01 Julho 2009
Guilherme Camargo, engenheiro nuclear e presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), é enfático ao descrever o incidente que ocorreu no mês de maio em Angra 2. Para ele, o problema é nulo, uma vez que não causou dano à população ou ao meio ambiente e, portanto, não deveria ter tido repercussão na mídia. “A média de incidentes que temos nas usinas brasileiras é comparável à média que ocorre nas usinas pelo mundo afora, ou seja, estamos dentro dos padrões internacionais”, classifica ele.
Nesta entrevista, que concedeu por telefone à IHU On-Line, Camargo detalhou como o incidente ocorreu e explicou que medidas já foram tomadas para que isto não volte a ocorrer. “O acidente tem uma certa importância para a indústria nuclear, mas sobretudo para a melhoria das práticas internas de trabalho, na medida em que afetou trabalhadores que estavam operando na usina nuclear. No mundo todo, esses incidentes ocorrem”, disse.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como você vê a repercussão do incidente em Angra 2?
Guilherme Camargo – Penso que a discussão de um incidente como esse é uma característica exclusiva da energia nuclear. Se você pensar na gravidade do acidente que ocorreu, por exemplo, com o voo 447 da Air France, quando morreram 228 pessoas, precisa saber que ele, ocorrido mais ou menos na mesma época do incidente em Angra 2, já saiu dos noticiários. Por que o incidente nuclear continua sendo notícia e o avião da Air France já deixou de ser notícia? De qualquer forma, estamos preparados para falar sobre o assunto. O incidente não teve qualquer influência na saúde da população ou no meio ambiente. O impacto fora da usina é zero, nulo. O acidente tem uma certa importância para a indústria nuclear, mas sobretudo para a melhoria das práticas internas de trabalho, na medida em que afetou trabalhadores que estavam operando na usina nuclear. No mundo todo, esses incidentes ocorrem.
As razões pelas quais um trabalhador, que está acostumado a fazer aquela tarefa sempre da mesma
Nossa tolerância para com esse tipo de incidente é zero e medidas corretivas estão sendo tomadas |
forma, e num belo dia não toma as providências adequadas, estão sendo estudadas. Isso ocorre também na construção civil, por exemplo, quando encontramos trabalhadores sem capacete, sem cinto de segurança. Mesmo no dia a dia, as pessoas deveriam tomar certos cuidados e, algumas vezes, não tomam. Isso ocorre igualmente na indústria. O nosso setor está permanentemente focado nesse assunto. Nossa tolerância para com esse tipo de incidente é zero e medidas corretivas estão sendo tomadas. A questão concreta é que o incidente não teve consequências para a população ou meio ambiente, por isso nós o consideramos um “não-assunto”. É uma questão interna da indústria e investimos para que a coisa seja sempre aprimorada, melhorada, mas sabemos que, eventualmente, falhas humanas podem ocorrer.
IHU On-Line – O senhor pode nos explicar como o incidente ocorreu?
Guilherme Camargo – O incidente foi simples. Nós temos alguns equipamentos que, por estarem em contato com a radioatividade e a água radioativa, adquirem uma camada – uma espécie de tártaro – sólida em eixos de bombas e equipamentos rotativos que forma uma crosta em torno do metal que só pode ser removida por meios mecânicos. Em algumas situações, uma simples lavagem química consegue retirar essa contaminação. O líquido que retira o material radioativo é coletado e tratado como rejeito líquido nos sistemas adequados. Com a remoção mecânica, são geradas partículas – uma espécie de poeira –, que precisam ser filtradas. Os filtros, posteriormente, são tratados como rejeitos sólidos, colocados em tambores e imobilizados. O trabalhador, obviamente, precisa usar roupas adequadas, com proteção, filtros de respiração para evitar qualquer contato com essa poeira. É um procedimento de limpeza, que tinha, por objetivo, reduzir a radioatividade nesses equipamentos e, dessa forma, minimizar a dose de radioatividade a que os trabalhadores, em condições normais, estão expostos.
Ocorre que o trabalhador que estava conduzindo essa operação descumpriu todos os procedimentos, pois deixou uma porta aberta. A sala onde ele estava é equipada com sistema de filtro integral que recolheria todas essas partículas. Ao deixar uma porta aberta, essas partículas escoaram para outras salas, onde os sistemas de ventilação não estavam racionados. Isso provocou uma leve contaminação em outros trabalhadores que estavam nessas salas.
IHU On-Line – E quantos trabalhadores estavam envolvidos com esse incidente?
Guilherme Camargo – No total, foram quatro.
IHU On-Line – E qual o clima hoje onde ocorreu o incidente?
Guilherme Camargo – Absolutamente normal. A indústria nuclear está preparada para solucionar esses problemas. Os trabalhadores foram monitorados, já não estão mais contaminados e não há qualquer risco para a saúde deles. Houve uma advertência formal ao empregado que descumpriu o procedimento de trabalho. Essa foi a única consequência, mas precisa acontecer para que os procedimentos de segurança sejam cumpridos.
IHU On-Line – Qual a média de incidentes que ocorrem na indústria nuclear no Brasil?
Guilherme Camargo – Não existe uma média. Existe uma escala internacional onde esse incidente ainda será classificado. Essa escala vai de 1 a 7, sendo que 7 é a nota dada a incidentes similares a Chernobyl [1]. A dúvida é se esse incidente será classificado como incidente “zero” – que pode ser considerado um “não-incidente” – ou de nível 1 – que é um incidente sem qualquer consequência maior. Nós temos um sistema de classificação, foram gerados relatórios e a média de incidentes que existem nas usinas brasileiras é comparável à média que ocorre nas usinas pelo mundo afora, ou seja, estamos dentro dos padrões internacionais.
IHU On-Line – Por que esses incidentes não são divulgados?
Guilherme Camargo – Existe toda uma metodologia de relato interno. Alguns casos precisam ser comunicados à Comissão Nacional de Energia Nuclear, outros são relatos apenas para ações internas da empresa. Nesse caso, esse incidente foi comunicado à Comissão Nacional de Energia Nuclear, que monitorou e acompanhou todo o problema para assegurar que o risco que os trabalhadores expostos fosse abaixo dos limites permissíveis. A dose a que eles foram expostos é de um centésimo da dose permissível que ele pode tomar por trabalhar na indústria nuclear. A metodologia é essa. A questão de divulgar para a imprensa é uma política de cada empresa que opera as usinas nucleares. Não podemos ficar divulgando incidentes internos que não tenham qualquer consequência para a população ou meio ambiente. Se tiver consequência, aí sim precisamos divulgar. Eu creio que a empresa agiu corretamente quando o assunto veio à tona e foi parte do noticiário, pois deu todas as explicações necessárias.
IHU On-Line – Uma das denúncias feitas trata da quantidade de atividades e pressão que os trabalhadores da indústria nuclear sofrem e que isso gera descuidos por parte dos trabalhadores, ocasionando incidentes. Como o senhor vê essa questão?
Guilherme Camargo – Quem deu essa informação foi o Sapê, que não tem qualquer representatividade entre os trabalhadores da indústria nuclear. Quem tem esse papel é a Associação Brasileira de Energia Nuclear – ABEN. O Sapê é uma Ong anti-nuclear que atua há 30 anos em Angra dos Reis. Hoje, temos cerca de 70% da população da cidade, segundo pesquisas, que apoiam a construção de Angra 3. Não há pressões sobre os trabalhadores da indústria nuclear, que estão sujeitos às mesmas regras que aqueles de quaisquer indústrias. Em qualquer indústria, existem riscos, mortes, incidentes. Isso é bastante monitorado pelo país, que tem um trabalho muito bom para minimizar os acidentes de trabalho. A CLT prevê punições severas para acidentes de trabalho. Estamos cumprindo rigorosamente todas as licenças e nenhuma delas foi descumprida, portanto a opinião do Sapê sobre essa questão é totalmente irrelevante, e não há pressão sobre os trabalhadores, tanto que o assunto foi discutido na imprensa. Os trabalhadores das usinas nucleares têm um excelente ambiente de trabalho, algumas estão lá há mais de 30 anos.
IHU On-Line – Os que o senhor acha da proposta de implementação de um controle social sobre a operação das usinas?
Guilherme Camargo – Seria cabível na indústria aeronáutica, em minha opinião. O plano sobre a exploração
Fazer uma fiscalização só na indústria nuclear é um ato preconceituoso e discriminatório |
de petróleo em águas profundas também precisa, pois o vazamento de petróleo em águas profundas tem consequências terríveis. Se nós vamos fazer controle social sobre todas as indústrias que têm impactos ambientais ou risco à sociedade, será preciso implementá-la na indústria química, fábricas de cloro, refinarias de petróleo, indústria do tabaco em relação ao fumante passivo. Nesse caso, a indústria nuclear deveria entrar como qualquer outra. Agora, fazer uma fiscalização só na indústria nuclear, que tem padrões de segurança muito acima do que outras indústrias deste país, é um ato preconceituoso e discriminatório.
Notas:
[1] Chernobyl é uma cidade no norte da Ucrânia, perto da fronteira com a Bielorrússia. Em meados da década de 1970, foi construída pela União Soviética uma central nuclear a vinte quilômetros da cidade. Em 26 de Abril de 1986, explodiu um reator da central de Chernobyl que libertou uma imensa nuvem radioativa contaminando pessoas, animais e o meio ambiente de uma vasta extensão da Europa. Ironicamente, o acidente se deu durante o teste de um mecanismo de segurança que garantiria produção de energia em caso de acidentes.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Incidente em Angra 2. "Fiscalizar somente a indústria nuclear é um ato preconceituoso e discriminatório". Entrevista especial com Guilherme Camargo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU