26 Outubro 2017
Os efeitos de várias sanções econômicas impostas pelas Nações Unidas desde 2016 estão longe de serem sentidos na Coreia do Norte, e a população parece mais determinada do que nunca a aceitar o desafio lançado, em sua opinião, pelos Estados Unidos de Donald Trump.
A reportagem é de Dorian Malovic, publicada por La Croix International, 24-10-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Esta é uma série de três artigos. Os dois primeiros são publicados hoje. Veja o outro artigo aqui.
Em longo prazo, no entanto, as reformas econômicas implementadas pelo líder norte-coreano Kim Jong-Un, desde 2012, que melhoraram a vida da população, são ameaçadas por essas sanções, e as pessoas correm o risco de sofrer por causa delas.
"Estamos preparados para voltar à Idade da Pedra, se necessário, mas as sanções estadunidenses não nos assustam." O tom firme e determinado de Ryu Bong-ok, de 54 anos, presidente da cooperativa de agricultura de Dongbong, não deixa margem para ambiguidade.
A mais de 200 quilômetros a leste de Pyongyang, a capital da Coreia do Norte, este modelo cooperativo altamente mecanizado - com seus 32 tratores fabricados na China e na Coreia do Norte e o arado feito na Itália - e seus 1.224 agricultores já estão antecipando os efeitos futuros de severas sanções econômicas aprovadas pelas Nações Unidas desde setembro de 2016. Porém, não sem medo.
Nascida na fazenda coletiva de Hamju, Ryu Bong-ok, mãe de dois meninos, orgulhosamente apresenta as muitas medalhas de honra recebidas das mais altas autoridades. Seu filho mais velho está no serviço militar (10 anos para os rapazes, seis para as meninas) enquanto o mais novo ainda trabalha na fazenda.
Entre as medalhas estão as das três revoluções e a do movimento de 26 de maio, em homenagem a eventos históricos. Em um belo hanbok malva, o tradicional vestido coreano, a agricultora é só elogios aos líderes supremos que, por décadas, visitaram e apoiaram "o desenvolvimento e a modernização" desta unidade de trabalho, que está pronta para enfrentar as sanções.
"Sem fertilizantes ou gasolina, precisamos usar a força do braço e o suor do rosto", salienta, "e produzir nosso próprio adubo, como antigamente".
Na brisa do entardecer de outono, as espigas douradas de arroz balançam para um lado e para o outro, prontas para a colheita, assim como os campos de milho, mais a oeste. Em Dongbong, as máquinas fazem o trabalho, mas na maioria das fazendas cooperativas por que passamos nos 200 quilômetros de Pyongyang a Wonsan, a capital da província de Kangwon, a colheita – de arroz, milho, sorgo, soja e trigo – já começou, à mão.
Por cerca de uma década, o trabalho e a propriedade coletiva permitiram que cada agricultor cultivasse, numa área particular, alimentos para consumo ou para venda no mercado local. Este circuito econômico privado permitiu a melhoria das condições de vida, com a circulação de bens e dinheiro dentro das províncias.
Olhando para os enormes espaços cultivados, mesmo que a Coreia do Norte não seja autossuficiente em alimentos, os dias terríveis da fome de 1995, chamada pelo regime de "marcha árdua", e que matou mais de 1 milhão de pessoas na época, parece um pesadelo distante. As pessoas já não estão morrendo de fome na Coreia do Norte, mesmo que regiões do centro e do norte do país sejam atormentadas por uma desnutrição difícil de dimensionar.
Bicicletas e carretas de bois dividiam as estradas com caminhões chineses ou miniônibus da japonesa Toyota. Os fios elétricos ligam-se às aldeias, onde os minipainéis solares e pequenos moinhos de vento enfeitaram as casas há três ou quatro anos.
Estas fontes de energia renováveis foram impostas pela necessidade, num contexto econômico por muito tempo acostumado com a escassez e as limitações. Pessoas caminham ou passeiam muito, mas ainda que seja pobre, as fazendas não são péssimas.
A cerca de 20 quilômetros, nas montanhas, a nova planta hidráulica do "militares" de Wonsan acabara de ser inaugurada, naquela mesma manhã, depois de anos de trabalho incansável, que mobilizou mais de 5.000 trabalhadores e incontáveis soldados voluntários.
O eletricista-chefe Chu Myong-Kil, 54 anos, com rosto esgotado, mas olhos brilhantes de orgulho, o recebe na frente de um grande diagrama técnico representando os dois geradores instalados na encosta da montanha. "A energia sempre foi uma grande preocupação no município de Kangwon, mas agora, com a nova planta, a cidade de Wonsan (350.000 habitantes) tem eletricidade noite e dia, sem falta", explica.
Cabos elétricos, turbinas, geradores, uma sala de controle automatizado gerido por computadores "fabricados na Coreia" (do Norte) ou em Taiwan (sistema operacional Windows 10), instalados e funcionando, mostram a técnica e a habilidade dos engenheiros da Coreia do Norte.
"Quando se tem a capacidade de enviar mísseis e fabricar bombas nucleares, consegue-se gerenciar eletrônicos", observa meu guia e intérprete, em francês impecável, reagindo ao meu espanto.
Chu Myong-kil, que cumprimentou Kim Jong-Un em sua visita no ano passado, acrescenta: "Nosso grande líder nos ordenou que introduzíssemos a melhor tecnologia estrangeira e a adaptássemos à nossa realidade na Coreia; principalmente para não permitir ideologias estrangeiras."
O fantasma das sanções ameaça dar um duro golpe à modernidade que acompanhou as reformas econômicas iniciadas pelo jovem líder Kim Jong-Un desde que ele alcançou o poder, em 2012, muitas vezes subestimadas ou não conhecidas fora do país.
Mal a palavra "sanções" foi pronunciada na frente do eletricista, de terno bege escuro, e uma enxurrada de insultos sai de sua boca. "Por causa desses americanos idiotas, não importamos mais nada, mas não ligamos", diz. "Podemos fazer tudo sozinhos, com nossos próprios materiais."
Portanto, na ausência de trilhos de aço para dirigir através dos túneis, os trabalhadores fabricaram trilhos de madeira.
Esta unanimidade a respeito das sanções tem uma explicação. Ao enfrentar um inimigo, o povo coreano está pronto há mais de 60 anos, determinado a lutar contra o "imperialista americano", visto como a grande ameaça.
Não é nenhuma surpresa que Cha Jong-ok, diretor da fábrica de sapatos da cidade, em Wonsan, com 180 trabalhadores e 157 máquinas, diga, espontaneamente: "Trump fala bobagem e, com suas sanções, manteremos a fábrica funcionando; toda a nossa matéria-prima é coreana."
Criado e educado, desde o jardim de infância, para atacar os históricos japoneses (colonização de 1905 a 1945) e, principalmente, os agressores americanos, não se admira que os norte-coreanos falem a mesma língua a respeito disso. As mensagens oficiais do regime alimentam o pensamento de todos.
Desde agosto passado, elas têm sido transmitidas na única estação de rádio do país, em quatro canais de televisão e no jornal Rodong Sinmun, bem como em centenas de milhares de cartazes colados nas vitrines de todos os armazéns, escolas, escritórios, fábricas e oficinas no país.
Um cartaz dedicado às sanções mostra duas mãos musculosas rasgando com fúria o texto das resoluções da ONU, com a seguinte frase atravessando a foto: "Vamos rejeitar com violência e denunciar sem piedade!"
Por fim, a retórica inflamada de Donald Trump desde janeiro e seu discurso na ONU no mês passado, anunciando sua vontade de "destruir totalmente a Coreia do Norte", só servem para colocar fogo na lenha da publicidade de Pyongyang. Isso contribui para deixar a população ainda mais ligada ao seu "grande líder", capaz de proteger e defendê-la, sem sombra de dúvida.
No coração de Pyongyang, entre uma fábrica de cabos elétricos e um edifício novo, parece altamente improvável que haja uma fábrica de produtos de beleza da marca Galaxy – base, batom, creme hidratante, xampu, tônico, gel de cabelo – no contexto norte-coreano.
"Nossos líderes têm cuidado muito das unidades militares femininas desde o fim da guerra," diz Pak Chol-un, diretor da fábrica, que encontrou os diretores da Chanel em Paris no ano passado para conversar sobre a cooperação... que não deu certo. "Mas hoje estes produtos de luxo são destinados a todos os coreanos, cuja qualidade de vida tem aumentado nos últimos anos."
Competindo com a segunda fábrica do país, com sede na Zona Econômica Especial de Sinuiju, na fronteira com a China, a Galaxy anunciou um aumento de produção de 15% por ano. Não é possível verificar essa estatística, mas a existência desses produtos de beleza reflete a vitalidade da economia e do comércio da Coreia do Norte, que originou uma nova classe de empresários, os Donju ("mestres do dinheiro"), que pagam em dinheiro na moeda chinesa, americana ou europeia.
Por mais que os efeitos das sanções, ainda recentes, ainda não estejam sendo sentidos diariamente, podem comprometer as reformas de liberalização econômica caso o fluxo de dinheiro desapareça.
"Essas sanções terão um impacto na nossa economia, com certeza", admite, com lucidez, um oficial norte-coreano. "As centenas de trabalhadores expatriados em todo o mundo (China, Rússia, Qatar, Kuwait, Polônia...) que têm que voltar logo para o país nos farão perder receita."
"Mas nós vamos sobreviver. Não precisamos de manteiga ou queijo como os franceses; milho e arroz bastará para nós. As pessoas vão sofrer; nossos programas nucleares e de mísseis vão continuar, mas não morreremos de fome."
-------------------------------------------
Fazer reportagens da Coreia do Norte é tão excepcional que é essencial explicar o contexto em que isso pode ser feito.
Não foi um convite propriamente dito da Coreia do Norte. Depois de anos de paciência, Dorian Malovic tirou o visto de jornalista por 11 dias para ir à Coreia do Norte. Ele foi recebido por um guia que falava francês perfeitamente.
O guia não saía de perto dele e viajou com ele por 1.200 quilômetros em uma Toyota, com um motorista esforçado, em grande parte do sul e leste do país: províncias, zona rural, aldeias e a zona costeira militarizada.
Estabeleceu-se um contrato de confiabilidade entre o jornalista e seu guia a respeito de fotografias e filmagem: "Diga o que posso filmar ou fotografar e o que é proibido."
Trata-se de agir de forma transparente e seguir as regras locais, não tirar fotos pelas costas do guia, o que seria uma idiotice inútil, ou querer fugir dele para uma escapada sozinho, o que seria ainda mais idiota.
No final da estada e apesar das restrições esperadas, "consegui ver, ouvir e sentir uma variedade de realidades que, em retrospecto, permitem que eu transmita uma percepção da Coreia do Norte que é parcial, mas relevante e credível", comenta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Coreia do Norte 'preparada para voltar à Idade da Pedra', se necessário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU