26 Outubro 2017
No segundo de uma série de três artigos, Dorian Malovic afirma que o regime parece mais forte do que nunca e que a população abraçou a ideia de que armas nucleares podem ser usadas. Veja o primeiro artigo aqui.
A reportagem é publicada por La Croix International, 25-10-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
"Enquanto o mundo não vir nosso cogumelo atômico explodir não seremos levados a sério."
O ex-diplomata norte-coreano, hoje aposentado, que conhecemos no café de um hotel em Pyongyang, nem pisca. Tem uma expressão grave. Olha o interlocutor nos olhos.
Ele acabou de declarar, muito tranquilamente, que o país está se preparando para fazer um teste nuclear atmosférico um dia, assim como fez a China em 1980, no deserto de Lop Nor, na província Noroeste de Xinjiang. Foi o último teste desse tipo no mundo.
"Há décadas estamos mais preparados do que nunca para uma guerra convencional com o inimigo", diz, calmamente. "Mas aquela fase terminou, porque agora entramos na era da próxima guerra nuclear."
A mensagem é clara. Essas palavras não são em vão. Durante meses, foguetes, mísseis, satélites e átomos têm sido retratados nos cartazes de propaganda estampados a cada cem metros nas principais avenidas de Pyongyang, colados nas vitrines das lojas de todo o país.
Eles aparecem na televisão em todas as casas, restaurantes, escritórios e até mesmo no telão que fica do lado de fora da principal estação de trem de Pyongyang, para que todos vejam. Desde que o jovem líder Kim Jong-Un chegou ao poder, em 2012, a Coreia do Norte entrou na era atômica, a prioridade das prioridades nacionais.
Construído quase um ano atrás no coração de Pyongyang, por ordem de Kim Jong-Un, o Museu de Ciência e Tecnologia confirma esta nova realidade que tomou o mundo de repente. Após a realização de seis testes nucleares subterrâneos e do lançamento de mais de uma centena de mísseis balísticos nos últimos cinco anos, a Coreia do Norte blefou perante os maiores especialistas nucleares do mundo.
A arquitetura do museu ultramoderno é inspirada num átomo, com prótons e nêutrons no centro e elétrons movendo-se ao seu redor.
No saguão, a guia anfitriã Jo Bok-Il, de 30 anos, graduada em Línguas Estrangeiras pela Universidade de Pyongyang, autoriza a fotografar o enorme mural que dá as boas vindas aos 3.000 visitantes que o museu recebe todos os dias.
Kim Il-Sung, fundador da nação, e seu filho, Kim Jong-Il, pai do atual presidente, estão em destaque no centro, com um planisfério centralizado na península coreana ao fundo e um céu azul cristalino em que gravitam satélites à esquerda e um foguete é lançado à direita.
Ao apresentar o modelo do museu em inglês impecável, Jo Bok-Il explica o logotipo símbolo do museu. "Veja, é um átomo em cujo núcleo fica o olho da Coreia. " Sua explicação lembra-nos uma observação feita alguns dias antes pelo ex-diplomata: "Nosso foguete está de olho no alvo".
Se ainda é preciso convencer o visitante ocidental da determinação da Coreia do Norte em relação ao espaço sideral e ao átomo, Jo Bok-Il apresenta um grande anfiteatro. No centro, há uma tela no formato de planeta, que apresenta imagens da contagem regressiva do lançamento recente e a decolagem de um míssil.
Saboreia o efeito surpresa enquanto isso. Depois, vai até o coração do museu, que possui uma cópia do foguete UNHA 3 - medindo mais de 50 metros de comprimento - que enviou o primeiro satélite norte-coreano ao espaço, em 2012. "Pode filmá-lo, mas será melhor vê-lo do último andar." A mensagem precisa ser transmitida para os meios de comunicação ocidentais.
Neste dia de Chuseok, o Festival dos Mortos, ir ao cemitério dos mártires da Guerra da Coreia (1950-1953) apenas reforça o sentido de um povo coreano mais determinado do que nunca a lutar e dar a vida, até o último suspiro, caso necessário. O cemitério foi criado em 2016 no meio da cidade, seguindo ordens do jovem Kim Jong-Un.
Os restos mortais dos "571 heróis que se sacrificaram para destruir o inimigo" estão lá. A Coreia do Norte é uma verdadeira fortaleza militar e psicológica. Soldados e famílias inteiras reúnem-se diante dos túmulos decorados com muitos buquês de flores.
Um pouco mais adiante, uma pequena unidade feminina de soldados jovens de uniforme marrom fazendo seus seis anos de serviço militar ouve a história de um velho senhor na frente de um túmulo. "Ele certamente está falando de seu amigo, um amigo soldado que deve ter servido na mesma unidade que as jovens meninas", explica Ri Il Sun, guia oficial. "Assim, transmite-lhes o desejo de também se sacrificar pela alegria e prosperidade da nação."
Ao sairmos do cemitério, centenas de pessoas ainda estão chegando. Uma simples pergunta sobre a identidade do inimigo em potencial traz uma resposta incisiva: "Nosso líder Kim Jong-Un nos disse que teremos uma guerra contra o inimigo americano e nosso objetivo é fazer deste presidente americano um capacho."
Um sorriso ilumina seu rosto angelical. "Nosso país tem a bomba de hidrogênio agora", diz ela. "Temos certeza da vitória".
Há décadas, o inimigo americano tem ocupado a mente de todos os norte-coreanos desde a infância, como se vê na escola infantil do bairro de Gyongsang, em Pyongyang, cujo foco é a educação musical e que gerou muitas pessoas virtuosas.
Nos corredores silenciosos, cores pastel embelezam as paredes. Personagens de desenhos animados coreanos, mas também de Walt Disney, são pintadas sobre elas. Canções e notas de piano emanam das salinhas, algumas equipadas com um piano médio ou grande fabricado no Japão - Yamaha.
Surge um lindo mural da cidade de Pyongyang, desenhado pelas crianças, com sua bandeira, a Torre Juche, os edifícios modernos, uma cidade pacífica. No entanto, à direita do mural, há desenhos de tanques, caminhões, aviões, mísseis norte-coreanos, prontos para defender a paz.
A Coreia do Norte é um verdadeiro ecossistema baseado no espectro de uma invasão americana. Como em todos os cartazes, o governo divulga a ameaça americana e o poder do país para responder com bombas, a mensagem é simples o suficiente para que todos entendam.
Toda a energia do país e do seu povo está focada nesse único objetivo: "Não temos nada para invejar o mundo, apenas queremos nos defender e viver em paz."
Para os norte-coreanos e seu líder, Kim Jong-Un, essa paz não tem preço. Além disso, Donald Trump ameaçou, nas Nações Unidas, em setembro, "destruir completamente a Coreia do Norte". Esta é "uma verdadeira declaração de guerra," diz Ri Tok-Son, diretor do Departamento Europeu no Ministério dos Negócios Estrangeiros, com quem nos encontramos em Pyongyang.
"Isso reforça a vontade inabalável do nosso povo e das nossas forças armadas de punir os Estados Unidos, esse país do mal, a qualquer custo, pelo incêndio", acrescenta.
Salienta, ainda, que seu país "adquiriu armas nucleares e mísseis balísticos intercontinentais" que "jamais estarão em questão enquanto os Estados Unidos continuarem empregando manobras subversivas e fazendo ameaças nucleares contra nossa República".
Confrontada com Donald Trump, a Coreia do Norte prossegue em sua marcha ao domínio total da energia nuclear, a partir de testes. Seus cientistas estão muito próximos de anexar uma ogiva nuclear em miniatura a um míssil e certificar-se de que ele retorne à atmosfera.
"Agora precisamos finalizar as coisas rapidamente," diz o ex-diplomata. "Realizaremos os testes finais de que precisamos para conseguir usar nossas armas nucleares, caso sejamos atacados."
"Não as fabricamos apenas para observá-las, em caso de agressão. Não morreremos com nossas armas nucleares. O que é certo é que temos que ir até o fim."
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Coreia do Norte na era do átomo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU