20 Julho 2024
"Jó, posto à prova, não se resume à paciência que lhe é atribuída de forma simplista: é o homem que tem a coragem de perguntar a Deus o porquê de tanto sofrimento, testemunha que a pergunta sobre o sentido da vida é mais importante do que a própria vida", escreve Giangiacomo Schiavi, escritor italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 11-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um clichê define este tempo como tempo da cura. Na realidade, não é isso. A cura é uma compressa úmida sobre uma ferida que sangra no campo minado da convivência. Este é o tempo do mal, expresso nas formas diabólicas que, de Kiev a Gaza, expandiram as fronteiras da dor entre guerras, massacres, deportações, barbárie, classismos, racismos e nacionalismos.
Estamos na zona cinzenta da humanidade, escreve Lella Ravasi Bellocchio: é como se o mal tivesse se aproveitado dos nossos passos em falso e das nossas fragilidades, tomando uma longa vantagem sobre o bem.
Lella Ravasi Bellocchi. I confini del dolore. È possibile arginare la sofferenza psichica? Raffaello Cortina (Foto: Divulgação)
Até mesmo a memória se esvaiu e o individualismo voltou com força a ofuscar as razões da sabedoria e da retidão. Estamos assolados por inquietações e há uma pergunta que se repete, quase para anestesiar a dor que nos atormenta. É a mesma pergunta que ecoa na sala do analista quando se vai em busca de sentido e se pede uma resposta: por quê? Por que a história, em vez de recuperar a humanidade, parece se render à reiteração de lutos, violências, vinganças, tragédias, perdas, despedidas, remorsos? Por que tantas injustiças e desigualdades, sentimento de culpa e sofrimentos difíceis de conter? Lella Ravasi, psicanalista junguiana e escritora, enfrenta uma longa jornada analítica na companhia de Jó, o personagem bíblico que desafia os mistérios da dor e do amor com os seus "porquês". Com a sua figura e a sua história, contrapostas às situações de mulheres em análise, ela entra na vivência humana na fronteira entre ética religiosa e ética secular.
Os porquês de Jó, contrapostos às tentações diabólicas que na Bíblia testam a sua fé, definem I confini del dolore. È possibile arginare la sofferenza psichica? (Os limites da dor. É possível conter o sofrimento psíquico?, em tradução livre, Raffaello Cortina), um livro experimental em que o conflito entre o bem e o mal fica retido no desafio brutal entre as trevas e a luz, entre Satanás e Yahweh. É o lado sombrio do divino, escreve Ravasi, que entra em competição com o mal e coloca em jogo a humanidade. "A história está repleta de perguntas e de aberturas no inconsciente pessoal, até os grandes sonhos do inconsciente coletivo, com os últimos tempos de pandemias e de guerras. Há também o uso inconsequente das mídias sociais, as fake news, a paranoia... Como sair disso? Como se defender, se não nos questionando por um sentido? Como nos reabrirmos para a esperança?"
Aqui entra Jó, então. Um homem justo, um homem de bem, um homem generoso que se preocupa com os outros, realizado e feliz até a chegada de Satanás e sua aposta com Deus: até que ponto podem resistir uma mulher ou um homem provados pela dor e pelas privações contínuas, até que ponto se pode resistir à tentação de acreditar que o amor pelo qual vale a pena duelar com o mal se manifestará no final?
Jó, posto à prova, não se resume à paciência que lhe é atribuída de forma simplista: é o homem que tem a coragem de perguntar a Deus o porquê de tanto sofrimento, testemunha que a pergunta sobre o sentido da vida é mais importante do que a própria vida.
Ravasi desfila histórias de mulheres provadas pela dor e pelo sofrimento, mulheres detentas, mães assassinas, vítimas de violência, abandonadas, deixadas sozinhas, perdidas no meio de angústia e fantasmas da morte.
Os "porquês" provocam, questionam a analista, Deus e o enigma da vida: nunca há um paraíso para contrapor a um inferno. Há a presença para servir de escudo, para fazer companhia no vazio. “Somente a capacidade de estar ali, com uma presença forte e vital, pode nos libertar da dor", argumenta Ravasi. Saímos do vazio com os sentimentos, com a paciência e até mesmo com medo. No final, a palavra vencedora é amor, contraposto ao não amor, que implica egoísmo, indiferença, crueldade, rancor, ódio...". I confini del dolore é um livro essencial, um relato em etapas que explora o universo sofrido do desconforto, do estigma e da marginalização e busca obstinadamente uma proteção contra a escuridão e o pessimismo. Em modalidade feminina, criando um escudo com a força indomável do bem que também se chama de humanidade.
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Toda a humanidade em Jó. Somente o amor vence o sofrimento. Artigo de Giangiacomo Schiavi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU