"Com certeza o MST é conflito, mas também é projeto. E projeto autêntico. Por tudo que temos ouvido e sobre tudo que temos refletido, num acumulado teórico-político, até com a contribuição do Congresso, basta ver que esta é a quinta Comissão Parlamentar instaurada pera ir à raiz desse tema, são muitas as injunções desse projeto que não se reduz a uma ação mobilizadora para a reforma agrária, mas que abre uma agenda complexa de um completo projeto de sociedade", disse José Geraldo de Sousa Junior na Câmara dos Deputados, durante os debates da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.
A seguir, reproduzimos o texto apresentado na ocasião e publicado por Jornal Brasil Popular/DF, 15-06-2023.
José Geraldo de Sousa Junior é Professor Titular da Faculdade de Direito da UnB, seu ex-Diretor; ex-Reitor da UnB (2008-2012); membro benemérito do IAB – Institutos dos Advogados Brasileiros; membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília.
Senhoras e Senhores Parlamentares
Em 30/05/2023, no expediente deliberativo da CPI do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) – CPIMST, foi aprovado o requerimento n. 34/2023 do Deputado Nilto Tatto (PT-SP), também subscrito pelos deputados e deputadas Camila Jara (PT-MS), Gleisi Hoffmann (PT-PR), João Daniel (PT-SE), Marcon (PT-RS), Padre João (PT-MG), Paulão (PT-AL), Valmir Assunção (PT-BA), que solicita realização de reunião para contextualizar e apresentar diagnóstico da situação agrária brasileira, requerendo, para tanto que eu seja convidado como expositor.
Ainda está pendente de deliberação, requerimento do PSOL, subscrito pelas deputadas Sâmia Bomfim (SP) e Talíria Petrone (RJ) que, com base no artigo 58 da Constituição Federal e no artigo 36 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, pedem a realização de reunião na Comissão Parlamentar de Inquérito, com o objetivo de discutir sobre o papel da Constituição Federal de 1988 e a questão agrária, com convite aos seguintes especialistas: além de também a mim indicar, pelas qualificações de Professor Titular da Universidade de Brasília, ex-diretor da Faculdade de Direito da UnB e ex-reitor da mesma instituição; me coloca na melhor companhia, indicando também a minha colega de universidade Ela Wiecko, membro aposentada do Ministério Público Federal, onde exerceu as funções de Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Vice-Procuradora Geral da República e Vice-Presidente do Conselho Superior do MPF e o jurista Pedro Serrano, Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito.
Já nesse requerimento, o pedido é para que se realize audiência pública, ao fundamento de que a “CPI tome conhecimento de informações, notas técnicas, pesquisas e estudos acadêmicos sobre a questão agrária no país, com o objetivo de proporcionar uma melhor elucidação dos aspectos técnicos e jurídicos das questões que serão tratadas durante os trabalhos” da Comissão.
Para as autoras do requerimento “Os juristas convidados podem contribuir sobre os aspectos e princípios fundamentais da Constituição Federal e a questão agrária no nosso país. É essencial que esta CPI ouça especialistas no campo Constitucional para traçar o melhor panorama para seus trabalhos”.
Agora, no dia 14 de junho, sobre esses pressupostos, se instalou a sessão para o depoimento que prestei a CPI. Devo dizer, de saída, que o convite não só me honra mas dá continuidade a um compromisso de participação no processo legislativo, uma experiência que comecei a vivenciar ao tempo da realização da Assembleia Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988 quando se estabeleceu pela primeira vez esse diálogo entre a representação parlamentar e a cidadania ativa, no próprio processo. Recordo-me então, ter representado a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, da CNBB, como expositor em audiência pública na 12ª reunião da Subcomissão dos Direitos Políticos e Garantias Individuais da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher, em 30 de abril de 1987, com o tema “A construção social da cidadania: instrumentos de Participação Direta e de Iniciativa Populares como Garantias da Cidadania”.
Para Eneida Vinhaes Bello Dultra e Sabrina Durigon Marques, autoras do ensaio “O Legislativo Convida Professor José Geraldo de Sousa Jr: Tecendo o Fio Democrático da Formação Jurídica Crítica no Espaço da Política”, (in Direito.UnB Revista de Direito da Universidade de Brasília, volume 6, número 2, maio-agosto de 2022: Direito Achado na Rua: Contribuições para a Teoria Crítica do Direito, p. 295-310),
Naquele momento tão importante de consolidação da democracia no Brasil, fez uma defesa enfática pelo direito de conquista da cidadania, não restrito apenas à defesa de determinados direitos, mas que se corporificam como lutas para constituição como sujeito social, que emerge e se emancipa consciente de suas próprias forças.
Na sequência o ensaio percorre uma longa série de participações, na Câmara, no Senado ou em comissões mistas, em que as autoras encontram um vetor que denominam a promoção de “diálogo entre a Academia e [o] Poder Legislativo como forma de afirmar a relevância da democracia tanto para a ação política quanto na formação jurídica defendida como instrumento de liberdade [obtendo-se como resultado] um fio condutor que transporta os valores democráticos por meio da defesa inconteste da cidadania ativa e da sustentação do sujeito coletivo de direitos que emerge e conduz o processo de transformação em busca da justiça social”.
Esse o primeiro balizamento contextual que busco estabelecer. São 35 anos de amadurecimento de um programa constitucional que coloca a democracia e a justiça social em seu centro de realização, sobretudo no processo legislativo, em todas as dimensões desse processo desde os procedimentos preparatórios, nos trabalhos de comissões e no momento deliberativo final. Afastar-se desse processo é trair a Constituição e o Projeto de Sociedade. Por isso se diz (conforme o faz a professora Marilena Chauí) que a democracia não é somente uma forma de governo, é uma forma de sociedade e se realiza na mediações de sujeitos que institucionalizam o fazer político e o jurídico. Democracia e direitos, que não são quantidades de artefatos dispostos em prateleiras normativas, mas relações problemáticas, tensas, conflitivas, legitimadas pelos princípios que animam a política, a constituição e os direitos, enquanto promovam a justiça e a emancipação.
O segundo balizamento contextual é o de que é necessário reconhecer os sujeitos que movem o processo democrático e de realização dos direitos. Num sistema de intensa atuação democrática esses sujeitos são principalmente coletivos e se inscrevem nos movimentos sociais. A minha consideração nesse contexto é a que deriva de meu exercício acadêmico em articulação com o social, por meio da atuação indissociável, como define a Constituição (art. 207) de ensino, pesquisa e extensão.
Num momento de agravamento da violência contra os povos indígenas e seus territórios e sobre os conflitos no campo, mas também quando uma virada democrática acontece no Brasil, com a volta de uma governança de base popular, participativa e radicalmente democrática, mais se faz necessário que as forças vivas democráticas se abram à elaboração de políticas sociais e públicas que podem se valer desses estudos para orientar essas políticas.
Já caminhamos para cinco séculos, mas a obra seminal de Alberto Passos Guimarães “Quatro Séculos de Latifúndio”, publicada em 1963, seguida de “A Crise Agrária” (1978) e “As Classes Perigosas: Banditismo Rural e Urbano” (1982), é ainda fundamental para compreender a tensa realidade do campo brasileiro, a configuração do latifúndio e da concentração de terras no Brasil e a luta e protagonismo do movimento camponês, atualmente com a atuação marcante do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, para se organizar e propor um projeto político e social para o País.
A CPI em curso, não pode se constituir uma das faces desse enfrentamento. Mesmo que se apresente como uma face mais sofisticada porque amenize sua contundência sob a aparência de fiscalização legislativa. Com Renata Carolina Corrêa Vieira, mostramos em artigo no Le Monde Diplomatique, publicado em 18/07/2019 – A função social da propriedade: pedra angular da Constituição Cidadã, a malícia de propostas legislativas que, apesar de sua inviabilidade, tentam reduzir o alcance da realização do princípio da função social da propriedade, com movimentos deliberativos no Parlamento para favorecer a privatização do que já se colocava fora do comércio. Volta-se, com renovados artifícios, em medidas legislativas, a invocar a tese da propriedade privada como um direito absoluto, num contexto de realidade distópica, em que mentalidades estritamente negociais afirmam a “sacralidade” para retirar do seio da sociedade direitos conquistados historicamente por lutas sociais.
Já basta a face bruta e cruenta na linha do coronelismo que baliza o processo oligárquico, que caracteriza a nossa formação econômica, social e política: a criminalização da reivindicação social (com a pretensão de tipificar as formas de luta no elenco do crime de terrorismo) e a volta legal ao armamentismo que equipa as milícias urbanas e rurais a serviço a propriedade e do latifúndio.
Em artigo que publiquei em coluna que mantive por anos na Revista Sindjus (Sindicato dos Servidores do Judiciário e do Ministério Público em Brasília (Edição do ano XVI, nº 50, ano 2008, pág. 5 – Enxadas ou Flores? A tentação de Criminalizar o MST, aludi a essa ação emoliente que o próprio sistema de justiça promove.
Com esse título referia-me ao dilema posto em artigo de Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, publicado em Zero Hora, edição impressa do dia dois de julho daquele ano, no qual procura contemporizar a reação veemente a ações civis desencadeadas pelo Ministério Público contra determinados acampamentos do MST (Serraria e Jandir, entre outros), no RS, e que foram vistas como uma estratégia concertada para postular a extinção ou a ilegalidade de um importante movimento social.
O que mais evidente ficou à observação é a dificuldade de reconhecimento do alcance emancipatório das reivindicações sociais. Em vários estados, o Ministério Público Federal, numa aparente violação do princípio do promotor natural, insistiu na proposição de ações civis públicas, pelo fato de o INCRA e universidades federais terem firmado termo de cooperação técnica visando a implementar cursos de graduação em Direito destinados a beneficiários da reforma agrária, nos parâmetros do sistema Pronera (Programa Nacional de Educação do Campo).
Nos termos insólitos da argumentação do MP:
Sabido é que o habitat do profissional do Direito, em qualquer de suas vertentes, é o meio urbano, pois é nesta localidade em que se encontram os demais operadores da ciência jurídica. Ainda que venha ele a patrocinar pretensão titularizada por cidadão que habite a mais distante área rural, endereçará a sua demanda a órgão do Poder Judiciário, não encontradiço em paragens rurícolas.
O fato é que, embora, sob consideração teórica, se reconheça como legítimas as formas de ação coletiva de natureza contestadora, solidária e propositiva dos movimentos sociais, a dialeticidade de suas múltiplas práticas sociais, não necessariamente é vista, no plano da política, como compromisso com a coletividade para a construção de esfera pública democrática, em cujo âmbito se definem projetos emancipatórios, sensíveis à diversidade cultural e à justiça social. Ao contrário, a expressão conflitiva dessa dialeticidade tem levado, muito em geral, a uma reação despolitizada, da qual não são imunes o Ministério Público, o Judiciário e até o Legislativo, abrindo-se à tentação de responder de forma pouco solidária e até criminalizadora a essas práticas.
E, enquanto se funcionaliza uma ação, com algum grau de concertação na linha de respostas criminalizadoras, o mesmo não se vê quando se trata de verificar a legalidade e a constitucionalidade de mobilizações, que embora possam parecer equivalentes na sua dinâmica, são opostas em suas motivações e seus intentos. Penso no 7 de setembro de 2022, com a Esplanada então ocupada por mobilizações que se diziam “patrióticas” mas que se voltavam contra as instituições, a república e a democracia, agindo como hordas; enquanto povos indígenas resgatavam a praça de seu sequestro criminoso e protegiam seus símbolos, se apresentando como povo, mesmo sem sua subjetividade formalizada em cartório, mas reconhecida pelo próprio STF para incluir em pauta sua pretensão de titularidade de direitos legítimos, originários, pré-estatais.
O mesmo se diga em relação a pleitos possessórios que requeiram a concessão de medidas protetivas em imóveis que descumprem a função social, que não é só econômica, nem formalmente produtiva, se não for também conforme às salvaguardas ambientais e garantes de direitos dos trabalhadores; ou ainda, quando se trata de assistir despejos de famílias sem-terra, para fiscalizar a ação policial, prevenir abusos, fazer cumprir a legislação de proteção a crianças, adolescentes e idosos ou, finalmente, para impedir que qualquer desocupação seja realizada sem a designação de lugar adequado para a remoção dos atingidos.
Contra essas estratégias desconstituintes e desdemocratizantes já há acervo constitutivo para pensar outras possibilidades, em sede constitucional, de conferir “definição jurídica diferente”, descriminalizando e politizando no sentido instituinte, condutas que ampliam acesso a direitos. No volume 3, da Série O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito Agrário. Brasília: Editora da UnB/Editora da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002 organizado por mim, Mônica Castagna Molina e Fernando da Costa Tourinho Neto (então Presidente da Associação dos Juízes Federais), anotamos uma dessas clivagens do sistema de justiça à realidade fática sob julgamento.
A referência é ao voto paradigmático, seja em seu refinamento técnico, seja em seu profundo sentido humano, proferido pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, quando do julgamento no STJ, do Habeas Corpus nº 4.399-SP, em que foram pacientes Diolinda Alves de Souza e outras lideranças do MST. O Tribunal, como é sabido, e como se pode ver do acórdão a cargo do relator Ministro William Patterson, concedeu a liberdade aos pacientes. Na sessão, houve inclusive vozes (Ministro Ademar Maciel) que cogitou com base na filosofa Hannah Arendt se não se trataria de aplicação do princípio de desobediência civil, tema de instigante ensaio da grande pensadora, orientado a justificar esse fundamento sobre qualquer de suas expressões – a inconstitucionalidade de normas ilegítimas ou a objeção de consciência em face da lei injusta.
Mas prevaleceu o voto, que tem tido larga repercussão do Ministro, até porque à época presidia a Comissão de Reforma do Código Penal, voto que não perdeu de vista o contexto histórico no qual são designadas as circunstâncias factuais do tema em discussão; põe em relevo, o Ministro, a condicionalidade da atuação das “chamadas instâncias formais de controle da criminalidade”, sujeitas, segundo ele, à “posição política, econômica e social da pessoa”.
Finalmente, como membro legítimo da comunidade aberta dos realizadores da Constituição, pondera judiciosamente a condição prejudicial na qual se encontram os pacientes, reconhecendo que “as chamadas classes sociais menos favorecidas não têm acesso político ao governo, a fim de conseguir preferência na implantação de programa posto na Constituição da República”. Sua decisão é descriminalizadora, acentuando novas dimensões da subjetividade jurídica, em cujo âmbito tem sido situada “a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória” (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et al (orgs). O Direito Achado na Rua. Sujeitos Coletivos de Direito. Só a luta garante os direitos do povo!.Coleção Direito Vivo vol. 7. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2023). Decide, pois, o Tribunal “não poder ser considerado esbulhador aquele que ocupa uma terra para fazer cumprir a promessa constitucional da reforma agrária”.
Celso Furtado havia proclamado em uma de suas passagens orgânicas na governança que o MST era o movimento social mais importante do Século XX no mundo. Essa posição é secundada pelo alto reconhecimento que o movimento angariou, bastando ver o acervo de prêmios que lhe tem sido outorgados ao redor do mundo. Nas suas movimentações se insere nas principais agendas que procuram levar a sério o desenvolvimento e o bem-estar dos países e dos povos.
Num recente Dia da Trabalhadora e do Trabalhador Rural (em julho de 2020) o cardeal Michael Czerny, secretário do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, enviou uma carta em nome do Papa Francisco que saúda as famílias Sem Terra que seguem realizando ações de solidariedade no Brasil. O motivo era o reconhecimento do Papa ao MST por ter distribuído mais de 2,5 mil toneladas de alimentos no combate ao covid-19 e à fome no Brasil, ação vista com “alegria pelo gesto bonito de distribuição de alimentos que as famílias da Reforma Agrária no Brasil estão realizando nestes tempos da Covid-19”.
Volto ao Papa. Sua ação pastoral se apoia numa perspectiva teológica de universalização e não de capitalização dos bens da vida – a Teologia dos três Ts: Terra, Teto e Trabalho, e na confiança de que sem interlocução com os movimentos sociais não há democracia, nem justiça. Diz o Papa (Discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, publicado no sítio da Santa Sé, 28-10-2014):
Os movimentos populares expressam a necessidade urgente de revitalizar nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo excede os procedimentos lógicos da democracia formal. A perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que inclua os movimentos populares e anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor.
Eu os acompanho de coração nesse caminho. Digamos juntos com o coração: nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”.
Com certeza o MST é conflito, mas também é projeto. E projeto autêntico. Por tudo que temos ouvido e sobre tudo que temos refletido, num acumulado teórico-político, até com a contribuição do Congresso, basta ver que esta é a quinta Comissão Parlamentar instaurada pera ir à raiz desse tema, são muitas as injunções desse projeto que não se reduz a uma ação mobilizadora para a reforma agrária, mas que abre uma agenda complexa de um completo projeto de sociedade.
Com nuances singulares. Amanhã promovo, como um dos organizadores/autores o lançamento de um livro O Direito Achado na Rua. Sujeitos Coletivos: só a luta garante os direitos do povo!, já mencionado. O livro todo trata desse tema instigante, que é a instalação de uma subjetividade ativa inscrita nos movimentos sociais tão bem estudada pelo sociólogo Alain Touraine, que acaba de falecer e a quem rendo homenagem. No livro, ponho em relevo o ensaio O Dia em que o Sujeito Coletivo de Direito Ocupou a Bolsa de Valores: o Encontro Inusitado entre a CVM e o MST. O autor, jovem acadêmico do programa de pós-graduação em Direito da UnB, Diego Vedovatto, que nasceu num assentamento no Rio Grande do Sul, com aportes epistemológicos rigorosos, descreve e analisa o “encontro inusitado” entre a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, durante a emissão do primeiro título de crédito na modalidade de Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, aberto ao público geral na bolsa de valores brasileira, por cooperativas constituídas por agricultores sem-terra e sediadas em assentamentos de reforma agrária.
A Academia leva a sério esse tema. Também o Congresso que se constitui pela força instituinte dos movimentos sociais que lhe deram feição e alcance constituinte, pode ser o promotor da valorização de um programa de atuação emancipadora que caracteriza o MST e que lhe angaria reconhecimento quase universal. Claro que o MST é conflito, mas insisto, também é projeto. Conforme disse o Promotor de Justiça Marcelo Goulart em entrevista recente, nesse projeto não é só a reforma agrária que está em causa, por ser é uma das principais formas de emancipação do povo trabalhador, mas também a democratização do acesso à terra e produção econômica e ecologicamente sustentável no campo, e o que é de mais básico para todos: soberania e segurança alimentar.