAC, e instrutor no Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará – IESP.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Segundo o Atlas da Violência 2019, os estados do Norte e Nordeste estão entre os mais violentos do país. A que atribui esse quadro?

Roberto Reis Netto — O Norte e o Nordeste estão despontando em termos de violência por serem regiões historicamente esquecidas por uma série de políticas públicas de desenvolvimento regional. Não falo, por exemplo, das políticas de desenvolvimento da Zona Franca e de projetos; falo de políticas públicas voltadas ao atendimento dos setores básicos da população, como educação, saúde, integração de diversas áreas pauperizadas a outras, que realmente prestam serviços nas cidades. Então, isso acaba desembocando em um verdadeiro apartheid social, que aos poucos vai integrando essas pessoas a outras economias menos formais e, dentre elas, as economias ilícitas, as economias do crime. Principalmente quando falamos na rede de tráfico de drogas, em nível nacional, regional e local, estamos falando de uma rede que funciona à imagem e semelhança de uma verdadeira empresa, porque costuma agregar pessoas para diversas funções. As funções da ponta do varejo são ocupadas pelas parcelas mais esquecidas da população, justamente aquelas pessoas mais pobres, que acabam vendo na economia do tráfico uma possibilidade de conseguir o que o mercado formal não lhes dá.

IHU On-Line — O senhor já comentou em outras ocasiões que o crescimento econômico e populacional de Altamira, no Pará, estimulado pela construção da usina de Belo Monte, fomentou a atuação das gangues na cidade. Pode nos contar como aconteceu esse processo? Qual é o perfil dos membros dessas gangues?

Roberto Reis Netto — O caso de Altamira é justamente um exemplo marcante disso. Com o estabelecimento dos grandes projetos, não só nesse município, mas em vários outros, é muito fácil de observar um grande fluxo populacional que se estabelece nessas áreas, principalmente durante a fase de construção da hidrelétrica de Belo Monte. Essas mesmas pessoas que, obviamente, no início são aproveitadas e lastreadas pelas empresas dentro de empreendimentos e vilas, logo em seguida são abandonadas à própria sorte, dentro de uma economia que acaba se estabelecendo nas cidades. Essas pessoas que a princípio habitariam a vila de operários, logo em seguida começam a ocupar as zonas precárias das cidades ou os chamados aglomerados subnormais, isto é, as invasões que vão surgindo ao longo desse processo. De novo: áreas esquecidas pelo Estado, que vão propiciando o surgimento de uma massa de trabalhadores, que alguns chamam de massa de trabalhadores de reserva ou exército de reserva no mercado de trabalho, que é muito utilizada pelo tráfico de drogas, justamente por serem pessoas que estão lá, à própria sorte, querendo ingressar em uma economia ou em algo que lhes renda esses bens de consumo que a sociedade tanto promete. O tráfico chega com uma grande possibilidade de inserção.

As facções acabam batizando grupos locais (as gangues), como ocorre com o Comando Vermelho - CV. Observamos que são pessoas com um perfil predeterminado específico, que é o mesmo perfil das pessoas que estão encarceradas neste exato momento: na sua maioria, pretos e pardos, que compõem, pelo IBGE, a chamada raça negra; em segundo lugar, pessoas extremamente jovens, figurando entre os 18 e 29 anos; pessoas de baixa escolaridade, que só cursaram até o ensino fundamental; e, obviamente, pessoas oriundas de zonas pauperizadas da cidade, a maior parte também presa por crimes contra o patrimônio, como roubo e furto, e por tráfico de drogas. Em primeiro lugar, observamos os crimes contra o patrimônio, seguido do tráfico de drogas no estado do Pará. Essa tendência se repete em vários outros estados da federação.

IHU On-Line — É possível identificar a partir de que momento as facções passaram a atuar nas regiões Norte e Nordeste do país? Essas regiões têm alguma especificidade que faz com que as facções atuem ali?

Roberto Reis Netto — Não existe um lastro predeterminado. Dois delegados do estado do Pará, Dr. Fernando de Souza Rocha e Dr. Mac Dowell Fortes Silveira Cavalcanti Filho, estão pesquisando a história das facções no estado. Alguns pesquisadores relatam que a primeira aparição do Comando Vermelho na região teria se dado por meio de uma pessoa ainda na década de 1990, mas não há dados precisos a respeito disso. Com certeza, ao longo dos anos 2000 houve um estabelecimento dessas facções em nosso estado [Pará], as quais em seguida se consolidaram com mais força na década seguinte, quando houve a grande expansão das facções criminosas, principalmente no Pará. No Amazonas esse fenômeno é um pouco anterior, sobretudo por conta da importância que o Amazonas tem em relação aos países que são produtores de cocaína. Há também alguns relatos anteriores em relação, principalmente, ao Acre e, residualmente, ao Amapá. Mas no Pará, a principal inserção das facções foi no início dos anos 2000 e a grande expansão foi na década de 2010.

Quanto à especificidade, temos que considerar que o Norte e o Nordeste têm uma rota direta, com muitos rios, com um espaço aéreo de difícil fiscalização, com matas que permitem uma circulação à revelia dos órgãos fiscais do Estado em diversos sentidos. Então, esse território acaba sendo muito importante para o fluxo das drogas que vêm da região Andina, como Peru, Colômbia e Bolívia, embora hoje se fale também na Venezuela. Mas, notadamente, segundo o World Drug Report, esses países são os principais fornecedores de cocaína e dos produtos que dão origem à cocaína, como a pasta base.

Então, justamente pela possibilidade de escoamento do produto rumo à Europa via portos do Norte ou da chamada rota Caipira, principalmente no estado de São Paulo, o Brasil e o Norte e Nordeste adquirem uma importância muito forte nessa rede de escoamento internacional. Quanto menor a fiscalização, mais barato sai para transportar o produto à Europa, onde ele ganha um valor agregado muito maior.

IHU On-Line — A disputa entre as facções nos presídios se manifesta nas ruas do Pará? Ainda nesse sentido, como os jovens são afetados ou cooptados pelas facções?

Roberto Reis Netto — A disputa das facções é muito mais sensível dentro dos presídios. Inclusive, neste momento, estou em São Paulo defendendo um trabalho sobre isso, falando sobre uma cartografia biopolítica das facções criminosas. Até mesmo a forma como se dá a morte de uma pessoa dentro da cadeia, mostra a potencial presença de uma facção. Por exemplo: em 2018 despontou no estado do Pará o número de suicídios, que na verdade não são suicídios, são simulações de suicídios para evitar inquérito contra as pessoas que cometeram o verdadeiro homicídio dentro do cárcere.

Quanto às ruas, as facções costumam evitar o conflito: a primeira regra é evitar o conflito, porque isso chama a atenção da polícia, da imprensa e dos órgãos de segurança pública em geral, tornando visível a ação das facções, quando na verdade elas têm o interesse de que suas redes fiquem no anonimato, fiquem escondidas. Porém, é muito comum observarmos casos de pessoas que são mortas. Por exemplo, se uma pessoa é identificada como pertencendo a uma facção, a outra facção costuma rastreá-la e aplicar-lhe uma pena, que costumam chamar de “decreto”, condenando essa pessoa a uma morte cruel, muitas vezes filmada e disseminada pela internet como exemplo para os contrários.

IHU On-Line — Quais são as implicações sociais da existência do tráfico no Norte e no Nordeste? Ele contribui para a proliferação da pobreza nessas regiões?

Roberto Reis Netto — Neste momento, como uma parte muito importante da minha tese, estou defendendo algo que se vincula à ideia do que você perguntou: se o tráfico ajuda na proliferação da pobreza. Na verdade, o tráfico se dá utilizando, e muito — é uma hipótese que estamos levantando —, a droga enquanto dinheiro-mercadoria, isto é, se negocia o transporte da droga com uma parcela da droga transportada. Por exemplo, se alguém transporta 100 quilos de droga e recebe por esse transporte 10 quilos de droga, e se essa pessoa comercializa a droga na sua região, o traficante está possibilitando um ganho de valor agregado muito maior do que poderia ser possibilitado em dinheiro, fora os problemas de câmbio que teria na região e os problemas de se tornar visível para os órgãos fiscais, que fragilizam o negócio. Quando um traficante paga o transporte da droga com uma pequena quantidade de droga, quem recebe o resíduo pode contratar pequenos varejistas, pulverizar essa droga por aí e conseguir um ganho de valor pelo seu refino e diminuição do seu grau de pureza, lucrando bastante na própria região. Com isso, o que está acontecendo? A pessoa está extraindo dinheiro da sua própria região para si mesmo, que pode ser disfarçado por uma série de mecanismos de lavagem de dinheiro e, sim, realocando a economia e o poder local. Se isso, no fim das contas, resulta em pobreza? Eu penso que toda a concentração de dinheiro nas mãos de alguém, na outra ponta vai ocasionar pobreza.

IHU On-Line — A sua pesquisa de mestrado tratou sobre a integração de presídios às redes territoriais do tráfico de drogas. Quais são os principais resultados dessa pesquisa acerca da integração dos presídios às redes de tráfico?

Roberto Reis Netto — Quanto à minha pesquisa de mestrado, que está disponível na internet, foram identificadas seis estratégias das quais o tráfico de drogas, sejam os grandes traficantes, as facções ou os pequenos traficantes, costumam se valer para integrar as cadeias e as redes territoriais externas. A primeira delas é a busca por uma associação interna entre os presos de modo a aproximá-los e unir suas próprias redes, fortalecendo seus vínculos e seus poderes internos e, com isso, sua capacidade de gestão dos negócios. Em segundo lugar, eles buscam, por meio dessa associação interna, uma associação externa, ganhando mais espaço com as redes pelos contatos que têm fora da cadeia, como os parentes, advogados e facções aliadas. Em terceiro lugar, costumam cooptar agentes do sistema penitenciário — este é o tema de um artigo que vou publicar em breve, que é uma parte inédita da minha dissertação —, seja pelo dinheiro, que é a forma preponderante, seja pelo medo, que é um fator que nós encontramos no estado do Pará, seja, residualmente, por concordância ideológica, o que ninguém pode afirmar se existe no Brasil. É muito comum observar que as facções usam os agentes penitenciários pela facilidade de eles estarem nos dois mundos — interno e externo — como importantes trunfos de poder.

Em seguida, costumam estabelecer uma rede interna de tráfico de drogas, e a droga não vale só como um comércio dentro da cadeia; ela também é um trunfo de poder, porque quem controla a droga, controla a população carcerária e a massa de consumidores. Além disso, observamos que eles costumam usar meios de comunicação e essa é uma estratégia muito forte para conseguirem manter a informação com o mundo externo, que são inseridos pelas formas mais diversas dentro das cadeias, tal qual as drogas — hoje se fala até no uso de drones, por exemplo. E, finalmente, há um enfrentamento direto com o poder público, seja de forma velada, por greves brancas e de fome, seja por uma forma mais direta, por meio de fugas e rebeliões. No Pará, no ano de 2018, houve uma tentativa de fuga que resultou na morte de 22 pessoas, inclusive de civis que, infelizmente, passavam pela região no momento do ataque realizado por uma determinada facção. As facções ainda se utilizam de meios de contrainteligência, que são formas de neutralizar as ações dos órgãos de inteligência, evitando que eles levantem informações sobre as facções. Basicamente foram essas seis estratégias identificadas.

IHU On-Line — Sua pesquisa de doutorado é sobre as estratégias de intangibilidade territorial dos macroagentes do tráfico de drogas. Pode explicar em que consiste?

Roberto Reis Netto — Quanto à minha pesquisa de doutorado, ela vai tentar verificar os agentes que estão no nível acima daqueles visíveis. Aqueles que são apontados como violentos, estigmatizados, dessa vez não são os que me interessam, pois quero saber quem está acima deles, agregando a questão em nível regional e internacional. Como esses caras fazem para não serem vistos, notados ou identificados? Essa é a grande proposta da minha tese de doutorado, por isso que falo em uma intangibilidade territorial: eles não conseguem ser atingidos, embora, às vezes, até sejam vistos.

Quanto aos territórios em disputa, certamente podemos falar dos presídios de toda a região em que as facções se instalaram como fornecedores de drogas dentro das redes da Região Amazônica e a principal rede do Centro-Sul, que é a chamada Rota Caipira, que começa em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e se estende por São Paulo, Rio de Janeiro e todas as áreas portuárias anexas a esses dois estados, além de outras que são mais residuais, mas também existem.

No Pará, especialmente nas regiões metropolitanas, há uma presença marcante das facções, principalmente nos centros urbanos agregadores de capital, que é para onde o dinheiro com certeza vai para ser lavado. Então, certamente podemos falar nessas regiões, além de outras cidades que representam “nós” dentro da rede, como, por exemplo, Altamira, que tem uma representatividade muito forte dentro do Primeiro Comando da Capital - PCC, que é vinculado ao Comando Classe A - CCA. Essa facção surgiu localmente associada ao PCC por meio de um jogo de transferência de internos, permitindo a cooptação de um deles há alguns anos, e ao Comando Vermelho, que é a principal facção hegemônica no estado.

IHU On-Line — Como surgiu a facção Comando Classe A - CCA?

Roberto Reis Netto — O surgimento da facção CCA ocorreu por meio das transferências de internos, que é algo que estudo no artigo que será publicado. As transferências de internos são apontadas como o principal meio de disseminação da ideologia das facções. Assim, a CCA surgiu dessa forma em Altamira, por meio de um preso que foi mandado para o regime federal e já voltou faccionado pelo PCC.

IHU On-Line — Quais são as relações do Comando Classe A com o PCC e o CV?

Roberto Reis Netto — As relações entre o PCC e o CCA seguem a lógica nacional em nosso estado: elas estão em conflito neste exato momento porque são as duas grandes transportadoras nacionais. Pela ilegalidade das funções, elas concorrem de maneira violenta, principalmente dentro dos presídios. O massacre de Altamira é um grande exemplo disso.

IHU On-Line – Também existem milícias atuando no Pará?

Roberto Reis Netto — Sim, existem milícias, mas suas características ainda são muito distantes das milícias cariocas que exploram o tráfico de drogas e uma rede de serviços ilegais, como abastecimento de gás e rede de TV a cabo ilegal dentro de determinadas áreas dominadas por esse poder paralelo. No Pará não é assim. No estado, as milícias estão associadas à figura do matador, aquele indivíduo que quer fazer justiça com as próprias mãos, eliminando o criminoso, mas ao mesmo tempo promete segurança para um determinado conjunto de comerciantes, os quais pagam esse indivíduo para se livrarem das más pessoas da região.

IHU On-Line — As facções que atuam nas regiões Norte e Nordeste têm relações com a classe política no âmbito municipal, estadual e federal?

Roberto Reis Netto — A literatura costuma apontar a existência da associação à classe política nos âmbitos municipal, estadual e federal. Mas, neste momento, no atual nível da minha pesquisa de mestrado, os entrevistados, até mesmo por serem pessoas ligadas ao Estado, não me apontaram a existência disso. Ouvi relatos de que no Amazonas teve todo um conjunto de relações acordadas politicamente para o estabelecimento de facções em determinadas cidades, mas é uma informação sensível e prefiro não entrar em detalhes. No entanto, na região metropolitana de Belém, no município de Ananindeua, tem um caso muito específico de um vereador que teria ligação com o tráfico, o qual chegou inclusive a ser preso cerca de um ano atrás numa megaoperação que ocorreu na região. Então, existe. É difícil dizer, mas onde corre muito dinheiro, certamente corre política.

IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?

Roberto Reis Netto — Gostaria de desmistificar algo que é muito importante dentro da minha tese: temos que olhar para o tráfico como uma empresa, temos que entender o fluxo de capitais dentro do tráfico de drogas como um verdadeiro fluxo de caixa. Enquanto ficarmos olhando o tráfico de drogas como crime demonizado feito por pessoas que não usam terno e gravata, estaremos agindo de forma mais do que completamente equivocada, inclusive quanto a se pensar sobre a legalização ou a não legalização [das drogas]. Neste momento, por exemplo, não me julgo a favor da legalização ou descriminalização das drogas; é preciso uma forte política educacional nesse sentido no país. Porém, temos que desmistificar uma coisa muito forte: o tráfico de drogas não é uma atitude criminosa por si; antes de mais nada, é uma atividade econômica que foi criminalizada e que dá muito dinheiro. E é sob essa ótica que temos que compreender o tráfico de drogas no país e no mundo.

IHU On-Line – O pacote anticrime proposto pelo ministro Moro dá conta de entender e investigar o fluxo de capitais do tráfico de drogas? Que avaliação faz do pacote?

Roberto Reis Netto – Eu concordo com o pacote do ministro Moro em muitos sentidos, porque esse endurecimento há tempos era necessário. Só que de outro lado, tem que ser feita uma crítica de que não adiante somente repetir os erros do passado, no sentido de que o tráfico de drogas tem que ser realmente enfrentado enquanto empresa e não enquanto uma atividade que é desempenhada supostamente em favelas, em aglomerados subnormais, em zonas de explosão. É necessário compreendermos que o tráfico é articulado num nível muito mais alto do que o nível desses locais precarizados. O tráfico, inclusive, se imbrica e envolve os níveis políticos do nosso Estado, e a corrupção é algo diretamente ligado a esse mesmo tráfico. Portanto, o pacote é muito interessante, traz medidas muito importantes, mas se ele não for bem aplicado e se não for feita a autocrítica que ele merece, ele é só mais uma medida de repressão e não vai combater a essência real do problema. 

Nesse sentido, tem um ponto a se elogiar dentro do pacote do ministro Moro, que é o investimento em órgãos de atividade em inteligência. Só que todo órgão de atividade em inteligência exerce uma função cuja atuação final depende do gestor. Então, os órgãos de inteligência vinculados à Presidência da República dependem de uma decisão final do presidente. É ele quem vai dar eventual basta no tráfico de drogas. Os governos dos estados, a mesma coisa. As superintendências da Polícia Federal, a mesma coisa. Enfim, ainda se depende muito de uma atuação política realmente comprometida com os propósitos da segurança pública. É isso que estamos aguardando. O pacote pode geralmente criar isso. Está dando poderes para que isso aconteça, mas, no fim das contas, repito, depende de uma atuação concreta, coerente e politicamente vinculada com a Constituição da República por parte dos órgãos com poder decisório final.  

 

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