24 Abril 2008
Pensar a relação da governabilidade com a comunicação na América Latina é sempre um desafio. Ainda mais quando sabemos que o acesso às novas tecnologias ainda é restrito, que a corrupção nos governos cresce muitas vezes com a ajuda dos meios de comunicação e que a participação da população nesses é ainda muito precária, para não dizer nula. Para debater algumas questões acerca dessa relação, a IHU On-Line conversou por telefone com o pesquisador argentino Guillermo Mastrini.
Mastrini fala sobre o papel dos meios de comunicação na América Latina e da “conivente” relação com os governos e políticas, além de destacar a importância do acesso às novas tecnologias por todos os cidadãos e da necessidade da criação de políticas públicas de acesso a essas tecnologias. “O custo de produção das tecnologias digitais é muito mais baixo do que nas tecnologias analógicas. Isto abre uma porta”, disse.
Guillermo Mastrini é licenciado em Ciências da Comunicação, pela Universidade de Buenos Aires (UBA), e doutor em Comunicação, pela Universidade Complutense de Madrid. É professor na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor analisa o papel dos meios de comunicação latino-americanos na vigilância dos atos dos governos e dos partidos políticos?
Guillermo Mastrini – A história da América Latina em relação à vigilância dos partidos políticos e dos meios é muito diferente. O grande problema aqui é que os meios de comunicação mais importantes têm fortes vínculos com os governos políticos. A função de vigilantes que os meios de comunicação estadunidenses possuem é muito relativa aqui na América Latina. Basta lembrar-se dos notórios casos de corrupção e de controle que tiveram a participação da imprensa e dos meios de comunicação. Eu diria que não se pode comparar a lógica estadunidense ou européia com a lógica latino-america, pois esta última compreende os vínculos estreitos entre os meios de comunicação e os governos e políticos. Há, geralmente, uma conivência entre essas partes, algo como um pacto não escrito, em que, em geral, os governos permitem que os meios de comunicação realizem importantes negócios econômicos e, em troca, eles não se envolvam na organização política e nas negociações econômicas dos governos.
IHU On-Line – O que os recentes episódios na Bolívia, as atuais manifestações na Venezuela e o envolvimento de políticos e dirigentes no Brasil e no México com atividades ilegais ou não exatamente legítimas têm gerado na relação entre o povo latino-americano e os veículos de comunicação de cada país?
Guillermo Mastrini – Eu não vejo fortes vínculos entre o povo e os meios de comunicação, não em relação à sua participação como cidadão. O que tenho analisado é o papel central dos meios de comunicação e como eles participam muito fortemente da criação de agendas políticas, culturais e cotidianas. Nesse sentido, as mobilizações e manifestações hoje, sem dúvida, têm uma história estruturada como meios de influência sobre os meios.
IHU On-Line – Que tipo de políticas públicas devem ser criadas para a utilização das TIC’s (tecnologias de informação e comunicação), para a obrigatoriedade da prestação de informações de interesse público? Essas políticas públicas deveriam ser unificadas ou trabalhadas país a país?
Guillermo Mastrini – Eu acredito que um dos déficits na América Latina seja a falta de serviços públicos fortes. Por isso, acredito que precisamos desenvolver, e jamais descartar, uma política pública para as novas tecnologias da informação. Creio que seria muito proveitosa para as políticas públicas a utilização das novas tecnologias da informação, e vice-versa. Eles podem ser utilizados para que os governos se aproximem da população e não implicam em um investimento tão alto quanto poderia ser o investimento feito para a criação e manutenção de um canal de televisão público. Obviamente que não é apenas para isso que as novas tecnologias e essa relação servem. Uma política de serviço de público não é suficiente se não for complementada com políticas muito forte no setor privado em relação à informação cultural. Precisamos, aqui na América Latina, de política de acesso, no sentido de estimular o acesso da sociedade às novas tecnologias da informação, isso sem falar de políticas públicas de alfabetização – tanto no sentido literal, ou seja, de aprender a ler, quanto no sentido de compreender o que são essas novas tecnologias da informação e o que implicam seus discursos e saber. Creio, também, que deve haver políticas públicas de descentralização, à medida que um dos problemas graves na América Latina é que o consumo se materializou em tecnologias, daí ser importante uma distribuição equilibrada em nossos países.
IHU On-Line – O senhor acredita que a população latino-americana esteja preparada para receber as novas tecnologias digitais quando ainda vive situações políticas e sociais tão adversas?
Guillermo Mastrini – Possivelmente, estão mais mal preparadas do que em outros lugares. Para mim, o maior desafio é em relação às produções tecnológicas, pois elas não devem ser duras, no sentido de não serem compreensíveis para as populações mais carentes e com menos acesso a elas. Existem forte déficits de materiais de consumo e necessidades básicas entre a população, mas eu não estou convencido que teríamos de postergar esses projetos das novas tecnologias em razão desses déficits, porque o contato será inevitável. A preocupação que existe em relação à situação econômica deve ser pensada ao mesmo tempo em que se pensa na adaptação às novas tecnologias. De toda forma, faz falta uma lógica política de transformação; esse é o principal déficit latino-americano.
IHU On-Line – Quais são as possibilidades e limites dos Conselhos de Comunicação Social?
Guillermo Mastrini – Creio que a criação dos Conselhos de Comunicação Social seja uma questão que seria muito interessante, no sentido de estimular a participação da cidadania em relação aos meios de comunicação. A história nos mostra que até agora seria impossível implementar isso, o que pode ocorrer ainda no futuro. Tanto acadêmicos quanto militantes políticos e movimentos sociais têm fracassado em relação à implementação disso. Isso porque, como falei no início da entrevista, os grandes meios possuem uma conivência com os governos e políticos e historicamente têm conseguido frear qualquer iniciativa que implicaria numa maior participação da população nos meios de comunicação. Mas precisamos ter consciência de que os Conselhos de Comunicação Social poderão contribuir enormemente para a democratização dos meios de comunicação.
IHU On-Line – Os meios de comunicação na América Latina, em especial o Brasil, estão nas mãos de poucas e poderosas pessoas. O senhor vê alguma forma de democratizar esse formato existente hoje?
Guillermo Mastrini – Percebo que há duas instâncias: uma delas tem a ver com a estrutura legal e política econômica, que irá ajudar a criar recursos em setores minoritários, como a comunicação comunitária e aproveitar todos os resquícios dos grandes meios. A outra teria, evidentemente, relação com o uso das novas tecnologias, a partir de uma produção mais democrática do que a proporcionada pelas tecnologias analógicas. O custo de produção das tecnologias digitais é muito mais baixo do que nas tecnologias analógicas, abrindo uma porta. Precisamos mudar a lógica também do consumo digital, pois sabemos que o consumo está concentrado em muito poucos sites, mas a internet é uma instância em que se pode colocar muitos projetos, processos e informações que, evidentemente, teriam uma dificuldade enorme para transitar nas tecnologias tradicionais no mundo analógico.
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Novas tecnologias: uma porta para a democratização dos meios de comunicação. Entrevista especial com Guillermo Mastrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU