06 Junho 2023
"A Igreja e a missão na Ásia vivem necessariamente a condição de minoridade, caracterizada com eficácia pela imagem da semente que cresce escondida. É assim que se transmite o Evangelho e, portanto, é precisamente na Ásia que a missão vive de transparência evangélica".
O comentário é de Gianni Criveller, sinólogo e missionário do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (Pime), em artigo publicado por Mondo e Missione, 15-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Peregrinos e hóspedes”. Assim descreve o padre Giorgio Marengo da Consolata os missionários na Mongólia em um precioso livro que aborda o sentido da precariedade e da beleza da missão na Ásia.
Francisco de Assis, na Regra non bulada de 1221, descreve a missão entre "os sarracenos e os outros infiéis", sugerindo aos seus frades que "procedam de duas maneiras espiritualmente com os infiéis". A primeira é que “se abstenham de rixas e disputas, submetendo-se a ‘todos os homens por causa do Senhor’ e confessando serem cristãos”. A outra maneira é que " é anunciarem a palavra de Deus quando o julgarem agradável ao Senhor: que creiam no Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo". Estamos no tempo das Cruzadas e das guerras religiosas. Francisco, um soldado que se converteu à paz, imagina uma missão diferente, onde não falta o testemunho e até o martírio, mas que seja feita na paz: viver entre os outros "sem rixas e disputas", sujeitos à sua autoridade. E anunciar a Palavra de Deus somente quando "verem o julgarem agradável ao Senhor". Em outras palavras, o missionário deve saber ler "os sinais dos tempos", que são aqueles de Deus, sem impaciência, sem animosidade. Uma lição missionária que remonta a 800 anos atrás, mas que continua muito atual.
E foram precisamente os missionários franciscanos os primeiros a cruzar as estepes da Ásia Central, onde o Islã estava se expandindo, até chegar à Mongólia e à China. Era 1246: o missionário franciscano João da Pian del Carpine chegou a Karakorum, capital do império mongol. A evangelização de hoje na Mongólia parece reproduzir as indicações dadas por Francisco. É essa a sensação que se tem ao ler “Sussurrare il Vangelo nella terra dell’eterno Cielo blu” (Sussurrar o Evangelho na terra do eterno céu azul, em tradução livre; Urbaniana, 2018), o livro, sugestivo desde o título, do Padre Giorgio Marengo, 44 anos, missionário da Consolata e teólogo, em Mongólia desde 2003.
Marengo se inspira no primeiro congresso missionário da Ásia, realizado em outubro de 2006 em Chiangmai, norte da Tailândia, e intitulado "Contar a história de Jesus na Ásia". Aquele congresso teve um notável impacto na reflexão e na práxis missionária na Ásia, conferindo-lhe um caráter fortemente narrativo. A evangelização, mais do que a difusão de uma doutrina religiosa, é a narração de uma história que tem o potencial de mudar vidas: a história de Jesus. Uma história a ser contada com envolvimento pessoal, com imagens, símbolos, gestos e ritos.
O teólogo e bispo indiano Mons. Thomas Menamparampil convidava os missionários a apresentar “Jesus como ele realmente é, como é apresentado nas Escrituras. Isso é suficiente." Contar a história de Jesus traz a história missionária de volta à força da palavra, na “modalidade da palavra hospitaleira” do filósofo Fabrice Hadjadj. Se é verdade que não se pode falar de Deus, também é verdade que "não se pode deixar de falar dele. Seu Nome está oculto sob cada palavra". Desta forma, é plenamente revelado o significado do verbo "sussurrar", que Marengo retoma de Menamparampil. A narrativa cria relação. Padre Giorgio descreve a missão como uma história de amizade. E a amizade é precisamente o nome em torno do qual hoje toda a história missionária pode ser explicitada de uma maneira nova. A amizade alimenta-se de empatia, uma qualidade frequentemente evocada por Marengo.
A fórmula do "sussurrar no coração da Ásia" é particularmente feliz, sobretudo por suas fortes raízes bíblicas. Segundo o Evangelho de Mateus, Jesus se descreve evocando as palavras de Isaías: "Não gritará, nem levantará a voz em público". “Sussurrar” para dar dignidade às formas narrativas da discrição, da calma, da empatia, da expectativa e da profundidade. Os povos da Mongólia e da Ásia, imbuídos de antigas religiosidades, poderiam rejeitar a evangelização como "estrangeira" se não fosse realizada com a empática discrição do "sussurro".
A tradição espiritual asiática em geral, e a mongol em particular - esta última fortemente marcada pelo budismo lamaísta - conhece a fundo a dinâmica da relação entre mestre e discípulo. O ensinamento é transmitido de forma calma, sem coação e imposições.
A Igreja e a missão na Ásia vivem necessariamente a condição de minoridade, caracterizada com eficácia pela imagem da semente que cresce escondida. É assim que se transmite o Evangelho e, portanto, é precisamente na Ásia que a missão vive de transparência evangélica.
Marengo descreve os missionários na Mongólia como "peregrinos e hóspedes", uma sugestiva imagem do Novo Testamento, que dá uma ideia da precariedade e da beleza da missão.
A Mongólia é um país raramente mencionado na mídia. Mas talvez seja justamente a localização periférica em relação às grandes encruzilhadas da geopolítica mundial que a torne fascinante. Vasta (mais de cinco vezes o tamanho da Itália), com uma população de 3,2 milhões de habitantes, é o país com a menor densidade populacional do planeta.
Nos séculos XIII e XIV, depois de João da Pian del Carpine, outros missionários franciscanos foram enviados para lá como legados papais, para tentar uma aliança entre a Europa cristã e o império mongol. Na época, a Mongólia havia conquistado posição após posição, tornando-se o maior império territorialmente contínuo que já apareceu na história da humanidade (e, em absoluto, perdendo apenas para o Império Britânico no século XX). O líder mais conhecido, Gengis Khan, é até mencionado em canções populares venezianas, tamanha é a sua temível fama que também deixou uma marca no imaginário europeu.
Nos longos anos da inimizade entre a União Soviética e a China maoísta, a Mongólia foi um "estado tampão", destinado a absorver as tensões entre os dois gigantes.
Saída da sombra de seus vizinhos poderosos, a Mongólia renasceu em 1990. Hoje é um país democrático, aberto ao pluralismo religioso e em crescimento econômico. E também recomeçou o desafio da evangelização, numa terra marcada radicalmente pelo budismo e por uma forte herança xamânica.
A retomada missionária foi confiada em 1992 aos missionários de Scheut (Congregação do Imaculado Coração de Maria, fundada na Bélgica em 1862), já pioneiros da missão na Mongólia chinesa. Nos anos seguintes chegaram outros missionários, entre os quais, em 2003, aqueles da Consolata de Turim, entre eles, precisamente, também o padre Giorgio Marengo, autor desse bem-sucedido ensaio de teologia missionária.
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Mongólia: o Evangelho sussurrado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU