Por: Patricia Fachin | 30 Novembro 2017
A Contribuição Nacionalmente Determinada - INDC, instituída no Acordo de Paris, durante a COP-21, embora tenha tido a intenção de “destravar as negociações” entre os membros da Conferência do Clima, possibilitando que cada país determine suas metas nacionais para enfrentar as mudanças climáticas, “acabou reduzindo a capacidade de os acordos do clima terem efetividade. (...) As INDCs foram uma engenharia diplomática para destravar o acordo. Do ponto de vista da questão climática em si, ela foi um atraso”, avalia a antropóloga Iara Pietricovsky de Oliveira, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. “Os países conseguiram chegar a um acordo desde a COP de Paris, mas esse acordo tem pouca capacidade de impacto. A COP-23, que aconteceu em Bonn, mostra que os interesses dos países começam a prevalecer”, constata.
Na entrevista a seguir, Iara Pietricovsky de Oliveira comenta as dificuldades da COP-23 para atingir as metas de financiamento e redução das emissões de gás carbônico. “Esse dinheiro está em risco, embora ele tenha sido orientado para o combate à pobreza e à desigualdade. Esse financiamento está em debate porque países como a Inglaterra estão puxando o debate sobre como readequar o uso desse dinheiro e redistribuir os valores para combater a questão migratória na Europa e a questão climática. Ou seja, fundos que deveriam estar saindo de outros lugares, segundo meu ponto de vista e de outras organizações que participam do debate acerca desse tema, estão sendo usados para outros fins. Para resolver a questão migratória, os países deveriam estar retirando dinheiro dos seus Ministérios do Interior, porque resolver o problema da imigração diz respeito a uma política interna do país em relação à migração”, pontua.
Iara diz ainda que a COP funciona como “uma espécie de quebra-cabeças: a cada nova discussão que acontece na COP, se abre um novo espaço de debate, e aquilo vai virando um monstro com ‘trezentos’ espaços de debates paralelos, sem que sejam vistas as questões mais importantes, como uma definição radical, consistente e política por parte dos governos para combater a mudança climática. Uma mudança nesse tipo de postura não envolve só questões de clima e tecnologia, envolve enfrentamentos de mudanças de padrão energético, de produção e consumo etc”.
Iara de Oliveira | Foto: UNFPA
Iara Pietricovsky de Oliveira é antropóloga e mestra em Ciência Política pela Universidade de Brasília - UnB. Atualmente é membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc, onde atua à frente de atividades vinculadas à Conferência nas Nações Unidas da Rio+20 e ao G20.
Confira a entrevista
IHU On-Line — Na imprensa, noticia-se que a COP-23 terminou com avanços discretos na implementação do Acordo de Paris. Qual sua avaliação da última Conferência do Clima?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Eu venho desde Copenhague, em 2009, quando foi realizada a Conferência das Partes - COP-15, acompanhando os processos da COP e, para ser honesta, as Conferências não vêm me empolgando muito. Mesmo o Acordo de Paris, feito para destravar as negociações, ao criar a figura da Contribuição Nacionalmente Determinada - INDC, acabou reduzindo a capacidade de os acordos do clima terem efetividade. Isso porque as INDCs determinam que metas sejam voluntárias até serem criados sistemas de indicadores que possam ser adotados para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os países conseguiram chegar a um acordo desde a COP de Paris, mas esse acordo tem pouca capacidade de impacto. A COP-23, que aconteceu em Bonn, mostra que os interesses dos países começam a prevalecer.
Acredito que a COP da Polônia será muito mais importante do que a de Bonn, porque mostrará a capacidade ou não de definições de regras comuns, guardando as diferentes responsabilidades dos países em relação ao combate à mudança climática. O que fomos vendo ao longo do tempo é que a única possibilidade para se flertar um acordo é flexibilizar: ter os Estados Unidos dentro do Acordo, como aconteceu em Paris, significou uma flexibilização muito grande, a tal ponto que é quase um antídoto. Então, passa a se ter uma não efetividade no plano dos acordos, do que gostaríamos que fosse, ou seja, acordos vinculantes com um grau de responsabilidade muito maior. Nesse sentido, as COPs têm sido frustrantes ao longo dos tempos, desde Copenhague.
IHU On-Line — Quando as INDCs foram criadas, muitos especialistas afirmaram que se tratava de uma metodologia mais adequada do que a de Kyoto, especialmente porque os países membros da Conferência poderiam se comprometer com metas voluntárias, as quais teriam condições de cumprir. Se, na sua avaliação, as INDCs não conseguem fazer o acordo avançar, o que seria um modelo adequado para se chegar a um acordo que de fato seja efetivo?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Elas não são adequadas; elas são aquilo que foi possível tirar de uma COP que tinha o grande desafio de colocar os Estados Unidos dentro do Acordo. Os EUA não entrariam em qualquer acordo que tivesse algum ponto que os obrigasse a fazer qualquer coisa que viesse de uma definição do plano internacional para o plano doméstico. As INDCs foram uma engenharia diplomática para destravar o acordo. Do ponto de vista da questão climática em si, ela foi um atraso. Na minha visão, deveria ter sido feito o contrário: os governos deviam estar agindo a partir das análises que vêm sendo feitas pelo mundo científico, como o Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC e muitos outros que vêm mostrando que a mudança climática tem relação direta com o modelo de desenvolvimento que adotamos, ou seja, a maneira com que o capitalismo vem promovendo uma depredação consistente, permanente e ampliada da preservação da natureza. Então, ou encaramos isso como algo que é uma instrução radical e absoluta para a mudança de padrão e, com isso, as decisões têm vinculações com consistência, ou seja, os países realmente efetivam compromissos, ou estaremos alimentando processos de negociação infindáveis.
A minha avaliação é esta: o que deveria existir é compromisso real. Vejo a COP como uma espécie de quebra-cabeças: a cada nova discussão que acontece na COP, se abre um novo espaço de debate, e aquilo vai virando um monstro com “trezentos” espaços de debates paralelos, sem que sejam vistas as questões mais importantes, como uma definição radical, consistente e política por parte dos governos para combater a mudança climática. Uma alteração nesse tipo de postura não envolve só questões de clima e tecnologia, envolve enfrentamentos de mudanças de padrão energético, de produção e consumo etc. Por outro lado, o tema do financiamento também mostrou que está longe de ter uma solução, está longe do ponto de vista do dinheiro arrecadado até o presente momento e daquilo que os países se comprometeram em financiar. Esses fundos estão travados, especialmente o Fundo de Adaptação, porque esse é um fundo que nunca foi bem visto pelos países.
O Fundo de Adaptação foi uma conquista desses países, só que eles estão longe, porque os países ricos não estão querendo aportar mais dinheiro; é uma questão básica. Eles não estão querendo aportar mais dinheiro e estão fazendo toda uma engenharia para repensar a cooperação e os fundos que existem e o uso dos seus dinheiros para esses fundos. Por exemplo, tem uma agência de cooperação chamada DAC, que está vinculada aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Essa agência cuida da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento, que é o dinheiro — até 0,7% do seu PIB — que os países ricos deveriam destinar aos países em desenvolvimento para apoiar medidas de melhoria nas condições de apoio e ajuda a esse desenvolvimento.
Esse dinheiro está em risco, embora ele tenha sido orientado para o combate à pobreza e à desigualdade. Esse financiamento está em debate porque países como a Inglaterra estão puxando o debate sobre como readequar o uso desse dinheiro e redistribuir os valores para combater a questão migratória na Europa e a questão climática. Ou seja, fundos que deveriam estar saindo de outros lugares, segundo meu ponto de vista e de outras organizações que participam do debate acerca desse tema, estão sendo usados para outros fins.
Para resolver a questão migratória, os países deveriam estar retirando dinheiro dos seus Ministérios do Interior, porque resolver o problema da imigração diz respeito a uma política interna do país em relação à migração. Eles não deveriam tirar dinheiro de uma linha de cooperação que já está definida e acordada pelos países ricos e que tem uma linha bastante específica. Ou seja, estão querendo pegar o dinheiro que já está alocado no âmbito da cooperação internacional e reorientá-lo.
Outra coisa é a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, que tem também uma implicação de financiamento e de aporte, que é importante. Essas duas dimensões são importantes para entender, por exemplo, a questão do financiamento como um fator bloqueador e que é essencial. Ele por si só garante as coisas? Não, ele precisa ter associado a isso uma definição política, mas o fato de acordar em cima de bases voluntárias torna a negociação muito difícil.
IHU On-Line — Além da meta acerca do financiamento climático, outra meta da COP que não foi atingida diz respeito à redução das emissões. Quais foram as dificuldades nesse sentido? E que outras dificuldades além dessas evidenciou na Conferência?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Todas essas razões que estou te dando nascem dessas dificuldades, estão ligadas a essa dificuldade. Temos outros elementos, que é por onde vai meu argumento: quando se tem as INDCs, e se dá aos países voluntariamente a possibilidade de decidir como eles vão reduzir as emissões, vemos que na prática isso vai no sentido oposto. O Brasil decidiu renovar o subsídio a combustíveis fósseis, ou seja, foi totalmente na contramão do que deveria estar sendo feito, que é a recessão e a redução do uso dos combustíveis fósseis.
O discurso da Angela Merkel na abertura da COP foi constrangedor. A Alemanha tem sido um exemplo — eventualmente o exemplo de quem joga lixo em cima dos outros para se manter limpo, mas tem sido um exemplo — nas discussões climáticas até então. Mas o fato é que ela está produzindo e queimando carvão, e essa é uma das razões pelas quais está em uma situação bastante delicada em relação à posição que está ocupando agora, e pode ser que até caia; não sei. Merkel é muito inteligente politicamente, pode ser que consiga reconstruir a coalizão de governo, mas o fato é que o discurso dela foi muito constrangedor.
A saída dos Estados Unidos e essa linha política que o presidente americano adotou de estímulo à indústria armamentícia e à produção de guerra é um grande risco. Essa discussão entre Coreia do Norte e Estados Unidos vem nos levando a um tipo de situação que, se ocorrer, terá impactos que talvez nem se consiga medir.
IHU On-Line — Como você comentou, Angela Merkel afirmou, durante a COP-23, que baixar as emissões de carbono para que o mundo não aqueça mais do que 2 graus até o fim do século, conforme sugere o Acordo de Paris, é uma meta ambiciosa demais. Como consequências para atingir essa meta, Merkel chama atenção para o possível aumento do desemprego e para o impacto econômico. Considerando o fato de que a Alemanha tem sido um ator importante nas últimas COPs, qual é o impacto político desse tipo de declaração?
Iara Pietricovsky de Oliveira — O impacto político é que hoje, em certa medida, o fato de ela se colocar dessa maneira colocou um problema muito sério para a Alemanha, pois desde que o Trump assumiu e saiu do Acordo, passou-se a esperar que a Alemanha assumisse a liderança. França e Alemanha são os dois países que estão tentando reconstruir essa discussão. Quando Merkel faz essa colocação, ela perde legitimidade, porque mostra que também está submetida a situações internas que a fragilizam como liderança, tanto que ela está batalhando pela vida política dela.
IHU On-Line — Outro ator polêmico nas Conferências é a China. Como foi a participação do país na COP-23?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Eu não tenho muito a falar sobre a China, porque participei de poucos debates sobre a situação desse país. No entanto, a China tem atuado de forma bastante ativa no G-77, que é o conjunto de países em desenvolvimento e que abrange cerca de 140 países, e tem sido bem proativa. A China tem, historicamente, um jogo ambíguo nesse debate, no sentido de que as falas, no geral, demonstram a ambiguidade da diplomacia chinesa. Eu não saberia ir além, até porque estamos, aqui no Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc, começando a tentar entender a presença da China, que começa a se intensificar no Brasil e na América Latina.
IHU On-Line – Em relação à compra de terras na região?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Sim, porque os chineses têm projetos de longo prazo de ocupação e de construção de infraestrutura que são muito poderosos. Ao mesmo tempo, eles estão tendo decisões internas de políticas domésticas de redução de emissões, pois vivem em situações gravíssimas e de intensa poluição; Beijing é uma cidade inviável. Portanto, os chineses estão sempre em uma linha de ambiguidades.
IHU On-Line — Que avaliação faz da participação do Brasil na COP-23?
Iara Pietricovsky de Oliveira — O Brasil tem mantido, coerentemente, sua política dentro da COP. Não percebi grandes mudanças no conjunto das negociações das posições que o Brasil tem apresentado em todas as COPs; tem um trabalho muito consistente do Itamaraty nesse sentido. Agora, o Brasil, em termos de offset — nós do Inesc e o grupo Carta de Belém somos completamente contra o offset, assim como o Greenpeace e várias outras organizações sociais que são contra esse mercado de carbono — conseguiu chegar a uma posição, mesmo que o REDD e todos esses mecanismos tenham sido incorporados, pois o Brasil assinou o Acordo de Paris, mas resiste para que tudo isso seja feito via o Estado brasileiro, para benefício das políticas públicas da população brasileira. Então, essa é uma posição que apoiamos e o Brasil tem resistido bastante, ainda que internamente existam grupos fortes, tanto do lado das Organizações Não Governamentais - ONGs, como alguma parcela de movimentos sociais e lideranças indígenas ligadas à Organização WWF, quanto do lado que defende o mercado de carbono, inclusive fazem muita pressão no Fórum Brasileiro de Mudança Climática sobre isso.
O Brasil tem mantido uma posição muito resistente e resiliente em relação a isso, o que acredito ser muito bom. O problema do Brasil é que as políticas internas são totalmente contraditórias à posição que o país tem externamente. Já era assim na época da ex-presidente Dilma e agora está ficando muito pior, porque as condições que estão sendo dadas internamente no Brasil apontam exatamente para o contrário. O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, anunciou, em uma reunião com a delegação brasileira, que conseguiu recuperar o orçamento e que está fazendo todos os esforços.
Acredito até que ele esteja honestamente fazendo esses esforços, mas a questão é que o dinheiro que ele está usando é o do Fundo da Amazônia, ou seja, está queimando o dinheiro para resolver um problema de déficit orçamentário. Esse é um problema que está dado para todo o país por conta da Emenda Constitucional 95, a qual realmente é uma medida de austeridade que impacta. Nesse ponto a questão climática não pode ser vista como a única coisa, pois a questão climática tem a ver com várias outras condições de políticas articuladas e vinculadas para resolver um problema.
Não basta fiscalizar a Amazônia, mas tem que dar condições para que as populações indígenas e suas terras demarcadas sejam efetivadas, porque disso depende também a defesa da Floresta Amazônica. É preciso ter respeito aos sistemas de áreas de preservação. Enfim, há uma série de coisas que vêm sendo desafiadas e, às vezes, abertas de uma forma irresponsável pelo governo brasileiro, e que vai de encontro àquilo que o Brasil deveria estar fazendo para realmente mostrar que ele tem boa vontade política para combater a mudança climática.
IHU On-Line — Em artigo recente você mencionou que, nos debates do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional – FMI, discute-se a possibilidade de um salário universal para amenizar os desastres das mudanças climáticas. Em que consiste essa proposta de um salário mínimo? O que tem sido discutido nesse sentido e como você avalia essa proposta?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Essa proposta tem sido colocada há algum tempo, desde a adoção, pelas Nações Unidas, do exemplo brasileiro de políticas de transferência de renda a partir do governo Lula. A proposta parte de uma ideia de que todo o cidadão tem direito a um salário mínimo universalizado. Agora, isso ocorre no momento em que a diretora do Fundo Monetário Internacional [Christine Lagarde], repetidamente, na reunião bianual do Banco Mundial e do FMI, em outubro, em Washington, comentava que dentro de cinco anos estaremos navegando em uma nova economia; essa nova economia chegará rapidamente e está ligada a toda essa discussão de Inteligência Artificial. Essa já é a realidade que vivemos hoje e esse tipo de inteligência artificial que já está operando vai se intensificar, vai produzir desemprego massivo em muitas áreas, entre elas, no campo jurídico, porque haverá sistemas muitos mais eficientes, e na área de transporte, pois já está sendo experimentado em vários lugares o sistema de transporte público sem a participação humana na direção dos veículos. Vários trabalhos que reconhecemos hoje, que existem e que ocupam uma parcela importante da população brasileira, em especial uma parcela da população de classe média e classe baixa, irão desaparecer. Isso causará, segundo, a avaliação deles, o desemprego massivo.
Então, o salário universal nasce a partir de uma tentativa de equalizar a questão: como resolvemos um sistema que irá desalojar e deslocar uma enorme quantidade populacional para funções que deixarão de existir e, ao mesmo tempo, entramos em uma nova era digital, altamente tecnologizada, onde o acesso de trabalhadores a isso será muito menor. Isso já está operando, só que não percebemos. Então, quando vemos — como eu vi — a Christine Lagarde fazendo esse tipo de fala insistentemente em vários e diferentes lugares, quando vemos a discussão que está sendo colocada, de, por um lado, alguns pesquisadores do Direito dizendo que isso é uma questão de direito, portanto temos que universalizar uma renda, e, por outro lado, a solução para o massivo desemprego é o consumo, porque se estrangular a capacidade de consumo, acabaremos com o modelo. Então percebemos que o modelo tem sido tão desigual, tem concentrado tanta riqueza — e nunca antes na história da humanidade tanta riqueza foi concentrada — que é melhor pagar uma parte dessa riqueza por meio de salários universalizados e manter o sistema funcionando, do que equacionar o problema efetivamente do modelo.
IHU On-Line – Mas qual é a relação desse salário universal com as mudanças climáticas? Pelo que você está dizendo, ele funcionaria como uma alternativa aos impactos das mudanças tecnológicas. Ele seria uma alternativa às mudanças climáticas para não mudar o modelo de desenvolvimento?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Exatamente, porque um dos grandes eixos do debate climático para a solução do clima é a tecnologia, é o avanço tecnológico. Estão falando em tecnologias que capturam o CO2 e o armazenam na terra, e já existem experiências e lugares onde isso está sendo implantado e realizado, só que não se é capaz de avaliar qual é a capacidade de captura e se isso de fato funciona. Como já estamos em uma situação de concentração de gases de efeito estufa, mesmo se zerarmos tudo, hoje, estaremos produzindo aquecimento global, mas a ciência e o capitalismo estão tentando buscar tecnologias que possam resolver o problema para, ao mesmo tempo, não mexer no modelo. Às vezes até me sinto como uma “ET” nas COPs, porque vamos a lugares onde as pessoas fazem exposições, apresentam e vendem produtos de captura de CO2; é quase surreal.
IHU On-Line — No mesmo artigo a senhora chama atenção para a Plataforma Indígena, que nasce no Acordo de Paris. Em que consiste essa plataforma e como ela poderia contribuir para enfrentar as mudanças climáticas?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Essa plataforma é um reconhecimento de que os povos indígenas têm algo a acrescentar ao debate, às soluções e ao enfrentamento das questões ligadas à mudança climática. Isso pelo fato de que as populações indígenas têm conhecimento ancestral, e elas têm sido, reconhecidamente, aqueles povos que mais preservam a biodiversidade e o meio ambiente, e um dos grupos politicamente mais ativos no equacionamento do problema. Então, o reconhecimento de que esses povos indígenas têm algo a acrescentar é muito importante e eles não estão sendo colocados como um corpo — como é o caso da relação do IPCC na Conferência das Partes —, mas eles agora são reconhecidos e estão se organizando para formular propostas para assessorar e também intervir no processo de todo o plano de ação que será constituído a partir de agora.
Eles podem contribuir porque são detentores de um conhecimento e porque todos os registros, análises e pesquisas demonstram, com hipóteses de alto nível de confirmação, que as populações indígenas, em todas as regiões do planeta, são os maiores preservadores da biodiversidade do mundo. Portanto, eles têm um modo de vida, uma maneira de pensar e de reconstruir e, nesse sentido, podem ajudar imensamente com soluções, o que nós, do mundo “civilizado”, não conseguimos, porque temos um modelo de desenvolvimento extremamente predatório. Eles têm agora um espaço de participação no processo de negociação e na busca de soluções.
IHU On-Line — Por que, na sua avaliação, o texto da Plataforma Indígena aprovado pelo SBSTA, o SBI e o UNFCC tem problemas em relação ao financiamento dos membros do Grupo de Trabalho? Quais são especificamente os problemas em relação aos fundos de financiamento GEF, Fundo Verde de Clima e Fundo de Adaptação?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Porque no documento final ficou uma frase, que foi observada por uma das brasileiras que estava acompanhando o processo, que diz o seguinte: “Se a plataforma será subsidiada, a presença daquelas pessoas que serão como partícipes daquele grupo de trabalho, havendo possibilidades e havendo condições, será financiada pela UNSCC”. “Havendo possibilidade” significa que não é vinculante, ou seja, a UNSCC terá que dispor de um orçamento para fazer com que os povos indígenas participem, porque, obviamente, eles não têm dinheiro para participar das negociações. Essa frase fragiliza, porque não é uma frase que vincula, de fato, a obrigação da UNSCC na participação dos índios. É algo que terá que ser brigado mais à frente.
IHU On-Line — Como seria possível aproveitar a potência dos povos indígenas nesse debate?
Iara Pietricovsky de Oliveira — Essa é uma questão bastante pertinente, mas só o processo vai dizer. A capacidade de eles serem enquadrados pelo processo é uma possibilidade, mas também há a possibilidade de eles constrangerem e provocarem o processo da Conferência, porque os líderes que estão lá são pessoas muito fortes e muitos potentes. São pessoas que vivem nas áreas das comunidades, mas também em áreas de convivência com o mundo ocidental por longo tempo, mas que guardam identidades muito fortes. Obviamente eles têm que falar inglês, e há certas formalidades, mas acredito que eles podem trazer uma oxigenação política aos debates que pode mudar muitas decisões lá dentro.
Eles estão sendo afetadíssimos por todo esse processo de mudança climática e pela expansão de um modelo capitalista que os expulsa da terra, que está arrebentando com a terra deles; é o que estamos vendo aqui no Brasil e isso se repete em várias partes do mundo. Destaco que não são só os povos indígenas, mas também comunidades tradicionais, que já sofrem com as mudanças climáticas. Minha esperança é que todos esses segmentos, que são diversos, terão a possibilidade de ter um canal onde poderão conseguir fazer alguma repercussão.
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As Conferências do Clima têm sido frustrantes desde Copenhague, em 2009. Entrevista especial com Iara Pietricovsky de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU