A violência, diferentemente do que muitos pensam, não se restringe a zonas de guerras ou conflitos sociais; ela é uma realidade vivida nos círculos mais próximos, dentro das famílias, e atinge a todos: mulheres e homens, recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Os casos mais notórios e divulgados nos últimos anos dizem respeito à violência cometida contra as mulheres. Somente no Rio Grande do Sul, uma mulher foi agredida a cada 22 minutos, totalizando 1.989 casos de mulheres vítimas de violência doméstica no primeiro mês deste ano, segundo informação publicada pelo Matinal no mês passado.
Segundo levantamentos realizados pela ONU Mulheres, "as mortes violentas de mulheres por razões de gênero são fenômeno global. Em tempos de guerra ou de paz, muitas dessas mortes ocorrem com a tolerância das sociedades e governos, encobertas por costumes e tradições, revestidas de naturalidade, justificadas como práticas pedagógicas, seja no exercício de direito tradicional – que atribui aos homens a punição das mulheres da família – seja na forma de tratar as mulheres como objetos sexuais e descartáveis". Entretanto, pouco se sabe sobre o número exato dessas ocorrências e as circunstâncias precisas em que ocorrem.
Contudo, os dados sobre casos de feminicídio no Brasil indicam que a violência está instalada dentro das famílias e atinge os grupos mais vulneráveis. De 2018 para 2019, antes da pandemia de Covid-19, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das mulheres agredidas "66,6% eram negras; 89,9% foram assassinadas por companheiros ou ex-companheiros. Dentre as vítimas, 56,2% tinham entre 20 e 39 anos de idade. (...) O maior número de agressões físicas ocorreu nos finais de semana: 22% dos casos no domingo, e 17% na segunda. De terça a sexta, os casos caíram para 12%".
Nas últimas décadas, aumentaram significativamente as denúncias de violências contra grupos minoritários: mulheres negras, indígenas, lésbicas e trans. De acordo com dados do Ministério da Saúde, "mais de oito mil notificações de casos de violência contra as mulheres indígenas foram registradas no Brasil entre 2007 e 2017". Em 2021, "a comunidade Menino Deus Rio Urupadi, na zona rural no município de Maués (a 257 quilômetros de Manaus), registrou o assassinato de uma indígena do povo Sateré-Mawé no dia 16 de novembro de 2021. A vítima, de 17 anos, foi morta a facadas pelo então marido, Irinivaldo Batista Gastão, também indígena. A jovem era natural da aldeia São Jorge e ele da comunidade Flexal Rio Urupadi. Ambas as comunidades ficam na Terra Indígena Andirá Marau, no Baixo Rio Amazonas, divisa com Pará".
Durante a pandemia, segundo o relatório “O vírus da violência de gênero”, da Oxfam, a violência contra as mulheres cresceu no mundo todo: "Os telefonemas de mulheres para os centros antiviolência aumentaram entre 25% e 111% em 10 países dos cinco continentes". Na ocasião, a ONG informou que "a Malásia é o Estado com o valor mais alto (111%), seguida pela Colômbia (79%), Itália, África do Sul (69%), China e Somália (50%), Tunísia (43%), Argentina e Reino Unido (25%). De acordo com a Comissão Nacional para as Mulheres, a situação na Índia também é muito alarmante (mais de 250%)".
Os casos de violência e, consequentemente, da morte das mulheres, está diretamente relacionado a outro problema social: o aumento do número de órfãos. Segundo projeções realizadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2020, os crime hediondos deixam "mais de dois mil órfãos no país todos os anos. Em muitos casos, as crianças perdem ao mesmo tempo a mãe, assassinada, e o pai, que vai preso".
O combate à violência tem sido uma das tônicas do pontificado do Papa Francisco. Na homilia de 1° de janeiro de 2020, Dia da Paz e Solenidade de Maria Santíssima, Mãe de Deus, ele disse que "o modo que tratamos o corpo da mulher revela nosso nível de humanidade". Acrescentou ainda que "as mulheres são fontes de vida; e, no entanto, são continuamente ofendidas, espancadas, violentadas, induzidas a se prostituir e a suprimir a vida que trazem no seio. Toda a violência infligida à mulher é profanação de Deus, nascido de uma mulher".
Em dezembro do ano passado, no ciclo de catequeses sobre o discernimento, o Papa refletiu sobre a violência de gênero que faz parte da realidade de inúmeras famílias. “Ser possessivo é inimigo do bem e mata o afeto”, disse, ao denunciar os casos de violência que “nascem quase sempre da pretensão de possuir o afeto do outro, da busca por uma segurança absoluta que mata a liberdade e sufoca a vida, tornando-a um inferno”.
Para refletir sobre esta doença social que atinge mulheres no mundo todo, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove, na próxima quinta-feira, 09-03-2023, a palestra virtual intitulada "O aumento dos Feminicídios no Rio Grande do Sul e no Brasil', com a secretária de Políticas Públicas para Mulheres de São Leopoldo, Suelen Aires Gonçalves, e com a advogada criminalista Renata de Castilho. O evento começa às 17h30 e será transmitido pela página eletrônica do IHU, pelo canal do IHU no YouTube e pelas redes sociais.
Na página eletrônica do IHU, também podem ser acessados artigos, entrevistas e matérias sobre a temática da violência a partir de uma abordagem interdisciplinar.