26 Setembro 2023
"Quase 30% da população mundial espalhada por 128 países ainda utiliza a chama gerada por carvão, estrume animal, lenha ou outros restos do trabalho agrícola para cozinhar".
A análise é do ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo e um dos fundadores, junto com Alex Zanotelli, da Rede Lilliput. O artigo foi publicado por Avvenire, 23-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Carvão, madeira ou esterco animal são os únicos combustíveis disponíveis para 2,3 bilhões de pessoas.
Para nós cozinhar é fácil: giramos um botão e como num passe de mágica conseguimos uma chama azulada que nos permite cozinhar todos os nossos alimentos. Ou pressionamos o painel do forno e obtemos resistências incandescentes que podem cozinhar todos os tipos de sobremesas e doces.
Isso não acontece para 2,3 bilhões de pessoas, quase 30% da população mundial, espalhada por 128 países, ainda utiliza a chama gerada por carvão, estrume animal, lenha ou outros restos do trabalho agrícola para cozinhar. O combustível é muitas vezes jogado em um fogareiro aberto que enche de fumaça o único cômodo da casa usado como cozinha durante o dia e como quarto para toda a família à noite. Estima-se que os métodos de cocção pouco saudáveis causem 3,7 milhões de mortes prematuras em todo o mundo todos os anos, especialmente entre mulheres e crianças. Na África, as mulheres e as crianças representam 60% de todas as mortes prematuras devidas à inalação de fumaça e outras formas de poluição do ar no âmbito doméstico. Mortes que ocorrem devido a problemas respiratórios e cardiovasculares.
Além do aspecto sanitário, as mulheres também pagam as consequências dos métodos de cocção inadequados no plano social. As famílias que não dispõem de métodos de cocção limpa devem dedicar até cinco horas por dia à procura de lenha, à coleta de esterco animal ou ao transporte de carvão comprado nos revendedores locais. E mais uma vez são as mulheres e as crianças as responsáveis por isso, mesmo correndo o risco de violências e agressões quando são obrigadas a ampliar a busca por combustível fora dos circuitos habituais. Mas se as agressões são um risco, a exclusão da escola e de formas de trabalho remunerado são uma certeza para pessoas que devem dedicar uma parte significativa do seu tempo diário às tarefas domésticas. Sem falar no impacto ambiental. O uso de lenha e carvão para cozinhar, comporta todos os anos uma deflorestação de uma área do tamanho da Irlanda, com os piores efeitos na África Oriental e Austral, onde as florestas também estão se reduzindo por outras razões. Com consequências também para a produção de alimentos, já que são derrubadas também árvores frutíferas.
De 2010 a 2022, o número de indivíduos que utilizam métodos de cozimento inadequados caiu de 3 para 2,3 bilhão. Mas o progresso ocorreu sobretudo na Ásia e na América Latina. Na China, na Índia e Na Indonésia, por exemplo, o número de excluídos da cozinha limpa caiu para metade, enquanto continua a crescer na África subsaariana, também devido ao aumento da população. Nessa parte do continente africano, um bilhão de pessoas, aproximadamente quatro em cada cinco pessoas, usam combustíveis altamente poluentes tanto em fogareiros abertos como em fogões fechados.
A IEA, a Agência Internacional de Energia, que realizou a pesquisa sobre os excluídos da cozinha limpa, considera que o acesso universal à cozinha limpa não é uma questão de tecnologia, mas de políticas. As soluções são conhecidas, mas falta vontade para as implementar e não são feitos esforços suficientes para encontrar os financiamentos necessários. Atualmente, na África, menos de 1/3 dos planos melhorias dos métodos de cozimento são financiados, enquanto a Covid e o aumento dos preços dos combustíveis em nível internacional reduziram as contribuições para a sustentação das famílias. Considerado que 3/4 dos excluídos da cozinha limpa vivem no interior, a AIE acredita que a solução mais viável seja a utilização do GLP, ou seja, gás em botijões. Na última década, 70% daqueles que melhoraram os seus sistemas de cozinha fizeram-no utilizando GPL. De um ponto de vista ambiental, as placas elétricas alimentadas por painéis solares seriam a solução ideal, mas os investimentos necessários para cada habitação seriam bastante elevados. E em áreas remotas, onde até o fornecimento de botijões é difícil, a solução transitória é representada pelas chamadas cozinhas inovadoras, fogões a lenha com boa eficiência térmica e contenção de fumaça. As cozinhas inovadoras podem reduzir a necessidade de combustível em até 75% e reduzir drasticamente as fumaças perigosas, com vantagens notáveis tanto do ponto de vista social como de saúde.
Segundo a AIE, para garantir a todos o acesso a uma cozinha limpa até 2030, seriam necessários 8 bilhões de dólares por ano, em comparação com os 2,5 mil milhões atuais. 8 bilhões representam 0,3% dos gastos militares mundiais e uma percentagem irrisória do que os governos dos países ricos distribuíram aos seus cidadãos do mundo em 2022 para protegê-los contra o aumento dos preços da energia. Portanto, trata-se de um valor totalmente sustentável que poderia trazer uma mudança significativa nas condições sanitárias e da vida de milhares de milhões de pessoas, especialmente mulheres e crianças. Mas isso também poderia representar uma importante contribuição para a luta contra as alterações climáticas. A IEA calcula que a melhoria do nível mundial de métodos de cocção, entre agora e 2030, poderia reduzir as emissões de dióxido de carbono em 1,5 mil milhões de toneladas, a mesma quantidade emitida no ano passado pelas viagens aéreas e navais. Às vezes, resolver problemas é menos difícil do que parece. São as nossas gaiolas mentais que nos impedem de colocá-las em prática.
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Garantir a todos no mundo o acesso a uma cozinha limpa é bom para a saúde dos mais pobres e também para o ambiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU