13 Julho 2023
"O fato é que Biden, embora queira uma guerra sem fim na Ucrânia, tanto que agora até envia bombas de fragmentação e pretende continuar fornecendo 'armas e segurança como os EUA e seus aliados fazem por Israel', não quer de jeito nenhum entrar em guerra com a Rússia porque sabe muito bem que isso seria o fim dos Estados Unidos também; e se há uma constante na política americana através de todos os seus presidentes e na transição de uma era para outra, das guerras mundiais do século XX à Guerra Fria e à guerra 'fragmentada' de hoje, é que a guerra contra a Rússia não deve ser feita de forma alguma, Cuba docet", escreve Raniero La Valle, em artigo publicado por Chiesa di tutti, Chiesa dei poveri, 12-07-2023.
Raniero La Valle é jornalista, político e intelectual italiano.
A cúpula da OTAN foi realizada em Vilnius, dando as boas-vindas à Finlândia e à Suécia na Aliança. As condições de rendição foram ditadas à Rússia, até o limiar de uma declaração de guerra, que, no entanto, tomamos muito cuidado para não ultrapassar.
À Ucrânia, à qual cabe a tarefa de derrotar a Rússia, foram prometidas pontes de ouro para a integração completa na OTAN, que já alcançou a aclamada "interoperabilidade" entre as relativas Forças Armadas, incluindo um fornecimento perene de armas, zombeteiramente definido como "não letal". Tudo isso com a leviana ideia de que uma guerra mundial não se arriscaria dessa forma.
O que vale como interpretação autêntica destas decisões é o que o presidente Biden disse em uma entrevista à CNN quando se deslocou a Vilnius, na qual deu uma imagem de como concebe a OTAN, tão contraditória que chega a ser absurda.
Biden disse que, enquanto houver guerra, a Ucrânia não pode ingressar na OTAN, porque isso significaria que todos entrariam em guerra com a Rússia e, de fato, com a Ucrânia na OTAN "se a guerra está acontecendo, então estamos todos em guerra com a Rússia".
Isso é algo que todos sabiam, mas que ninguém ousara dizer de forma tão peremptória, e agora depois de um ano e meio de guerra Biden concorda clamorosamente com Putin que o fez justamente por isso, para não se encontrar em guerra com os Estados Unidos e todo o “ocidente mais amplo” uma vez que a OTAN conseguiu absorver a Ucrânia.
De fato, é claro que uma guerra dessa natureza significaria o fim da Rússia e colocaria os EUA em risco. Assim, Putin também fez um favor a Biden, que retribui, como se também fosse um "putiniano", ao dizer que a Ucrânia "não está pronta" para esta entrada, "porque há outros requisitos que devem ser cumpridos, incluindo a democratização" (Putin chamou de forma mais direta "desnazificação"), que é a outra razão para a invasão. Daí a ira de Zelensky, deixado sozinho para oficiar o sacrifício.
Ao mesmo tempo, Biden, reiterando que, uma vez terminada a guerra, as portas da OTAN estarão "abertas" à Ucrânia, estabeleceu a condição de que esta guerra nunca termine, porque se a guerra terminasse, a Rússia arriscaria novamente e, portanto, enquanto a OTAN for a OTAN e a Ucrânia fizer fronteira com a Rússia, nunca mais haverá paz na Europa. Se esta for a sentença infligida à Ucrânia, o fim da sentença nunca chegará.
O fato é que Biden, embora queira uma guerra sem fim na Ucrânia, tanto que agora até envia bombas de fragmentação e pretende continuar fornecendo "armas e segurança como os EUA e seus aliados fazem por Israel", não quer de jeito nenhum entrar em guerra com a Rússia porque sabe muito bem que isso seria o fim dos Estados Unidos também; e se há uma constante na política americana através de todos os seus presidentes e na transição de uma era para outra, das guerras mundiais do século XX à Guerra Fria e à guerra "fragmentada" de hoje, é que a guerra contra a Rússia não deve ser feita de forma alguma, Cuba docet.
E, no entanto, a atual programação americana, expressa nos documentos escritos da Casa Branca e do Pentágono de outubro passado, contempla que dentro de uma década a Rússia deve ser colocada fora do jogo para então passar ao desafio final com a China.
Juntando todos os postulados deste teorema, surge o seguinte resultado: a Rússia deve ser erradicada mas não com guerra de campo aberto, a Ucrânia deve continuar a lutar para este fim em nome e por conta dos outros, porque se não o fizer será o seu fim: afinal, o sacrifício da vítima sempre foi considerado salvífico (para os outros).
A OTAN é feita para a guerra e armada até aos dentes para esse fim e fonte de despesas militares e lucros infindáveis desviados de outros fins necessários e nobres, mas a única coisa que não pode fazer é a guerra. E se os Estados Unidos não podem e não vão travar uma guerra com a Rússia, muito menos o farão na década contra a China, apesar do "desafio culminante" anunciado hoje em todas as cartas contra ela.
E o mundo, e nós? Nós e o mundo devemos ficar de braços cruzados, a menos que esse mecanismo feito de contradições, perversidades e algoritmos imploda, devido a eventos imprevisíveis e, portanto, incontroláveis, e tudo acabe no Armagedom.
Por esta razão, temos que dizer aos Estados Unidos que sua política está completamente errada. Temos que dizer a eles se somos aliados, se somos a civilização e até a religião que a gerou. Podemos também admitir que seu motivo não é o de querer dominar o mundo como um único império, mas é a obsessão de sua segurança em um mundo julgado perigoso e mau, que precisa ser mantido sob controle, no contexto da memória histórica maniqueísta dos pais peregrinos e do Ocidente.
Mas devemos dizer aos EUA que há mais coisas no céu e na terra do que a "herança americana", que existem outras maneiras de estar no mundo do que armar-se até os dentes e tomar partido na luta entre o Bem e o Mal. Devemos dizer aos EUA: "não, não é assim", se formos amigos deste país, ou mesmo se estivermos dispostos a aceitar seu protagonismo, mas para tornar o mundo melhor, não para destruí-lo.
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O sono da razão. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU