22 Março 2023
Um padre deveria se calar? Ameaçado no Twitter pela máfia líbia ("Dom, espero que você tenha um colete salva-vidas"), padre Mattia Ferrari, 29 anos, capelão da ONG Mediterranea Saving Humans, na linha de frente do apoio aos migrantes, entrou com um processo.
A entrevista é de Concetto Vecchio, publicada por la Repubblica, 21-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Depois o que aconteceu?
O procurador de Modena pediu o arquivamento do caso: se um sacerdote sai ‘dos âmbitos tradicionais reservados e silenciosos da externalização do mandato pastoral’ deve esperar virar alvo.
O mundo católico, do presidente do Cei Zuppi ao jornal Avvenire, saiu em sua defesa.
E meus advogados apresentaram uma objeção ao pedido de arquivamento.
Quando o juiz vai examinar isso?
Na audiência de 31 de março.
O que exatamente havia denunciado?
Eu tinha apontado o dedo, também nas redes sociais, para as condições nos campos de concentração e para o papel da Guarda costeira da Líbia.
Você reivindica o direito de se expor?
Faz parte do ministério sacerdotal dedicar-se à promoção da justiça.
Se alguém se expõe nas mídias sociais, deve esperar ataques?
Mas eu fui ameaçado, não foi uma simples crítica. Nós padres fazemos muitas coisas, algumas delas acontecem em silêncio, outras não. Mas não é a gente que deve ser culpada, mas sim Jesus: um padre, e cada cristão segue o seu exemplo.
É verdade que você deu a extrema-unção a muitos torturados nos campos de concentração?
Sim, por chamada de vídeo. Me vi diante de cenas de partir o coração. Homens desnutridos, com os olhos esbugalhados, tão exaustos que mal conseguiam falar.
Como você se tornou o capelão da Mediterranea?
Graças à participação nos centros sociais Tpo e Labàs de Bolonha. Um garoto muçulmano, que frequentava a minha paróquia, nos indicou Yousupha, que dormia na estação de Bolonha: ‘Ajudem-me a ajudá-lo!’ Yousupha encontrou abrigo nos alojamentos dos centros sociais.
Assim você começou a frequentá-los?
Sim, como seminarista. Em 2018 levei Zuppi até lá.
O que a Mediterranea tem a ver com isso?
Nasce nos centros sociais, a partir de uma ideia de Luca Casarini. É a única embarcação de resgate civil com bandeira italiana. No entanto, Luca queria que fosse uma expressão de toda a sociedade, da Arci ao Banco ético, da Igreja Católica aos centros sociais.
Você participou de operações de resgate?
Uma vez, em 2019. Agora, depois das ameaças, não posso mais fazer isso.
Quando surgiu a sua vocação?
No ensino médio. Foram decisivos os padres da minha paróquia, em Formigine (Modena), e o encontro com Monsenhor Loris Capovilla: um mestre do Evangelho.
Em que família você cresceu?
Meu pai, Davide, é médico. Minha mãe, Manuela, é educadora, atuante no voluntariado social. Eu tenho uma irmã, Cristiana, 27 anos, formada em ciências motoras.
Qual é a sua leitura da tragédia de Cutro?
Algo deu errado. Por isso é preciso apurar as responsabilidades.
O que mudou com esse governo?
Prevalece o que o bispo de Palermo, Corrado Lorefice, definiu como ‘a peste no coração’. Chocam-se duas visões: aquela capitalista, racial e patriarcal e aquela da justiça, da fraternidade e da igualdade.
O que vocês pedem?
A retomada imediata das operações de socorro das ONGs; a abertura de canais de acesso, muitos dos mortos de Cutro vinham do Afeganistão.
O que você pensa sobre Elly Schlein?
Somos amigos de longa data, ela também participa das lutas.
Você marchou com os estudantes.
Para aprender. Eles estavam nas ruas para denunciar o sofrimento mental nas escolas, um problema que aflige muitos estudantes.
Você apoia as lutas dos que ocupam as casas.
Agora o município de Roma disse que vai regularizar o Spin Time. 400 vivem lá, dos quais cem são menores, de vinte e seis nacionalidades diferentes: a Mediterranea também tem uma sede lá.
Mas é legal ocupar um prédio?
É, como diria Dom Ciotti, um caso de legalidade substancial. Qualquer um que entrar lá fica fascinado com a sua beleza.
Você se sente um padre de rua?
Prefiro um padre de Jesus.
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“Sou ameaçado pelas minhas denúncias, mas um padre não pode se calar”. Entrevista com Mattia Ferrari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU