09 Novembro 2010
Ainda que o governo Dilma seja considerado uma continuidade do que Lula construiu, o professor Célio Bermann vê aí uma excelente oportunidade para que as populações atingidas pelas grandes obras do PAC possam ser finalmente ouvidas e, assim, os projetos reavaliados. No entanto, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line, o professor deixa claro que tem uma visão pessimista. Dilma tem um perfil técnico e conhece o setor energético, mas ele não espera mudança no que vem sendo feito. “Dentre as várias obras previstas no PAC, as usinas hidrelétricas vão continuar tendo um destaque muito grande. Do ponto de vista da condução dos programas de infraestrutura previstos já no governo Lula, penso que não haverá qualquer alteração significativa”, apontou.
Célio Bermann é arquiteto graduado pela Universidade de São Paulo, com especialização em História e Geografia das Populações, pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França. É mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp. Em 2006, recebeu o título de Livre Docência pela USP. Atualmente, trabalha no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Considerando que Dilma é a “mãe do PAC”, como o governo dela vai conduzir a questão das hidrelétricas na Amazônia?
Célio Bermann – Eu não espero qualquer alteração, particularmente, no Programa de Aceleração do Crescimento. Dentre das várias obras previstas no PAC, as usinas hidrelétricas vão continuar tendo um destaque muito grande. Do ponto de vista da condução dos programas de infraestrutura previstos já no governo Lula, penso que não haverá qualquer alteração significativa.
IHU On-Line – A partir da postura já conhecida e defendida da presidente eleita, como o senhor imagina que ela vai agir na transposição do Rio São Francisco e na construção da hidrelétrica de Belo Monte?
Célio Bermann – Conhecendo a forma como a presidente eleita conduz o diálogo com as populações envolvidas com essas obras, não alimento qualquer esperança de uma redefinição dessa forma de continuar o processo. Porém, entendo que Dilma tem a grande oportunidade de reorganizar a forma de encaminhamento destes grandes projetos, ou seja, ela pode redefinir as relações estabelecidas com as populações afetadas pelas obras de construção das hidrelétricas. Assim, ela poderá redefinir a postura que o governo Lula teve.
Eu vejo com bastante pessimismo as possibilidades de alteração do projeto, mas defino que será uma excelente oportunidade para que os direitos das populações atingidas, que sempre foram desconsiderados dos planos, sejam efetivamente revistos.
IHU On-Line – Dilma é considerada uma técnica com muito conhecimento no setor energético. Isso indica algum tipo de mudanças?
Célio Bermann – Evidentemente, uma pessoa que estará na presidência da República com as características de Dilma possui a possibilidade de definir, de uma forma distinta, uma ótica onde a questão econômica não prevaleça sobre o social.
IHU On-Line – Há alternativas para esses projetos de geração de energia que o governo está levando em frente?
Célio Bermann – É claro que da discussão a partir da visão crítica dos projetos do governo sempre surge a questão a respeito de quais são as alternativas para que os problemas que são identificados nos atuais projetos do governo possam estabelecer uma nova relação de forma a reduzir significativamente os problemas sociais e ambientais que configuram a ótica dos atuais projetos. O problema, eu insisto sempre, é que não se trata de definir alternativas, que são sempre de oferta de energia, que não sejam as grandes usinas hidrelétricas e combustíveis fósseis. Parece que o grande debate a ser feito, onde espero que o próximo governo tenha a responsabilidade de conduzir essa discussão, é sobre a demanda de energia a ser produzida. Há uma ausência, atualmente, do debate, que é, em outras palavras, uma discussão de “energia para quem e para quê?”.
O fato de 30% da energia elétrica no Brasil ser consumida por setores industriais intensivos em energia, mas que geram uma quantidade pequena de empregos e que contribui de uma forma bastante reduzida à receita do país, permite que a gente reveja essa situação. Não estou dizendo que usinas de produção de aço, fábricas de produção de alumínio sejam fechadas, mas é o momento de se reorientar a expansão dessas atividades. Nesse sentido, a mudança no padrão de desenvolvimento antecede a discussão das alternativas de energia para atender essa demanda.
IHU On-Line – Qual teria sido, nesse sentido, a diferença entre Marina e Dilma?
Célio Bermann – Se observarmos os programas que foram tornados públicos das duas candidatas, veremos que existem diferenças que são muito mais formais, na minha visão, do que efetivamente de conteúdo. Tanto Dilma quanto Marina, ao se referirem à necessidade de aumento da oferta de energia, conduziam o seu discurso da mesma forma. Evidentemente, a candidata Marina trazia com maior centralidade a questão ambiental, mas, de qualquer forma, a não incorporação da discussão do perfil de consumo que nós queremos ter no Brasil essa ausência esteve presente nas duas candidaturas. Penso que daremos um passo muito importante na definição do futuro do nosso país quando o debate que proponho for efetivamente definido.
IHU On-Line – Dilma pode mudar o Plano Decenal de Energia?
Célio Bermann – Dilma, embora com esse perfil mais técnico, dificilmente vai reconduzir o atual planejamento energético no Brasil. Existe um conjunto qualificado de especialistas que hoje estão trabalhando na Empresa de Pesquisa Energética que foi criada justamente para recuperar o sentido do planejamento energético, mas efetivamente quem faz o planejamento de energia no nosso país são ainda os interesses que definem os grandes empreendimentos e as grandes demandas de energia.
Então, nesse sentido não há muito o que a presidente possa fazer para reorientar os atuais planos. Porém, o que seria desejável é que a forma como se faz o planejamento energético no Brasil deveria incluir a ampla participação da população diretamente envolvida, seja pela consequência dos empreendimentos, seja pelo conhecimento técnico e que não é ouvida, consultada, isso é algo que deverá nortear uma possível redefinição dos atuais planos. Aparentemente, esses planos são submetidos a um processo de consultas públicas. Mas efetivamente desconheço, nos últimos oito anos, que tenha incorporado alguma crítica ou recomendação da população. Nós temos, no setor energético brasileiro, um problema bastante significativo no sentido de tornar mais democrático o processo decisório que não está ainda acontecendo, infelizmente.
IHU On-Line – Está sendo anunciado o leilão de diversas usinas agora para dezembro. O que isso vai significar para o governo Dilma?
Célio Bermann – O leilão está programado para ocorrer ainda no governo Lula. O que tenho verificado é que existe atualmente uma aceleração nos projetos ou nas licitações que estavam sendo encaminhados. Isso tem dois resultados: em primeiro lugar vai mostrar efetivamente o governo Lula como capaz de dar uma herança à futura presidente em que o risco de déficit de energia não seja estabelecido em função da celeridade com que as licitações estão sendo colocadas. E traz, também, para o início do governo Dilma a possibilidade de não ter de se confrontar, desde o início do governo, com o quadro que a oposição sempre tem construído no sentido de apresentar o país como em flagrante risco de problema de suprimento energético.
Chamo atenção para o fato de que a ideia de risco do apagão e problemas de fornecimento é o que tem alimentado esses projetos. Sem sombra de dúvidas nós temos uma situação que deixa longe o risco de suprimento a não ser, evidentemente, que se consolide este atual padrão de desenvolvimento intensivo em energia como caracteriza-se o desenvolvimento industrial no Brasil. Então, penso que existem duas formas para que o fantasma do apagão seja contornado: a abertura de um debate sério, informado, em que a população possa ser comunicada desse contexto e, então, ajude o governo a definir um novo padrão de desenvolvimento. Em segundo lugar, a possibilidade de, em função de acabar o fantasma do apagão, construir modelos alternativos de desenvolvimento e oferta de energia ganhe o espaço que hoje ainda é pouco expressivo.
Tenho tido a oportunidade em algumas manifestações públicas mais recentes de ter qualificado o governo Lula como sendo um resultado da aliança que foi estabelecida e, particularmente, com os setores de infraestrutura e energia que é a aliança Lula e Sarney. Estamos às vésperas de iniciar um governo cuja aliança principal é Dilma e Temer. Isso foi demonstrado nos últimos dias quando uma parte importante do PMDB solicitou espaço político que vai, inevitavelmente, se reproduzir na definição dos ministérios. A perspectiva da volta de um ministro como o Lobão apenas consolida a ideia de que as necessárias mudanças estão longe de acontecer.
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Governo Dilma: mais do mesmo ou novas oportunidades? Entrevista especial com Célio Bermann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU