29 Abril 2017
"Juntos afirmamos a incompatibilidade entre a fé e a violência, entre acreditar e odiar. Como líderes religiosos, somos convocados a condenar as tentativas de justificar qualquer forma de ódio em nome da religião". O Papa Francisco, em um dos lugares mais simbólicos do islã sunita, a Universidade de Al Azhar, no Cairo, diante dos líderes religiosos egípcios e os participantes da Conferência Internacional sobre a Paz, insiste que não possa haver nenhuma perspectiva religiosa para o terrorismo. E convida a "extinguir as situações de pobreza e exploração", pois é nelas onde os extremismos florescem com maior facilidade, freando ao mesmo tempo o "fluxo de dinheiro e de armas em direção àqueles que fomentam a violência."
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 28-04-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
O Grande Ímã de Al-Azhar, Ahmed al Tayyeb, solicitou a todos um minuto de silêncio para as "vítimas do terrorismo de todas as nacionalidades" no início de seu discurso que foi transmitido ao vivo pela televisão egípcia durante a conferência. Depois de ter acolhido o papa no Centro de Conferências da Universidade sunita, conjuntamente a um grupo de crianças de 60 países, o Grande Ímã falou: a visita do Papa Francisco ao Egito e a Al-Azhar, é um acontecimento "histórico". Declarou o Grande Ímã de Al-Azhar, Ahmad al Tayyeb, em seu discurso na Conferência Internacional sobre a Paz, no Cairo, na qual o pontífice também participou. "A visita - acrescentou Al Tayyeb - acontece em um momento em que a paz está perdida, e que é procurada por povos, nações e pessoas que fogem dos seus países".
O Grande Ímã de Al-Azhar afirma que "o Islã não é uma religião do terrorismo", assim como o cristianismo e o judaísmo também não são. O islã "não é uma religião do terrorismo" apenas "porque existem pessoas que mal interpretaram" a sua mensagem "e derramaram o sangue de seres humanos, aterrorizando as pessoas", disse ele. Da mesma forma, "o cristianismo não é uma religião do terrorismo" apenas "por ter criado uma comunidade que elevava a cruz" para matar ("colher almas"), acrescentou, referindo-se implicitamente às Cruzadas. E "da mesma forma, o judaísmo também não é uma religião do terrorismo" por conta "da ocupação dos territórios palestinos". Então, "se o Islã é qualificado como 'terrorista', nenhuma religião ou civilização será salva". Além disso, Al Tayyeb denunciou o tráfico internacional de armas e algumas decisões políticas, tomadas a nível internacional, que seriam as responsáveis pelo "estado de caos" que reina em muitos países. Al Tayyeb ressaltou que chegou o momento para que as religiões endossem o apelo à paz, à igualdade e à dignidade de todos os seres humanos, "independentemente da fé ou da cor da pele".
Logo após, Bergoglio fez seu primeiro discurso público da viagem, durante o qual chamou o Grande Ímã de Al-Azhar de "irmão". No Egito, uma "terra de civilização e de alianças", o papa recorda principalmente a importância de uma "educação adequada das gerações mais jovens", de uma formação que responda bem "à natureza do homem, ser aberto e relacional", para que se supere "a tentação de tornarem-se rígidos e se fecharem".
Francisco recorda o aprendizado que tivemos no passado: "Do mal surge apenas mal e da violência, somente a violência, em uma espiral que nunca termina". Voltou a incentivar o diálogo, "especialmente o inter-religioso", em que "sempre somos convocados a caminhar juntos, na convicção de que o futuro de todos depende também do encontro entre as religiões e as culturas".
Ofereceu três linhas principais para este diálogo: o dever da identidade, "porque não é possível estabelecer um diálogo verdadeiro baseado na ambiguidade ou sobre o sacrifício do bem para agradar o outro"; a coragem da alteridade, para que quem seja "diferente de mim cultural ou religiosamente" não seja tratado como um inimigo; a sinceridade das intenções, "porque o diálogo não é uma estratégia com segundas intenções".
O melhor caminho para construirmos juntos o futuro é o caminho da "educação para uma abertura respeitosa e de um diálogo sincero com o outro, reconhecendo seus direitos e as liberdades fundamentais, especialmente a liberdade religiosa". Porque "esta é a única alternativa para a civilização do encontro e a barbárie do desencontro. E para contrastar verdadeiramente à barbárie de quem está cheio de ódio e incita a violência, é necessário acompanhar e fazer com que as gerações que respondem à lógica incendiária do mal amadureçam com o paciente crescimento do bem".
O Papa Bergoglio citou São João Paulo II em duas ocasiões, que convidava os cristãos e muçulmanos para que chamassem "uns aos outros de irmãos e irmãs", e observava que "as diferenças de religião nunca foram um obstáculo, mas sim uma forma de enriquecimento recíproco ao serviço da única comunidade nacional". Ele também invocou a intercessão de São Francisco de Assis, "que há oito séculos veio ao Egito e se reuniu com o Sultão Malik al Kamil".
Depois, Francisco ressaltou a atualidade do diálogo entre as religiões, "diante deste perigoso paradoxo que persiste até hoje, segundo o qual, por um lado, tende-se a reduzir a religião à esfera privada, sem reconhecê-la como uma dimensão constitutiva do ser humano e da sociedade". Enquanto isso, por outro lado, "as esferas religiosa e política se confundem, sem serem distinguidas adequadamente". A primeira é uma referência às sociedades secularizadas ocidentais. A segunda, uma referência aos países onde as normas religiosas são impostas a todos.
O papa insistiu que ele está convencido de que, especialmente hoje, "a religião não é um problema, mas parte da solução"; o antídoto contra "a tentação de acomodar-se em uma vida sem relevo, onde tudo começa e termina nesta terra". Bergoglio citou os Dez Mandamentos e, concentrou-se em especial, no que diz "não matarás", e explicou que a violência "é a negação de toda a religiosidade autêntica".
"Como líderes religiosos - acrescentou - somos convocados a desmascarar a violência que se disfarça de suposta sacralidade, apoiando-se na absolutização dos egoísmos antes mesmo de uma verdadeira abertura ao Absoluto. Somos obrigados a denunciar as violações que ameaçam a dignidade humana e os direitos humanos, para expor as tentativas de justificar todas as formas de ódio em nome das religiões e condená-las como uma falsificação idólatra de Deus: seu nome é santo, ele é o Deus da paz, Deus salam. Portanto, somente a paz é santa e nenhuma violência pode ser perpetrada em nome de Deus, porque profanaria seu nome".
"Juntos, nesta terra de encontro entre o céu e a terra, das alianças entre os povos e entre os crentes, repetimos um ‘não’ alto e claro a todas as formas de violência, de vingança e de ódio cometidos em nome da religião ou em nome de Deus. Juntos - insistiu Francisco - afirmamos a incompatibilidade entre a fé e a violência, entre acreditar e odiar. Juntos, declaramos o caráter sagrado de toda a vida humana frente a qualquer forma de violência física, social, educativa ou psicológica. A fé que não nasce de um coração sincero e de um amor autêntico por Deus misericordioso é uma forma de pertencimento convencional ou social que não liberta o homem, mas esmaga-o".
Na parte final de seu discurso, Bergoglio afirmou que não é necessário "levantar a voz e rearmar-se rapidamente para se proteger: hoje é preciso que haja construtores da paz, não provocadores de conflitos; bombeiros e não incendiários; pregadores da reconciliação e não vendedores de destruição". E disse que hoje, "enquanto por um lado nos afastamos da realidade dos povos, em nome de objetivos que não levam ninguém em consideração, por outro lado, como reação, surgem os populismos demagógicos que certamente não ajudam a consolidar a paz e a estabilidade". Mas "nenhuma incitação à violência garantirá a paz", disse o Pontífice, "e qualquer ação unilateral que não inicie processos construtivos e partilhados, na verdade, só beneficiará aos partidários do radicalismo e da violência".
Para evitar conflitos e construir a paz, concluiu o Papa, "é essencial trabalhar para eliminar as situações de pobreza e exploração, onde os extremismos criam raízes facilmente, assim como evitar que o fluxo de dinheiro e armas chegue àqueles que incentivam a violência. Para ir mais à raiz, é necessário deter a proliferação de armas que, se continuarem a ser produzidas e comercializadas, mais cedo ou mais tarde chegarão a ser utilizadas". Portanto, "apenas ao expor as manobras turvas que alimentam o câncer da guerra é que se pode prevenir suas causas reais". Um compromisso "urgente e grave" é o de implementar (cada um em seu campo) os processos de paz, sem que nos subtraiamos da tarefa de estabelecer bases para uma aliança entre povos e estados, e do qual é necessário convocar "os responsáveis pelas nações, pelas instituições e pelas informações, assim como os responsáveis pela cultura, os convocados por Deus, pela história e pelo futuro”.
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"Juntos afirmamos a incompatibilidade entre acreditar e odiar" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU