29 Abril 2017
"Nosso caminho ecumênico cresce de maneira misteriosa e, sem dúvida, atual, graças a um verdadeiro e próprio ecumenismo de sangue". Na residência patriarcal do Papa copto Tawadros II, localizada na antiga Cairo cristã, que inclui a catedral dedicada a São Marcos, o Papa Francisco teve o último encontro de seu primeiro dia no Egito. Ali, em dezembro de 2016, durante as comemorações do "Mawalidˮ, o aniversário do nascimento de Maomé, uma bomba explodiu próxima aos escritórios do Patriarca, matando 29 pessoas e ferindo outras 31 entre os fiéis.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 28-04-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Após a reunião privada, Tawadros II disse ao pontífice: "Vocês seguiram os passos e caminhos de seu intercessor Francisco de Assis: quase mil anos atrás, ele parou no Egito e, junto com o Sultão Al Kamel, realizou uma das experiências mais importantes de diálogo intercultural na história, um diálogo que se renova hoje com sua visita, que confirma que este é o caminho e a ponte que liga os povos, e que é constante a esperança da humanidade no decorrer dos séculos".
Ele ainda acrescentou: "Não escondemos, Sua Santidade, que nos últimos meses nossa Igreja e nosso país têm tido experiências dramáticas e dolorosas, quando a mão culpada do terrorismo se armou para matar pessoas inocentes que estavam orando sem medo na companhia de seu Salvador". As palavras de Tawadros II referem-se aos ataques a igrejas coptas em Alexandria e Tanta no Domingo de Ramos, atribuídos ao chamado Estado Islâmico. Nestes tempos difíceis, "manifesta-se o verdadeiro valor dos egípcios, juntos na alegria e na dor, anunciando ao mundo inteiro que a nossa desgraça e dor dizem respeito a um país unido e consistente - continuou o patriarca copto. As mentes criminosas não conseguirão romper ou diminuir os corações dos cidadãos cujo valor é um exemplo para todas as gerações".
"Muito me alegra que ao chegar aqui como peregrino", disse Francisco, "tinha certeza de que receberia a bênção de um irmão que estava me esperando". Era grande o desejo de nos encontrarmos novamente: mantenho bem viva a memória da visita de Vossa Santidade a Roma, logo após minha eleição, em 10 de maio de 2013, data que tornou-se uma feliz oportunidade de celebrar a Jornada de Amizade Copto-católica a cada ano".
O Papa então recordou que "esse momento crucial que marcou as relações entre a Sé de São Pedro e a de São Marcos", que é a Declaração Conjunta assinada por Paulo VI e Shenouda III em 1973, com a qual, depois de séculos de uma história complicada, firmava um acordo entre ambas as Igrejas sobre o problema teológico das duas naturezas de Cristo: humana e divina.
"Juntos nós confessamos - assinalou Bergoglio - que pertencemos a Jesus e que Ele é tudo para nós. Além disso, compreendemos que, sendo assim, não podemos continuar pensando em ir adiante cada um por si, porque trairíamos a sua vontade". O pontífice também explicou que não há apenas um ecumenismo "realizado com gestos, palavras e esforço, mas também uma comunhão efetiva, que cresce a cada dia na relação viva com o Senhor Jesus, fundamenta-se na fé professada e baseia-se em nosso Batismo".
"Somos chamados a testemunhar juntos - continuou -, a levar a nossa fé ao mundo, especialmente, como é próprio da fé: vivendo-a, porque a presença de Jesus é transmitida com a vida e fala a língua do amor livre e concreto. Coptas ortodoxos e católicos podem falar esta língua cada vez mais comum da caridade: antes de iniciar um projeto para fazer o bem, seria de bom tom nos perguntarmos se podemos fazê-lo com nossos irmãos e irmãs que compartilham a fé em Jesus."
Tendo reconhecido a atenção "genuína e fraterna" que Tawadros dedica à Igreja Copto-católica, Francisco falou sobre o martírio. "Nosso caminho ecumênico cresce de maneira misteriosa e sem dúvida nenhuma, graças a um verdadeiro e próprio ecumenismo de sangue." São João escreve que Jesus veio "com água e sangue", quem Nele crê, "vence o mundo". Com água e sangue: vivendo uma nova vida em nosso próprio batismo, uma vida de amor, sempre e por todos, também tendo que derramar sangue. Quantos mártires nesta terra, desde os primeiros séculos do cristianismo, viveram a fé heroicamente até o fim, preferindo derramar seu sangue a negar o Senhor e ceder às seduções do mal ou à tentação de responder ao mal com o próprio mal. Assim testemunham os veneráveis mártires da Igreja Copta".
"Há pouco tempo, lamentavelmente", recordou o Papa, "o sangue inocente de fiéis inocentes foi derramado de maneira cruel: seu sangue inocente nos une. Querido irmão, assim como a Jerusalém celeste é uma só, os nossos mártires também o são, e seu sofrimento é também o nosso sofrimento. Fortalecidos pelo seu testemunho, devemos nos esforçar para irmos contra a violência, pregando e espalhando o bem, aumentando a harmonia e mantendo a unidade, orando para que os muitos sacrifícios abram caminhos para um futuro de plena comunhão entre nós e de paz para todos".
Ao final da visita cordial ao papa Tawadros II, no Patriarcado Copto-ortodoxo do Cairo, Francisco e Tawadros assinaram uma declaração conjunta de 12 itens. A partir da declaração é possível entender o longo caminho de aproximação realizado nos últimos anos e que permitiu que quase todas as diferenças teológicas fossem anuladas. O parágrafo mais significativo é o penúltimo, em que a questão dos batismos é confrontada. De acordo com a prática da igreja, a Igreja Copta às vezes renova o batismo quando os cristãos que pertenciam a outras igrejas pedem para entrar. "Em obediência à obra do Espírito Santo, que santifica a Igreja, preserva-a em todos os momentos e leva à unidade plena", assinaram o Bispo de Roma e o Papa copta, "para agradar o coração do Senhor Jesus, bem como os dos nossos filhos e filhas na fé, declaram mutuamente que nós, com uma só alma e um só coração, tentaremos sinceramente não repetir o batismo já realizado em uma de nossas igrejas para qualquer um que queira migrar à outra." "Damos fé em obediência à Escritura e à fé dos três concílios ecumênicos reunidos em Niceia, Constantinopla e Éfeso", continua a declaração.
Com o Canto dos Mártires, a procissão ecumênica encerrou-se na igreja de São Pedro, da qual participaram, além do Papa Francisco e do Papa Tawadros II, o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, o Patriarca Copta-católico Ibrahim Isaac Sidrak e o Patriarca Católico-sírio de Antioquia, Gregorios III Laham.
O Papa Francisco recitou uma oração em espanhol na igreja de São Pedro: " 'Senhor Jesus, peço-lhe que nos abençoe. Abençoe meu irmão, o Papa Tawadros II, abençoe todos os meus irmãos bispos que estão aqui, abençoe todos os meus irmãos cristãos e guie-nos pelo caminho da caridade e do trabalho conjunto à mesa da Eucaristia. Amém."
Fora da igreja, com um ramo de flores e um incenso aceso, os dois papas lembraram as vítimas do grave atentado suicida que tirou a vida de um jovem de 22 anos ligado ao Estado Islâmico e causou 29 mortos e 31 feridos. Suas fotos estão expostas em um painel ao lado de uma escultura com todos os seus nomes.
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Papa de Roma ao Papa copta: "Crescemos pelo ecumenismo de sangue" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU