09 Dezembro 2009
Passados quatro meses do golpe de estado em Honduras, o governo de Roberto Micheletti deu aval para um novo processo eleitoral, no qual Porfírio Lobo foi eleito. “O Brasil tem sido um dos poucos países com uma posição clara, definida e coerente. Tem liderado o grupo de países latino-americanos como Argentina, Chile, Paraguai... condenando o Golpe de Estado e pressionando para que se respeite e se garanta o cumprimento da ‘Carta Democrática Interamericana’”, contou-nos o padre jesuíta Antonio Pedraz, que vive em Honduras. Na entrevista que concedeu à IHU On-Line, por e-mail, ele falou sobre o dia em que as eleições ocorreram, sobre a relação com o Brasil, e também sobre suas expectativas quanto ao futuro do governo eleito. “As eleições não são a solução para o problema do Golpe de Estado e, no fundo, é uma imposição de um “modelo de democracia” e de “modelo econômico” por parte dos empresários e grupos de poder do país”, opinou.
Antonio Pedraz trabalha na formação político-cidadã do povo hondurenho e vive no interior de Honduras. No ano passado ele viveu alguns meses no Brasil onde fez um curso de atualização teológica, em São Leopoldo, RS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – As eleições se realizaram de forma pacífica?
Antonio Pedraz – As eleições foram realizadas sem maiores complicações, violência ou distúrbios de qualquer tipo. Algumas semanas antes, o discurso oficial que o “governo de fato” estava transmitindo e que os meios de comunicação aprovaram, dizia simplesmente que a oposição boicotaria o processo eleitoral com ações terroristas. Então, começaram a aparecer bombas misteriosas em instalações governamentais, em torres de condução elétrica, casas com armamento pronto para ser utilizado etc. No entanto, nunca davam os nomes das pessoas, acusados ou alguém a quem se possa culpar pelas ações.
A “Frente Nacional de Resistência” defendeu a abstenção. A batalha foi virtual, pois a mensagem do governo de fato, antecipando-se a uma elevada abstenção (crescente em cada uma das eleições anteriores) não fez nada mais do que estimular uma votação massiva. Houve muita pressão de algumas empresas - que apoiaram o governo de fato - que chantagearam seus trabalhadores, dizendo que se não votassem, ficariam sem trabalho. Também ocorreu compra de votos a partir de 500 até mil lempiras (unidade monetária de Honduras); os centros comerciais chegaram inclusive a fazer ofertas de 40% e 50% de desconto em seus produtos para quem chegasse com o dedo manchado de tinta das mesas eleitorais.
O governo de Micheletti militarizou o processo eleitoral com forças do exército e da polícia em todos os centros de votação, transferência e coleta de urnas. Com isso, criou-se um ambiente de temor, medo e incerteza. Isto influenciou os setores da população mais simples e os setores rurais que tinham que viajar aos centros de votação.
IHU On-Line – O presidente do Brasil manifestou que não reconhecerá Porfírio Lobo como presidente. Que consequências tem a posição do presidente Lula sobre o resultado eleitoral em Honduras?
Antonio Pedraz – Desde o início do Golpe de Estado, o fator internacional tem sido muito importante na evolução do processo político hondurenho. O Brasil tem sido um dos poucos países com uma posição clara, definida e coerente. Tem liderado o grupo de países latino-americanos como Argentina, Chile, Paraguai... condenando o Golpe de Estado e pressionando para que se respeite e se garanta o cumprimento da “Carta Democrática Interamericana”. Além disso, o fato de que o presidente Manuel Zelaya Rosales se refugiou na Embaixada do Brasil implica num certo compromisso de uma saída democrática e de acordo com a lei. O grupo de países da ALBA tem mantido a mesma posição. No entanto, como a posição estadunidense mudou, mudaram também as atitudes dos países como Colômbia, Peru, Costa Rica, Panamá... Isto se explica por razões geopolíticas e pela fenda que se criou na América Latina, porque o presidente Obama está impedindo que haja unidade em torno das lideranças e do projeto continental.
Dentro do país, adotou-se um “discurso maniqueísta”: Os bons e os maus, os que estão a favor e os que estão contra nós, os que não se entendem e os que se compreendem. É um discurso que começaram a elaborar desde o dia 28 de junho - quando ocorreu o golpe -, que está sendo aperfeiçoado, repetido insistentemente, apropriado pela maioria dos meios de comunicação e que foi repetido por cada um dos deputados que votaram contra a restituição do cargo a Zelaya. Hoje, os meios de comunicação censuram a postura do presidente Lula na Cúpula Ibero-americana. Lá, percebeu-se muito claramente a divisão que o Golpe de Estado hondurenho causou em todo o continente.
Em minha opinião, o Brasil deve seguir firme ao condenar o golpe, respeitando os direitos humanos, as leis e a democracia. Honduras é muito pequeno e dependente dos Estados Unidos nos setores econômico, político e cultural e não tem feito mais do que expressar, ao longo desses meses, que quer seguir dependendo do “país do norte”. É triste, pois, nas vésperas do “bicentenário da independência”, ao invés de buscar caminhos de emancipação e liberdade, por opção, se quer seguir como uma colônia sem margens para a autodeterminação e identidade.
IHU On-Line – Em sua opinião, o que fez com que Porfírio Lobo recebesse mais votos?
Antonio Pedraz – Não são necessários muitos dados para entender o triunfo de Porfírio Lobo Sosa nas recentes eleições. O “Golpe de Estado” foi um “autogolpe no interior do Partido Liberal”, esta ação dividiu e fragmentou o próprio partido. Mas, ainda assim tiveram, segundo a lógica do bipartidarismo, um bom candidato (jovem e com um novo perfil). Porfirio Lobo Sosa tem deixado bem claro que todo o mal foi originado pelos liberais: “o problema não é meu, mas do Partido Liberal, eles têm que solucioná-lo. Eu sou uma aposta de futuro para recomeçarmos”.
No fim das contas, o ganhador saiu vitorioso ante o desgaste e descrédito dos liberais, a ausência de uma candidatura convincente para o movimento popular e dos setores de esquerda, e o chamado a abstenção e a não participação eleitoral por parte da “Frente Nacional de Resistência”.
IHU On-Line – Como está Manuel Zelaya depois das eleições?
Antonio Pedraz – Manuel Zelaya, com a decisão do Congresso Nacional, tem sido marginalizado do processo político. Possivelmente, suas últimas declarações e aparições públicas não tiveram muito sucesso. Não se dava claridade de objetivos e conteúdos, tampouco influenciou, reverteu ou reorientou o processo eleitoral ou capitalizou em benefício próprio os Acordos de São José/Tegucigalpa. Os EUA manifestaram sua decepção ante a decisão do Congresso Nacional. Isso complica o poder para oferecer uma certa legitimidade e credibilidade a este processo.
No fim, o presidente Manuel Zelaya Rosales teve duas alternativas: o exílio ou entregar-se à justiça. O mais viável foi a primeira opção. E a pergunta é onde. Na Venezuela, Nicarágua...? A segunda, a não ser que violem a sede diplomática da Embaixada Brasileira, não é realista. Os golpistas e as instituições jurídico-democráticas do país têm cansado de repetir a lista de acusações que têm contra ele. Também é coerente com seu pensamento político, pois, se desde o golpe, não reconhece legitimidade alguma, não vai permitir cair nos braços da farsa jurídico-democrática que se criou. Deveria recomeçar de novo com outra orientação política. Certamente, aglutinando o setor dos liberais, e não seria estranho pensar na formação de um novo partido político. Onde, como, quando, com quem são hipóteses que, neste momento, estão em segundo plano até janeiro, quando saberemos o resultado desta triste etapa da vida política de Honduras.
IHU On-Line – O povo hondurenho continua dividido?
Antonio Pedraz – Acredito que sim. As eleições significaram o trunfo dos “golpistas” no processo eleitoral. O discurso oficial afirmava que as eleições eram a solução para o problema apresentado desde o dia 28 de janeiro. Mas uma boa parte da população (e não somente os setores populares, professores ou setores de consciência crítica) veem o caso de uma forma muito diferente. Certamente, os cidadãos despertaram, principalmente, dos setores que antes não estavam sob a ótica dos grêmios, sindicatos, movimentos ou partidos políticos. Nunca como agora haviam lido a Constituição da República, se protestava pela violação dos direitos humanos ou as garantidas constituições. Rejeitaram os toques de recolher, o estado de sítio e a volta do protagonismo dos militares que foram desprezados desde os anos 1990.
Nestes momentos, há perguntas sérias sobre os dados do processo eleitoral.
Oficialmente, falou-se que 60% da população havia participado das eleições, mas, em muitas localidades, houve uma grande abstenção. Porém, no domingo, ao dar os resultados do candidato ganhador, uma agência governamental contradisse os dados oficiais. Para boa parte da população, isso se trata de uma “fraude eleitoral”, pois nas últimas eleições a abstenção tem crescido, e a crise política tem contribuído para isso.
A conclusão é obvia: as eleições não são a solução para o problema do Golpe de Estado e, no fundo, é uma imposição de um “modelo de democracia” e de “modelo econômico” por parte dos empresários e grupos de poder do país.
IHU On-Line – Porfirio Lobo e Mel Zelaya fazem parte da mesma elite agrária hondurenha. O que esperar do novo governo?
Antonio Pedraz – Um colaborador da imprensa internacional designava como “o comunista que se tornou de direita”. É pai de onze filhos e tem propriedades no estado de Olancho. Pertence a uma das famílias ricas do estado agrícola onde tem feito fortuna cultivando soja, milho e feijão. Na opinião do editorialista Manuel Gamero, tanto Zelaya como o presidente eleito, Porfirio Pepe Lobo, pertencem à aristocracia rural. O mesmo presidente eleito falou de si mesmo: “me defino como um humanista cristão. O comunismo se mostrou uma fórmula fracassada, mas o capitalismo sem controle demonstrou, num país como Honduras, onde duas de cada três famílias vivem na pobreza, que essa também não é a solução”. Como estas são declarações de princípios, teremos que esperar que cheguem à prática.
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"Micheletti militarizou o processo eleitoral" Entrevista especial com Antonio Pedraz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU