06 Julho 2015
“Quanto ao curto prazo, defendemos "dar um cavalo de pau", que comece reduzindo a taxa de juros, passe pela execução plena do orçamento e prossiga com um imposto extraordinário sobre grandes fortunas. Noutras palavras, que os ricos paguem a conta do ajuste” propõe o ex-membro do Diretório Nacional do PT.
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Ex-membro do Diretório Nacional do PT, Pomar analisa a situação do partido diante da crise política e os resultados do 5º Congresso do PT, que ocorreu em Salvador recentemente. “Eu faço uma avaliação negativa dos resultados do 5º Congresso do PT. Não tanto pelo que foi decidido, mas principalmente pelo que deixou de ser decidido. A posição que prevaleceu no 5º Congresso não é propriamente uma posição, uma estratégia, mas um agregado de distintas e contraditórias posturas”.
Defensor da organização de uma “frente democrática e popular” e da convocação de um “encontro nacional extraordinário ainda para este ano de 2015, para fazer mudanças imediatas e profundas na estratégia e na atuação do PT”, Valter Pomar é integrante da Articulação de Esquerda, uma das correntes do PT, e explica que nos anos 1990 “as tendências petistas podiam ser facilmente definidas a partir da linha política que cada uma defendia. Mas, nos últimos anos, várias tendências (ou pelo menos setores de várias tendências) foram deixando de ser correntes de opinião e foram se convertendo em correias de transmissão de interesses eleitorais. Em alguma medida, o crescimento da influência dos mandatos (parlamentares e também executivos) dentro do PT afetou o funcionamento e o papel das tendências partidárias. Isso converteu algumas tendências ou setores de tendência em ‘legendas’ através das quais se disputam espaços de poder nas instâncias partidárias”.
Ele esclarece ainda que as divisões existentes na esquerda hoje podem ser entendidas a partir de dois “extremos”: “há (1) quem deseje fazer uma frente de esquerda contra o governo; e (2) quem deseje fazer uma frente nacional em defesa do governo”. E esclarece que no partido convivem quatro “correntes programáticas: os social-liberais, os nacional-desenvolvimentistas, os social-democratas e os socialistas”.
Valter Pomar é historiador formado pela Universidade de São Paulo – USP e mestre e doutor em História Econômica pela mesma instituição. Foi secretário de Cultura, Esportes, Lazer e Turismo da Prefeitura Municipal de Campinas de 2001 a 2004. Atualmente, leciona na Universidade Federal do ABC.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Como avalia o atual momento da política brasileira? O que está acontecendo?
Valter Pomar - O que está acontecendo não é uma surpresa: estava no script. E as alternativas existem: o que ocorre é que no momento os setores conservadores estão na ofensiva. Evidentemente, há vários jeitos de entender e de explicar o que está acontecendo. No curto prazo, temos um grande curto-circuito: Dilma foi eleita no segundo turno das eleições presidenciais de 2014 sinalizando para o desenvolvimento, mas desde que tomou posse vem operando um ajuste fiscal recessivo.
Este ajuste fiscal recessivo, combinado com os efeitos colaterais da Operação Lava Jato, transformou o que era um problema totalmente administrável nas contas públicas, em uma crise econômica de graves proporções. O resultado desagrada quem votou em Dilma e não agrada quem votou no Aécio. Como os que votaram em Aécio quase ganharam a eleição presidencial de 2014, parte deles enxerga na situação uma chance de voltar à presidência da República, de preferência antes de 2018.
Mas a lógica da situação os conduz, em alguma medida, a criticar o ajuste fiscal que defenderam nas recentes eleições presidenciais. Crítica que demonstra, por outro lado, que a profundidade da crise também afeta as bases sociais da oposição de direita.
Aparente paradoxo também acontece na Operação Lava Jato. Para atacar o PT, estão expondo as entranhas do sistema de financiamento e corrupção que caracteriza a política burguesa no Brasil. E, por outro lado, o PT se vê na situação contraditória de ter que defender-se da acusação de ter feito o que os outros sempre fizeram, de ter incorrido em práticas que o PT sempre criticou.
Curto-circuito
Este curto-circuito é a expressão no curto prazo de algo mais profundo: a persistência de um impasse estrutural, tanto na relação do Brasil com o capitalismo internacional quanto na relação entre as classes sociais no Brasil. Este impasse remete ao final dos anos 1970, quando se combinaram a crise da ditadura militar e a crise do desenvolvimentismo conservador. Como resultado naquele momento, tivemos uma década economicamente perdida, mas ao mesmo tempo de intensa mobilização e organização social.
"Há os que parecem acreditar que a liderança de Lula teria poderes miraculosos" |
Como pano de fundo havia um empate entre dois grandes blocos político-sociais; o centro foi sendo polarizado pelos extremos, mas nenhum setor tinha força para impor sua solução para a crise. Motivo pelo qual todos os lados em pugna ficavam insatisfeitos com os arranjos parciais que resultavam da situação. Um sintoma deste empate é a Constituição de 1988. O PT não votou na Carta completa, porque a considerava conservadora. Por outro lado, o então presidente Sarney afirmava então que a Constituição Cidadã deixaria o país ingovernável.
Durante os anos 1990, de Fernando a Fernando, as forças da direita dedicaram três períodos presidenciais a desmontar os aspectos progressistas da Constituição de 88. Em seguida e desde 2003, os três períodos de Lula e Dilma dedicaram-se a cumprir o que lá está. O resultado, de certa forma, é que voltamos aos dilemas do final dos anos 1970 e dos anos 1980, quando estava claro que o país precisava fazer escolhas de longo prazo, entre diferentes vias de desenvolvimento.
Institucionalidade
Entre 1989 e 1992, a “solução” para o impasse foi canalizada institucionalmente, via eleição presidencial primeiro, via impeachment e posse do vice depois; 25 anos depois, a institucionalidade parece estar potencializando a crise. Isto decorre, ao menos em parte, do fato de que também na política estrito senso há um impasse.
Ameaçada em 1989, a direita optou pela americanização dos processos eleitorais. Isto não impediu a vitória petista, mas ajudou a retardá-la por 13 anos, além de fazê-la acompanhada de maiorias congressuais crescentemente conservadoras.
Alianças com o centro
Desde 2003, a esquerda aliada ao centro ganhou as eleições presidenciais, mas a direita aliada ao centro ganhou as eleições parlamentares. O que ajuda a explicar por quais motivos ninguém está satisfeito com as regras do jogo, ao mesmo tempo em que não se consegue maioria qualificada para mudar nada de essencial.
Como resultado do que falamos antes, a esquerda — mesmo que desejasse — não tinha e ainda não tem a força institucional necessária para fazer reformas estruturais. No lugar disto, a parcela da esquerda que chegou ao governo federal implementou um conjunto de políticas públicas bastante moderadas, mas que foram atacadas por setores conservadores como se estivéssemos praticando uma expropriação revolucionária.
O grande capital, sempre mais pragmático do que seus representantes políticos, tolerou a presença do PT no governo enquanto isto foi suportável para eles. Agora, por razões que dependem menos do PT e mais dos efeitos da crise de 2008 sobre o grande capital, aquela tolerância está no seu ponto mínimo.
Adaptando as palavras de Sarney, diante de uma administração federal encabeçada pelo PT, administração e partido que em alguma medida tem compromisso com os aspectos progressistas da Constituição de 1988, prevalece no grande capital, no oligopólio da mídia e na oposição de direita a decisão de deixar o país ingovernável.
Para isto, a direita mobiliza não apenas o seu núcleo duro — os meios de comunicação, a alta burocracia do Estado não eletiva (a exemplo do judiciário e do MP), o aparato de segurança, a cúpula das finanças, os parlamentares e igrejas conservadoras —, mas também aposta na mobilização de massa, coisa que não se via desde 1964.
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"Na minha opinião, o PT deve dizer publicamente para a presidenta que ela está seguindo um rumo incorreto" |
Para agravar a situação, existe a atitude suicida que predomina no governo federal e em amplos setores de sua base parlamentar e partidária, atitude suicida cuja máxima expressão é exatamente o ajuste fiscal.
A crescente crispação — econômica, social e política — reflete e por sua vez alimenta uma crescente tensão social, que se manifesta de diferentes maneiras, tais como a crescente violência policial contra a juventude pobre e negra da periferia, a histeria do fundamentalismo religioso, o protofascismo de setores médios.
Rupturas possíveis?
Não vamos sair deste nó sem algum tipo de ruptura. Setores da esquerda defendem uma ruptura democrática, via convocação de uma Assembleia Constituinte. Setores da direita defendem uma ruptura golpista, que pode assumir diferentes formas: o impeachment, a criminalização do PT, o parlamentarismo de fato e de direito, etc.
Esta é minha opinião, em linhas gerais, sobre o quadro político atual. Motivo pelo qual considero urgente organizar uma frente democrática e popular, coesionando os setores de esquerda, democráticos e populares que votaram em Dilma no segundo turno de 2014.
IHU On-Line - Que avaliação faz do 5º Congresso do PT, 35 anos após a fundação do partido? O que o 5º Congresso do PT demonstrou sobre a atual situação do partido?
Valter Pomar - Eu faço uma avaliação negativa dos resultados do 5º Congresso do PT. Não tanto pelo que foi decidido, mas principalmente pelo que deixou de ser decidido.
Para enfrentar a situação que descrevi antes, o PT precisava e segue precisando operar uma mudança rápida e profunda na sua estratégia, na sua política de alianças, na sua relação com o governo, na sua relação com as bases sociais e eleitorais, com os movimentos sociais, com os demais setores da esquerda brasileira, com os meios de comunicação, com a intelectualidade, assim como precisa fazer mudanças no funcionamento interno do próprio Partido.
Mas o que predominou no 5º Congresso nacional do PT foi uma “mudança a prazo”. Ou seja, a resolução do 5º Congresso sinalizou que o PT sabe que precisa mudar e que o PT pretende mudar. Mas mudança a prazo, futuramente. De imediato, nada se alterou: nem a política de alianças, nem a postura frente ao governo, nem o método de eleição das direções, nem o método de financiamento das campanhas eleitorais.
Imobilismo
O resultado prático deste imobilismo é que o maior partido da esquerda brasileira, o Partido da presidenta Dilma, o partido do ex-presidente Lula, escolheu ficar numa posição fundamentalmente passiva, no exato momento em que a direita está em plena ofensiva.
O único setor que pode sair beneficiado com isto é a oposição de direita. Pois mesmo a oposição de esquerda, mesmo aquela que pretende derrubar o governo e derrotar o PT, não tem tempo nem condições para beneficiar-se de uma eventual derrota do PT. Só a direita será capaz disto.
A posição que prevaleceu no 5º Congresso não é propriamente uma posição, uma estratégia, mas um agregado de distintas e contraditórias posturas. Alguns setores do Partido defendem aquilo que o governo está fazendo e, por óbvio, não consideram necessário mudar nada. Outros são contra o que o governo está fazendo, mas acham que não adiantaria falar explicitamente contra, pois isto poderia dificultar a mudança na política do governo; ou mesmo, caso o governo não mudasse, poderia desmoralizar o Partido e/ou gerar uma ruptura com o governo.
Ajuste, crise e redenção
Há quem pense que vivemos uma situação parecida com a de 2003-2006 e que o pior já teria passado: após o ajuste viria a crise e depois da crise viria a redenção. Dentre estes há os que parecem acreditar que a liderança de Lula teria poderes miraculosos.
Existe também quem discorde do que está sendo feito, mas não consiga se libertar da influência da estratégia adotada desde 1995, considerando impossível vencer sem conciliação de classes, sem o PMDB e sem o modus operandi adotado até agora.
"Quanto ao curto prazo, defendemos dar um cavalo de pau, que comece reduzindo a taxa de juros, passe pela execução plena do orçamento e prossiga com um imposto extraordinário sobre grandes fortunas." |
Quem venceu o 5º Congresso do PT, quem teve 55% dos votos na votação principal do Congresso, foi um agregado disto tudo que citei até agora, agregado que pode ser resumido no medo de mudar.
Quando o vento está a favor, isto se corrige mais ou menos fácil. Mas quando o vento está contra, como está agora, este tipo de atitude pode ser fatal. Por isto, defendo que — conforme está previsto no estatuto do Partido — seja convocado um encontro nacional extraordinário ainda para este ano de 2015, para fazer mudanças imediatas e profundas na estratégia e na atuação do Partido.
IHU On-Line - O senhor havia dito que as decisões tomadas no 5º Congresso do PT iriam influenciar a política externa brasileira, as relações do Brasil com os Estados Unidos e com os BRICS e os rumos da integração latino-americana e caribenha. Como esses temas foram discutidos e o que se pode esperar em relação a eles daqui para frente?
Valter Pomar - A Carta de Salvador, aprovada pelo 5º Congresso, trata de todos estes temas. Se fosse pelo que está escrito, eu diria que estamos indo no sentido correto. Mas entre a teoria e a prática, há certa distância. E entre o que o Partido decide e aquilo que o governo Dilma faz, há uma distância ainda maior. Veja por exemplo o que diz a Carta de Salvador acerca das políticas de austeridade e compare com o que nosso governo está fazendo.
Compare o que diz a Carta acerca da Venezuela e analise algumas das posturas adotadas pelas bancadas parlamentares do PT (e também do PSOL e do PCdoB) frente à ridícula excursão feita por Aécio & banda. Ou contraste a visita de Dilma aos EUA com as afirmações da Carta.
Em qualquer destes casos, fica claro que há um problema de fundo, que o 5º Congresso “enfrentou” calando sobre o que fazer. O problema de fundo é a relação entre partido e governo, especialmente agora, frente à inflexão de direita ocorrida neste segundo mandato Dilma, inclusive na política externa.
Na minha opinião, o PT deve dizer publicamente para a presidenta que ela está seguindo um rumo incorreto. Somos um partido de massas, não um partido clandestino, não um partido de quadros, nem tampouco correia de transmissão de um governo. Aliás, isto está implícito na Carta de Salvador, mas...
IHU On-Line - Quais são as divisões existentes no PT hoje? Que grupos pertencem a que divisões e como eles se relacionam?
Valter Pomar - Nos anos 1990 era fácil responder a esta questão: as tendências petistas podiam ser facilmente definidas a partir da linha política que cada uma defendia. Mas nos últimos anos, várias tendências (ou pelo menos setores de várias tendências) foram deixando de ser correntes de opinião e foram se convertendo em correias de transmissão de interesses eleitorais. Em alguma medida, o crescimento da influência dos mandatos (parlamentares e também executivos) dentro do PT afetou o funcionamento e o papel das tendências partidárias. Isso converteu algumas tendências ou setores de tendência em “legendas” através das quais se disputam espaços de poder nas instâncias partidárias.
Como decorrência, acontece de numa mesma tendência coabitarem posições políticas muito distintas. Acontece, também, de encontrarmos em diferentes tendências pessoas que têm a mesma posição sobre os grandes temas em debate: o programa, a estratégia, a tática, a concepção partidária.
"Quando ele (Lula) critica o partido, eu entendo que ele está se autocriticando" |
Por isto, prefiro responder a tua pergunta sem falar de cada tendência em particular. Na minha opinião, convivem no PT quatro grandes correntes programáticas: os social-liberais, os nacional-desenvolvimentistas, os social-democratas e os socialistas.
Além disso, convivem no PT grandes correntes estratégicas, que respondem diferentemente à pergunta sobre qual é (ou qual deveria ser) o caminho da classe trabalhadora para o poder, especialmente sobre como se deve articular construção partidária, ação institucional, luta social e cultural.
Tendências do PT
As atuais tendências do PT são, grosso modo, de dois tipos: as que se organizam para defender dentro do Partido uma determinada combinação entre programa e estratégia; e as que são “frentes”, contendo várias ou às vezes todas as linhas programáticas e estratégicas existentes no Partido.
No caso destas tendências-frente, o que explica tal convivência? Penso que o pragmatismo. Não apenas o pragmatismo de quem deseja ser ou manter maioria, mas um pragmatismo mais profundo, que despreza o papel da teoria, da reflexão, das diretrizes de longo prazo.
Quem paga a conta desta postura é o PT como um todo, que fica carente de definições que só poderiam surgir de um intenso debate, tanto interno quanto do intercâmbio com outros setores, partidários ou não, que compõem a esquerda brasileira.
IHU On-Line - Quais as diferenças entre a Mensagem e a Democracia Socialista e a tendência petista Articulação de Esquerda?
Valter Pomar - Há diversas diferenças, algumas vinculadas a questões táticas (como a política implementada por ministros vinculados à Democracia Socialista - DS e à Mensagem, notadamente o ministro da Justiça), outras vinculadas a diferenças programáticas e estratégicas (por exemplo, a Articulação de Esquerda não está de acordo com as formulações da DS e da Mensagem acerca da “revolução democrática”).
Quem estiver interessado em conhecer melhor estas diferenças pode consultar as publicações destas tendências, especialmente da DS (que tem raízes anteriores à criação do PT) e da AE (criada em 1993).
Entretanto, no 5º Congresso do PT, os delegados e as delegadas vinculadas à Mensagem, à Democracia Socialista e à Articulação de Esquerda votaram conjuntamente diversas vezes, fazendo parte dos 45% do Partido que defendeu um posicionamento público e crítico contra o ajuste fiscal. E também ajudaram a aprovar a importante “Carta de Porto Alegre”, aprovada recentemente pelo diretório do PT do estado do Rio Grande do Sul.
IHU On-Line - Em que aspectos a tendência petista Articulação de Esquerda se diferencia do restante do PT? E o que ela poderia oferecer de diferente em relação aos partidos de esquerda que existem no país atualmente?
Valter Pomar - Bom, nós da Articulação de Esquerda temos todos os defeitos do petismo. E não acho que tenhamos todas as qualidades do Partido. Além disso, nosso tamanho é muito reduzido. Motivos pelos quais o que temos a oferecer é nosso esforço em prol de que o PT continue a contribuir — junto com outros setores da esquerda político-social — para a emancipação da classe trabalhadora brasileira.
Este nosso esforço inclui tentar não cometer os mesmos erros de alguns grupos que hoje são majoritários na direção nacional do PT. Entre estes defeitos, está ter interrompido o esforço de reflexão programática e estratégica, insistir numa estratégia superada, defender a conciliação de classe, abandonar de fato ou de direito a luta pelo socialismo, etc.
IHU On-Line - Quais são as propostas da Articulação de Esquerda tanto para a política quanto para a economia?
Valter Pomar - Em nossa opinião, o PT tem que dar conta, sozinho ou em cooperação com outras forças, de cinco grandes tarefas: (1) reocupar as ruas, (2) construir uma frente democrática e popular, (3) mudar nossa estratégia, (4) alterar a linha do governo e (5) realizar transformações profundas no próprio PT. Precisamos de um “partido para tempos de guerra”.
Defendemos que o PT apresenta a seguinte “plataforma” para a frente democrática e popular:
1) Reforma política, através de uma Constituinte exclusiva precedida de plebiscito oficial;
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"Como estou convencido de que foram principalmente os nossos erros que nos colocaram na atual situação, considero possível que nossos acertos nos tirem do pântano" |
2) Democracia na comunicação, com a Lei da Mídia Democrática e a implantação das principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009;
3) Democracia representativa, democracia direta e democracia participativa;
4) Pauta da classe trabalhadora, incluindo a luta contra o PL 4330 (terceirização), a luta contra as MP 664 e 665, o fim do fator previdenciário, a implantação da jornada de 40 horas sem redução de salários, assim como as medidas indicadas por seis centrais sindicais em nota divulgada dia 13/01/2015;
5) Reformas estruturais, com destaque para a Lei da Mídia Democrática, a reforma política, as reformas agrária e urbana, a universalização das políticas de saúde e educação, a defesa dos direitos humanos e a desmilitarização das Polícias Militares;
6) Salto na oferta e na qualidade dos serviços públicos oferecidos ao povo brasileiro, em especial na educação pública, no transporte público, na segurança pública e no SUS;
7) Ampliação da importância e dos recursos destinados às áreas da comunicação, da educação, da cultura e do esporte;
8) Proteção dos direitos humanos, defesa dos direitos e da vida das mulheres, criminalização da homofobia, enfrentamento do racismo e dos que buscam criminalizar os movimentos sociais, luta contra a redução da maioridade penal, revisão da Lei da Anistia de 1979 e punição dos torturadores, reforma das polícias e desmilitarização das PMs;
9) Soberania efetiva sobre as riquezas nacionais, entre as quais o Pré-Sal, e controle democrático sobre as instituições que administram a economia brasileira, entre as quais o Banco Central;
10) Política de desenvolvimento de novo tipo, ambientalmente orientada, articulada com as reformas estruturais democráticas e populares (com destaque para as reformas urbana, agrária e tributária) e com nossa luta pelo socialismo.
Quanto ao curto prazo, defendemos "dar um cavalo de pau", que comece reduzindo a taxa de juros, passe pela execução plena do orçamento e prossiga com um imposto extraordinário sobre grandes fortunas. Noutras palavras, que os ricos paguem a conta do ajuste.
IHU On-Line - Quais são as propostas de frente de esquerda que surgem no atual momento político? Como e em que elas se diferenciam?
Valter Pomar - Para responder, cito de memória o que disse recentemente o jornalista Breno Altman: se tivéssemos perdido a eleição presidencial de 2014, nós estaríamos montando uma frente para combater o governo da direita; se Dilma estivesse aplicando o programa com o qual ela foi eleita, estaríamos montando uma frente para defender o governo contra a direita. Mas como ganhamos a eleição e o governo Dilma está aplicando uma política de ajuste recessivo, nossa frente deve dar conta desta situação confusa. É em torno de como responder a esta confusão que se organizam as diferentes propostas de “frente”.
Duas propostas de Frente de Esquerda
Nos extremos há (1) quem deseje fazer uma frente de esquerda contra o governo; e (2) quem deseje fazer uma frente nacional em defesa do governo. Entre estes dois extremos, estão os que consideramos fundamental defender a democracia contra o golpismo; que entendemos que só haverá êxito nesta defesa se mobilizarmos a classe trabalhadora em defesa de seus direitos econômicos e sociais; que achamos que isto inclui combater o ajuste fiscal e também defender a soberania nacional, a integração regional e as reformas estruturais.
O ideal seria achar um ponto de equilíbrio, que evitasse o erro dos que desejam tanto derrotar o governo, que subestimam a ameaça da direita, quanto o erro dos que desejam tanto defender o governo, que subestimam os efeitos do ajuste. Alguns pretendem resolver esta dificuldade, dando aos movimentos sociais o protagonismo na frente e colocando os partidos em papel de apoiadores.
Esta solução, talvez inspirada no modelo Fórum Social Mundial, não resolverá o problema, pois o problema não está nos partidos por serem partidos. Aliás, não importa se somos militantes de partidos ou de movimentos sociais, pois independente disto as questões a ser respondidas continuam sendo no fundamental as mesmas: como vemos a correlação de forças geral na sociedade, como vemos o papel do atual governo e como avaliamos o que ocorreria em caso de a direita assumir o governo.
Nas reuniões de que participei nos últimos meses para debater a frente, não vi ninguém defendendo uma frente apenas partidária, não vi ninguém defendendo uma frente apenas de movimentos sociais. Por outro lado, é voz comum que os movimentos sociais cumprem papel fundamental nesta frente, que se bem construída pode inclusive se converter no "partido dos que não tem partido", sem que isto se constitua numa ameaça para os partidos de esquerda que aderirem à proposta de frente.
IHU On-Line – Semana passada Lula se reuniu com deputados e senadores do PT, mas não com ministros do governo Dilma. Ele está se aproximando de um grupo? Ainda nesse sentido, qual é o significado das críticas de Lula ao PT, como as que ele fez à presidente Dilma recentemente? Elas ainda tem sentido ou chegaram tarde?
Valter Pomar - Eu não vejo a questão assim. O Lula não está se “aproximando” dos parlamentares do partido, ele sempre manteve diálogo com nossas bancadas. Nem está se “recusando” a se reunir com ministros do governo. Pelo contrário, ele conversa frequentemente com a presidenta Dilma e com a equipe da presidenta.
Quanto às críticas de Lula ao PT e também ao governo Dilma, penso que ele deveria ter apresentado estas críticas ao Congresso do partido. Se ele tivesse feito isso, provavelmente os 45% seriam 51% e nós teríamos vencido votações importantes no Congresso do PT.
Ademais, Lula é integrante do partido e integrante do grupo que dirigiu o PT desde 1995 até os dias de hoje. Portanto, quando ele critica o partido, eu entendo que ele está se autocriticando, seja na qualidade de militante do PT, seja por ser um dos principais dirigentes do PT, seja por ser do grupo atualmente majoritário na direção do partido.
Falta de conteúdo
Finalmente, não acho que basta falar frases como “precisamos de uma revolução no PT”. É necessário dar conteúdo preciso para este tipo de frase. O Partido dos Trabalhadores quer ser apenas e tão somente um partido de governo, comprometido com políticas de governo, comprometido com o que é possível fazer no âmbito de um governo? Ou o Partido dos Trabalhadores quer fazer uma transformação profunda na estrutura econômica e social do país, fazer reformas estruturais e caminhar em direção a uma sociedade socialista? E sua atuação no governo está a serviço destes objetivos?
Estas são definições de fundo, programáticas e estratégicas, que já foram feitas várias vezes ao longo da história do PT e sobre as quais, hoje, cada dirigente deveria se posicionar, sob pena de as críticas, justas ou não, não servirem para resolver nossos problemas.
"Não acho que basta falar frases como ‘precisamos de uma revolução no PT’. É necessário dar conteúdo preciso para este tipo de frase"
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IHU On-Line – O ex-presidente Lula disse recentemente que o governo Dilma está “no volume morto” e que o governo dela parece “um governo de mudos”. Como esse tipo de comentário contribui para aumentar as diferenças dentro do partido?
Valter Pomar - Não acho que acrescente nada eu dizer minha opinião sobre frases específicas que Lula teria dito.
Agora, para mim os principais problemas desta segunda gestão do governo Dilma não são de comunicação. O principal problema foi ter optado por um ajuste fiscal recessivo. Um governo de esquerda, ao enfrentar desajustes nas contas públicas, deve adotar pelo menos a progressividade na hora de distribuir a conta. Quem tem mais, paga mais.
IHU On-Line - Os governos Lula e o primeiro governo Dilma foram marcados pelo presidencialismo de coalizão. Como deve se dar a articulação política do PT numa nova reconfiguração? Permanece o presidencialismo de coalizão, só que com outros atores políticos?
Valter Pomar - O que está em jogo, do ponto de vista do PT, é saber qual programa será implementado. Se for o programa vitorioso no segundo turno, então teremos um governo de minoria parlamentar. Se for o programa derrotado no segundo turno, então teremos um parlamentarismo de fato. Em nenhum dos casos, o PMDB será aliado estratégico do PT.
IHU On-Line - Durante os anos do governo Lula, especialmente, as políticas keynesianas foram vistas como políticas que contribuíram para fazer a inclusão social no país. Contudo, no governo Dilma, alguns começaram a afirmar que as políticas de inclusão social favoreceram mais os banqueiros do que a população. Por que afirma que é preciso combater o “keynesianismo social-liberal”?
Valter Pomar - As políticas adotadas no segundo governo Lula não são qualitativamente distintas das que foram aplicadas no primeiro mandato de Dilma. E o que está sendo feito neste segundo mandato de Dilma não é essencialmente diferente daquilo que foi feito no primeiro mandato de Lula. Um bom exemplo desta semelhança está exatamente nos programas de “inclusão social”. Como o próprio nome indica, se enfatizou a “inclusão”, portanto sem necessariamente alterar os padrões de riqueza e propriedade.
Ora, se a inclusão se faz principalmente através dos mercados, se o Estado cumpre basicamente o papel de financiador, são os mercados que ficam com a parte do leão. E se os mercados são hegemonizados pelos setores financeiro, monopolista e transnacional, então em última análise as políticas ditas “keynesianas” estão fortalecendo os setores sociais que constituem a base do chamado neoliberalismo.
Evidente que foi acertado fazer políticas pró-consumo. Aliás, quem fala que estas políticas estão esgotadas deveria dar mais uma volta na periferia das grandes cidades e ver a enorme carência que segue existindo. Evidente, também, que políticas pró-consumo podem e devem envolver um bom nível de estímulo às empresas privadas. Portanto, não acho que o problema esteja nas políticas pró-consumo em si, nem no estímulo dado ao setor privado. O problema está na composição deste setor privado, na relação entre este setor e o Estado, no papel do Estado.
Estado x mercado
Desde 2003, tomamos algumas medidas para fortalecer o Estado. Mas a estrutura social continuou dominada pelo capital financeiro, transnacional, monopolista, etc. E não foram adotadas políticas visando alterar esta situação, pelo contrário.
Num ambiente internacional favorável, isto não parecia ser um problema. Mas quando o ambiente internacional mudou, os problemas ficaram claros. E como o “keynesianismo social-liberal” influencia amplos setores da esquerda, o atual “ajuste” segue a mesma receita que causou a doença: acreditar que o crescimento virá do estímulo ao “espírito animal” do empresariado, cabendo ao Estado fazer sacrifícios que “animem o monstro”.
A experiência dos governos social-democratas na Europa e dos governos populistas na América Latina, desde os anos 1970 até hoje, já haviam demonstrado seguidas vezes as desventuras do keynesianismo em tempos neoliberais.
Por isto é que, para além de combater o ajuste fiscal, precisamos combater e superar o “keynesianismo social-liberal”. Sem isto, vamos ficar correndo atrás do rabo, exatamente como acontece com alguns setores na Europa.
IHU On-Line - Qual é a alternativa ao que o senhor chama de "keynesianismo social-liberal"? E qual é o espaço para implantar essa outra via no país?
Valter Pomar - A alternativa passa por quebrar a hegemonia do capital financeiro, monopolista e transnacional sobre a economia brasileira, fortalecendo tanto o Estado quanto um amplo setor de pequenas e médias empresas. Tem muito espaço para o desenvolvimento capitalista aqui no Brasil, mas paradoxalmente isto só vai acontecer se existir um Estado hegemonizado por forças democráticas, populares e socialistas.
O “espaço” histórico para isto acontecer é enorme, se a classe trabalhadora e suas organizações abandonarem este hábito esquisito que consiste em conciliar quando estão fortes e radicalizar quando estão fracas.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Valter Pomar - Sim. Primeiro quero citar um manifesto que começou a circular dia 1º de julho, por iniciativa de um conjunto de militantes de movimentos populares, sindicais, pastorais e partidos políticos. Este manifesto abre dizendo que “não podemos aceitar a quebra da legalidade democrática, sob que pretexto for”. Lembra que “os inconformados com o resultado das eleições ou com as ações dos mandatos recém-nomeados têm todo o direito de fazer oposição, manifestar-se e lançar mão de todos os recursos previstos em lei”. Mas devemos nos insurgir contra as reiteradas tentativas de setores da oposição e do oligopólio da mídia, que buscam criar, através de procedimentos ilegais, pretextos artificiais para a interrupção da legalidade democrática.
O mesmo manifesto lembra que “o povo brasileiro escolheu, em 1993, manter o presidencialismo. Desde então, a relação entre o presidente da República e o Congresso Nacional já passou por diversas fases. Mas nunca se viu o que se está vendo agora: a tentativa, por parte do presidente da Câmara dos Deputados, às vezes em conluio com o presidente do Senado, de usurpar os poderes presidenciais e impor, ao país, uma pauta conservadora que não foi a vitoriosa nas eleições de 2014”.
O povo brasileiro deve manifestar-se, pressionar os legisladores, para que respeitem os direitos das verdadeiras maiorias, a democracia, os direitos sociais, os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, os direitos humanos, os direitos das mulheres, da juventude, dos negros e negras, dos LGBTT, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, o direito ao bem-estar, ao desenvolvimento e à soberania nacional.
O manifesto acusa setores do Judiciário e do Ministério Público de querer “substituir o papel dos outros poderes, assumir papel de Polícia e desrespeitar a Constituição”. E convoca todos os setores democráticos a reafirmar as liberdades constitucionais básicas, entre as quais a de que ninguém será considerado culpado sem devido julgamento: justiça sim, justiceiros, não!
Convoca, também, os setores democráticos e populares a lutar em defesa da Lei da Mídia Democrática, que garanta a verdadeira liberdade de expressão, de comunicação e de imprensa.
E deixa claro que um consórcio entre forças políticas conservadoras, o oligopólio da mídia, setores do judiciário e da Polícia trabalham para quebrar a legalidade democrática, aproveitando-se para isto de erros cometidos por setores democráticos e populares, entre os quais aqueles cometidos pelo governo federal.
As forças de esquerda, democráticas e populares, devem estar na linha de frente da luta contra o ajuste fiscal e contra a corrupção. Mas não podem aceitar nenhuma quebra da legalidade.
Jogaram a toalha
Por fim: estamos num momento tão complicado, que muitas pessoas jogam a toalha e já ficam discutindo o day after. Acho este comportamento irresponsável, por uma razão simples. Não haverá day after. Nem year after. Se a direita retomar o governo, talvez passem décadas de muito sofrimento para a classe trabalhadora, antes que outros possam retomar mais ou menos de onde paramos. E se nós não conseguirmos resolver os problemas postos hoje, isto pesará negativamente sobre as gerações futuras. Assim, acho que o correto é fazer de tudo, aqui e agora, para alterar a correlação de forças. E como estou convencido de que foram principalmente os nossos erros que nos colocaram na atual situação, considero possível que nossos acertos nos tirem do pântano, nos reagrupem, nos permitam sair da defensiva e nos permitam voltar à ofensiva em favor de uma alternativa democrática, popular e socialista para o Brasil.
Por Patricia Fachin
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O curto-circuito imediato e os efeitos de um impasse estrutural na política brasileira. Entrevista especial com Valter Pomar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU