11 Agosto 2008
Argentina e Brasil são países apaixonados por esportes, em especial pelo futebol, incentivados por governos que propagaram a ideologia do nacionalismo. Boa parte da comoção que o esporte nos causa hoje pode ser explicada por esse incentivo, visto que eleera uma importante maneira de se fazer propaganda política durante os governos de Getúlio Vargas, no Brasil, e Juan Perón, na Argentina. Segundo o historiador Mauricio Drumond, “o esporte foi sem dúvida um elemento significativo na formação de novas identidades nacionais forjadas durantes esses governos, assim com na construção de uma imagem de nação em ascendência, que através do esporte se construía uma juventude forte e capaz de levar a nação a seu devido lugar no mundo”.
Em entrevista, realizada por e-mail, à IHU On-Line, Drumond falou sobre seu livro intitulado Nações em jogo: esporte e propaganda política em Vargas e Perón (Rio de Janeiro: Apicuri, 2008), que trata da relação do esporte e da propaganda política justamente nos governos Vargas e Perón. Assim, ele analisa aqui um dos caminhos do nacionalismo para influenciar o povo brasileiro e argentino, durante esses governos, a relação com o fascismo e nazismo, e as estratégias usadas através do esporte para difundir suas imagens. “O estádio do Pacaembu, construído durante o estado Novo, e o de São Januário, no Rio, receberam várias festas de 1º de maio. As celebrações da semana da pátria, no início de setembro, contavam com desfiles de jovem e demonstrações esportivas. No Dia do Trabalho, em um estádio de futebol lotado de operários, Getúlio discursava e assinava leis trabalhistas, como o salário mínimo”, afirmou.
Mauricio da Silva Drumond Costa é graduado em História, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também obteve o título de mestre em História Comparada. Atualmente, é professor do Colégio Israelita Brasileiro A. Liessin Scholem Aleichem, no Colégio Everest Internacional e no The British School.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como você relaciona o esporte com a propaganda política durante o governo destes influentes governantes?
Mauricio Drumond – Tanto Vargas como Perón souberam utilizar muito bem a propaganda, através de muitas frentes, como a educação, as artes, a literatura e o esporte. Nesse sentido, o esporte foi sem dúvida um elemento significativo na formação de novas identidades nacionais forjadas durantes esses governos, assim como na construção de uma imagem de nação em ascendência, que através do esporte se construía uma juventude forte e capaz de levar a nação a seu devido lugar no mundo. As vitórias esportivas eram capitalizadas como evidência da superioridade de seus povos e do destino triunfal a que a pátria se encaminhava sob a direção de Vargas e Perón.
IHU On-Line – Podemos afirmar que foi durante o governo Vargas que houve um desenvolvimento do lazer no Brasil?
Mauricio Drumond – Acredito que sim. Com o crescimento da urbanização e especialmente com o incremento das comunicações de massas, como o rádio, o lazer nos grandes centros vai se desenvolver durante o governo Vargas. A partir de então, o rádio passa a ser parte fundamental do lar e outras opções, como o cinema, se difundiam e recebiam grandes investimentos por parte do governo. No entanto, ao lado de todo o investimento governamental no lazer, estavam inseridas campanhas de propaganda coordenadas por um forte órgão de controle, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que tinha, entre suas diversas funções, o poder de supervisionar o turismo, censurar o teatro, o cinema, e recreativas de todos os tipos, assim como o rádio, a literatura, o esporte e a imprensa. Dessa forma, podemos ver que, aliado ao desenvolvimento do lazer, se tem a participação ativa do Estado e de seu plano ideológico.
IHU On-Line – Como Vargas e Perón fizeram uma utilização política do esporte?
Mauricio Drumond – Bem, o esporte foi utilizado de diversas formas. A representação da nação no esporte levava o sucesso esportivo a ser associado ao sucesso da nação e de seu regime. Isso era ainda mais forte na Argentina, onde as vitórias internacionais eram constantemente ligadas ao presidente por todo o incentivo dado ao esporte. Ao encerrarem uma competição, os atletas argentinos costumavam a agradecer ao presidente e à sua esposa (Evita) [1] em suas entrevistas. É importante destacar que, apesar de acharmos no Brasil que a utilização do esporte pelo governo foi grande, no caso argentino ela foi muito mais significativa. A identificação de Perón com o esporte era de tal monta que este era conhecido como o “Primeiro Desportista” da Argentina. Perón havia lutado boxe e era um exímio esgrimista em sua juventude. O que contrasta com a imagem de Getúlio, não tão atlético, que eventualmente jogava golfe, um esporte com pequeno apelo junto às massas.
A promoção de eventos esportivos também foi muito comum, em especial no governo de Perón. A boa participação do Brasil na Copa do mundo de 1938 levou o governo a se interessar por sediar a Copa de 1942, que acabou por não acontecer devido à Segunda Guerra mundial. Já a Argentina sediou a primeira edição dos jogos pan-americanos em 1951, o campeonato mundial de basquete em 1950, assim como provas de automobilismo no recém construído autódromo 17 de outubro. Aliás, a construção de instalações com nomes ligados ao peronismo foi uma constante na Argentina. O estádio “Presidente Perón”, do Racing [2], e o estádio “Eva Perón”, assim como o velódromo e o autódromo 17 de outubro, nomeados em homenagem à data marcante do movimento peronista, são grandes exemplos. Assim foi com os campeonatos de futebol infantil Evita, que envolviam jovens de toda a nação e que tinha a final disputada em estádios de grandes clubes, com a presença do presidente e da primeira-dama.
Já no Brasil, podemos também mencionar a realização de festas cívicas em estádios de futebol, com diversas demonstrações esportivas e jogos de futebol. O estádio do Pacaembu [3], construído durante o Estado Novo, e o de São Januário [4], no Rio, receberam várias festas de 1º de maio. As celebrações da semana da pátria, no início de setembro, contavam com desfiles de jovem e demonstrações esportivas. No Dia do Trabalho, em um estádio de futebol lotado de operários, Getúlio discursava e assinava leis trabalhistas, como o salário mínimo.
IHU On-Line – Houve incentivos por parte do setor privado nesses períodos também, tanto no Brasil quanto na Argentina?
Mauricio Drumond – Sim, o setor privado também esteve presente. No entanto, esses períodos foram marcados pelo alto investimento estatal em diversas esferas, e no esporte não foi diferente. No Brasil, como o investimento estatal no esporte não foi tão pesado como na Argentina, houve maior espaço de inserção do setor privado, especialmente junto aos clubes e patrocinando atletas.
IHU On-Line – Nesses dois governos, percebeu-se a “necessidade” de se projetar enquanto Estado-Nação. Os dois modelos de propaganda política foram inspirados nos modelos nazistas e fascistas. Como toda essa relação influenciou no campo do esporte?
Mauricio Drumond – Todo o modelo de propaganda desses dois governos foi profundamente inspirado nos modelos fascista e nazista. Lourival Fontes [5], homem forte do DIP, era um profundo admirador de Mussolini [6], assim como Perón. Da mesma forma, modelos acerca da função social do esporte tinham grande inspiração nos modelos produzidos por Hitler [7] e Mussolini. A valorização da juventude e do esporte tinham importância estratégica para os regimes europeus, e essa importância foi importada para as realidades do Brasil e da Argentina, que a adaptavam de acordo com suas necessidades.
Notas:
[1] María Eva Duarte de Perón, conhecida como Evita, foi uma atriz e líder política argentina. Tornou-se primeira-dama da Argentina quando o general Juan Domingo Perón foi eleito presidente. Famosa por sua elegância e seu carisma, Evita conquista para o peronismo o apoio da população pobre, na maioria migrantes de origem rural a quem ela chamava de "descamisados".
[2] O Racing Club de Avellaneda é um dos clubes de futebol mais tradicionais da Argentina. Em 1950, o novo estádio de futebol foi inaugurado, e nomeado em homenagem ao presidente Juan Domingo Perón.
[3] O Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, mais conhecido por Pacaembu, é um estádio desportivo localizado na praça Charles Miller, na zona oeste da cidade de São Paulo. Inaugurado em 27 de abril de 1940 com a presença do então presidente da República, Getúlio Vargas, do interventor Ademar de Barros e do prefeito Prestes Maia.
[4] São Januário é como é conhecido o estádio do Club de Regatas Vasco da Gama, inaugurado em 21 de Abril de 1927. Em 1935, foi realizado no estádio o encerramento do Primeiro Congresso Nacional de Educação, que reuniu o Ministro Gustavo Capanema, o presidente da República, Getúlio Vargas e centenas de educadores e estudantes numa discussão sobre os rumos da educação nacional.
[5] Lourival Fontes foi um jornalista e político brasileiro conhecido por ser o ministro de propaganda do presidente Getúlio Vargas entre 1934 e 1942.
[6] Benito Amilcare Andrea Mussolini foi um jornalista e político italiano. Governou com poderes a Itália, entre 1922 a 1943, autodenominando-se Il Duce, que significa em italiano "o condutor". No início da sua carreira de jornalista e político foi um tenaz propagandista do socialismo italiano. Em 1919, fundou os Fasci Italiani di Combatimento, organização que originaria, mais tarde, o Partido Fascista. Baseando-se numa filosofia política teoricamente socialista, conseguiu a adesão dos militares descontentes e de grande parte da população, alargou os quadros e a dimensão do partido. Logo após a sua subida ao poder, iniciou uma campanha de fanatização que culminaria com o aumento do seu poder, devido à interdição dos restantes partidos políticos e sindicatos. Nessa campanha foi apoiado pela burguesia e pela Igreja.
[7] Adolf Hitler foi o líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, chanceler e, posteriormente, ditador alemão. As suas teses racistas e anti-semitas e os seus objetivos para a Alemanha ficaram patentes no seu livro de 1924, Mein kampf. No período da sua ditadura os judeus e outros grupos minoritários considerados "indesejados", como Testemunhas de Jeová, eslavos, poloneses, ciganos, negros, homossexuais, deficientes físicos e mentais, foram perseguidos e exterminados no que se convencionou chamar de Holocausto. Hitler seria derrotado apenas pela intervenção externa dos países aliados no prosseguimento da Segunda Guerra Mundial, que acarretou a morte de um total estimado em 50 ou 60 milhões de pessoas. A Revista IHU On-Line dedicou a sua edição 265 para analisar Hitler e o nazismo.
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Paixão nacional. O esporte como propaganda política nos governos Vargas e Perón. Entrevista especial com Mauricio Drumond - Instituto Humanitas Unisinos - IHU