25 Junho 2015
“O esgotamento do lulismo está deixando um vácuo no campo da esquerda no país”, afirma o economista.
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Apesar de o lulismo dar sinais de esgotamento, o modelo neodesenvolvimentista, implantado pelo ex-presidente Lula e seguido pela presidente Dilma em seu primeiro mandato, não deve ser visto como um “fracasso”, pois “proporcionou ganhos reais à maioria dos brasileiros por um período de mais de uma década, mas, hoje, diante da crise econômica mundial e do engessamento político do PT, não tem mais gerado aqueles ganhos”, ressalta Felipe Amin Filomeno na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail.
Na avaliação do sociólogo, a redução das políticas keynesianas e das políticas sociais de cunho social-democrata que vinham sendo implementadas até o primeiro governo Dilma estão diretamente atreladas às dificuldades que o país enfrenta por conta da crise internacional. “O problema é que a crise mundial tem imposto limites ao crescimento econômico do país e, assim, à capacidade do governo de responder a estas novas demandas”, afirma.
Contudo, pontua, “há diferentes maneiras” de promover ajuste fiscal e controlar a inflação para retomar o crescimento econômico, continuar investindo em políticas sociais e reequilibrar as contas públicas. Entre as reformas que “poderiam destravar o desenvolvimento do país”, sugere, estão a reforma agrária e a tributária, mas “o PT governista não as coloca na agenda por estar preso nos quadros do presidencialismo de coalizão, se é que ainda existe um presidencialismo de coalizão”, comenta.
Para ele, o caminho econômico escolhido pela presidente para solucionar a crise econômica e reequilibrar as contas públicas “ameaça as conquistas sociais anteriores ao invés de aprofundá-las. Na melhor das hipóteses, trata-se de uma estratégia ‘stop-and-go’, dando um passo para trás para depois dar dois à frente”. Entretanto, adverte, “2015 é diferente de 2003, quando Lula adotou uma política econômica ortodoxa para garantir a governabilidade e, depois, numa conjuntura mundial favorável, passou a implementar o modelo propriamente lulista. Dilma pode acabar ficando só no ‘stop’”.
Otimista, Felipe Amin Filomeno aposta na articulação de uma nova “frente de esquerda” que pode surgir como uma alternativa política ao que temos hoje. “A principal função desta frente seria mobilizar os setores populares e a classe média emergente em torno de uma nova onda de reformas e políticas que promovam a inclusão social. O PT e a presidente Dilma não souberam "surfar" a onda das manifestações de rua de 2013. A nova frente de esquerda precisa ser a expressão destas manifestações no plano partidário”, conclui.
Felipe Amin Filomeno é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, mestre em Sociologia pela Johns Hopkins University, mestre em Economia pela UFSC e doutor em Sociologia pela Johns Hopkins University. Atualmente é articulista para a revista digital Outras Palavras.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line - O senhor menciona que já é possível evidenciar o esgotamento do lulismo desde os protestos de junho de 2013. Quais são as razões do esgotamento do lulismo?
Felipe Amin Filomeno - Eu defino o lulismo como o modelo de desenvolvimento que foi adotado no Brasil, sob a liderança do ex-presidente Lula, a partir de seu primeiro mandato. Trata-se de um conjunto de políticas econômicas e sociais de cunho social-democrata, que ao longo dos anos oscilou entre a ortodoxia neoliberal e o pragmatismo keynesiano. Em nível global, o lulismo dependeu de uma economia mundial próspera, marcada por altos preços para as commodities, alta liquidez e alto crescimento econômico em países considerados emergentes. Em nível nacional, o lulismo dependeu de um consenso de classe mínimo entre capital e trabalho e foi viabilizado politicamente através do presidencialismo de coalizão. O sucesso do lulismo, em termos de promoção do desenvolvimento socioeconômico no país, elevou as expectativas da sociedade.
Com a redução da miséria e da fome, com a ampliação do ensino público federal, com a maior formalização do mercado de trabalho, passaram a surgir novas demandas. O problema é que a crise mundial tem imposto limites ao crescimento econômico do país e, assim, à capacidade do governo de responder a estas novas demandas. Há reformas que poderiam destravar o desenvolvimento do país, como a reforma tributária e a reforma agrária, mas que o PT governista não as coloca na agenda por estar preso nos quadros do presidencialismo de coalizão, se é que ainda existe um presidencialismo de coalizão.
IHU On-Line - Mesmo com esse esgotamento do lulismo, como explica a reeleição de Dilma?
Felipe Amin Filomeno - Dilma foi reeleita porque sua campanha eleitoral soube comunicar à população que aquelas novas demandas seriam atendidas com o aprofundamento de políticas de cunho social-democrata. Daí o slogan "Muda Mais". O problema é que isto não passou da eleição. Percebendo que a eleição tinha sido apertada, que o país estava politicamente mais polarizado e que as forças conservadoras estavam se aproveitando (e fomentando) do esgotamento do lulismo, Dilma começou a implementar um ajuste "à direita", neoliberal. Fez isto com a expectativa de controlar a inflação, acalmar o capital e reaglutinar sua base de sustentação política. Porém, a reaglutinação de sua base política não está ocorrendo e a redução da inflação, se e quando acontecer, terá alto custo social.
IHU On-Line - O PT também rompeu com o lulismo?
Felipe Amin Filomeno - Parcialmente. O ex-presidente Lula rompeu com o lulismo, pelo menos com o lulismo tal como eu o defino. Ele tem criticado o engessamento do PT no governo, tem defendido a adoção de políticas mais radicais, tem promovido uma rearticulação da esquerda e uma reaproximação do PT dos movimentos sociais e da sociedade civil.
Há outras lideranças lúcidas no PT que parecem ter visão semelhante, como o Tarso Genro e o Eduardo Suplicy. O Haddad em São Paulo tem tentado implementar uma política urbana bastante inovadora e progressista, o que mostra que há vitalidade em certos setores do PT.
IHU On-Line - Com o fim do lulismo, como ficam os pobres, os trabalhadores e a classe C, que cresceu economicamente, os quais foram os grandes personagens do lulismo?
Felipe Amin Filomeno - Ficam em posição extremamente vulnerável, especialmente com um ajuste fiscal "à direita", que dificulta o acesso ao seguro-desemprego ao mesmo tempo que evita regulamentar o imposto sobre grandes fortunas. Mas não é só o ajuste proposto pelo Poder Executivo, há também ameaças no plano legislativo, como no caso da lei da terceirização.
IHU On-Line - Por que o desenvolvimentismo iniciado por Lula e continuado por Dilma parece dar sinais de fracasso? O que deu errado para que depois de 12 anos de entusiasmo tanto em relação à distribuição de renda e crescimento da classe C, o Brasil se veja diante de um cenário de crise econômica, baixo crescimento e numa conjuntura em que o Estado opta por um ajuste fiscal?
Felipe Amin Filomeno - Não é um fracasso, é um esgotamento, pois o lulismo proporcionou ganhos reais à maioria dos brasileiros por um período de mais de uma década, mas, hoje, diante da crise econômica mundial e do engessamento político do PT, não tem mais gerado aqueles ganhos. É preciso inovar "pela esquerda", como os brasileiros haviam indicado democraticamente no segundo turno da eleição presidencial.
IHU On-Line - Em que aspectos a gestão da presidente Dilma se aproxima e se afasta do lulismo? Que traços do lulismo aparecem no governo Dilma e, por outro lado, que pontos do lulismo a presidente rejeita?
Felipe Amin Filomeno - A presidente Dilma se manifestou contra o projeto de lei que amplia as possibilidades de terceirização. Ela também se manifestou contra a redução da maioridade penal, um projeto de lei que tem um viés de classe fortíssimo contra o pobre. No plano internacional, manifestou-se contra sanções contra a Venezuela e em defesa do diálogo como forma de promoção da democracia naquele país. Estes são elementos progressistas de sua agenda política, coerentes com os ideais do lulismo.
O ajuste neoliberal é contrário a estes ideais, mas mesmo Lula implementou uma política econômica mais ortodoxa no início de seu primeiro mandato. O lulismo, por envolver um pacto de classes e operar através de um presidencialismo de coalizão, tem suas ambiguidades e contradições.
IHU On-Line - Muito se fala da influência que o ex-presidente Lula exerce no governo Dilma, na indicação de possíveis nomes no ministério da Fazenda. Por que a escolha de Levy no ministério e o ajuste fiscal feito pelo governo Dilma são sinais do encerramento do ciclo lulista da economia política brasileira, como o senhor sugere?
Felipe Amin Filomeno - Há diferentes maneiras de se promover um ajuste fiscal e de controlar a inflação. A maneira escolhida pelo segundo governo Dilma ameaça as conquistas sociais anteriores ao invés de aprofundá-las. Na melhor das hipóteses, trata-se de uma estratégia "stop-and-go", dando um passo para trás para depois dar dois à frente. Mas 2015 é diferente de 2003, quando Lula adotou uma política econômica ortodoxa para garantir a governabilidade e, depois, numa conjuntura mundial favorável, passou a implementar o modelo propriamente lulista. Dilma pode acabar ficando só no "stop".
IHU On-Line - Enquanto esteve na presidência, Lula sempre dialogou politicamente com os seus opositores e, inclusive na sua gestão, os ricos e rentistas foram fortemente favorecidos. O que muda na conjuntura atual? Que espaço Lula ainda tem na política brasileira atualmente?
Felipe Amin Filomeno - Acho que o ex-presidente ainda desfruta de alta popularidade junto à sociedade, apesar de todo esforço dos grandes grupos empresariais de comunicação para minar sua viabilidade política. Lula é a principal liderança política do país fora do governo. E ainda que Lula tenha implementado uma política de consenso, dialogando com opositores e se articulando com o grande capital, o Lula de 2015, ao que parece, escolheu as forças populares e os movimentos sociais como parceiros para o diálogo.
IHU On-0Line - Que rumos vislumbra para a economia brasileira após 13 anos de propostas chamadas de “neodesenvolvimentistas”?
Felipe Amin Filomeno - São tempos difíceis. O ajuste fiscal neoliberal, por si só, não garantirá a retomada do desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Para isto, será necessária uma nova onda de reformas, no plano doméstico, ou uma nova onda de crescimento econômico, no plano mundial. Nenhuma destas duas condições parece estar emergindo no médio prazo.
IHU On-Line - Em artigo recente o senhor menciona que os movimentos sociais e partidos de esquerda estão se reconfigurando e há sinais da criação de uma nova frente de esquerda. Em que consiste essa nova frente de esquerda e o que ela pode oferecer de diferente em relação aos partidos de esquerda que existem no país atualmente?
Felipe Amin Filomeno - A nova frente de esquerda seria uma aliança de partidos políticos à esquerda do centro (incluindo o PT), movimentos sociais e organizações da sociedade civil que tem o objetivo comum de aprofundar a democracia e combater a desigualdade social nesta conjuntura de crise (incluindo a crise do lulismo). Atualmente, esta frente é apenas uma possibilidade em consideração. Do meu ponto de vista, a principal função desta frente seria mobilizar os setores populares e a classe média emergente em torno de uma nova onda de reformas e políticas que promovam a inclusão social. O PT e a presidente Dilma não souberam "surfar" a onda das manifestações de rua de 2013. A nova frente de esquerda precisa ser a expressão destas manifestações no plano partidário. Num quadro de desencantamento com o sistema político e de esgotamento do lulismo, é importante que os setores populares e de classe média sejam mobilizados politicamente de uma maneira progressista, para que não acabem aumentando as fileiras do fascismo evangélico, do panelismo dos Jardins e de outros movimentos reacionários que existem no país hoje.
IHU On-Line - Depois do lulismo, o que podemos esperar? O fim do lulismo cria um impulso por um novo ativismo de esquerda?
Felipe Amin Filomeno - O esgotamento do lulismo está deixando um vácuo no campo da esquerda no país. Este vácuo não será permanente, pois o Brasil ainda é um país muito desigual, cheio de privilégios e preconceitos. Apesar de toda manipulação que a mídia faz da opinião pública, este quadro estrutural de injustiça social mantém vivo o discurso da esquerda e sua viabilidade política.
IHU On-Line - Muitas análises políticas e sociológicas demonstram entusiasmo com o Podemos e o Syriza. Vislumbra o surgimento de alguma alternativa política desse tipo no Brasil?
Felipe Amin Filomeno - A nova frente de esquerda que pode ser criada no Brasil seria uma alternativa ao que temos hoje, mas acho que seria distinta do Podemos e do Syriza no sentido de que estes surgiram de um quadro de profunda crise econômica, muito mais profunda do que a que o Brasil vive. No ano passado, o desemprego entre os jovens na Espanha e na Grécia passou de 50%. Não consigo nem imaginar o que seria o Brasil se 50% dos jovens estivessem desempregados.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Felipe Amin Filomeno - Sim, que, apesar desta conjuntura, sou otimista. Vejo com esperança a maior transparência na administração pública, o ativismo da CNBB, da OAB, do MTST, e a proliferação de veículos de mídia alternativa que democratizam a produção e o consumo da informação.
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Uma nova frente de esquerda, distinta do Podemos e Syriza, pode ser criada no País. Entrevista especial com Felipe Amin Filomeno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU