12 Dezembro 2022
"Pode ser visto a olho nu, mesmo sem consultar os dados oficiais", admite Tea Vidoviæ do Centro de estudos de paz (CMS) de Zagreb. Ela não precisa ter em mãos os números divulgados pelo governo nacional, nem as estatísticas da Frontex ou da IOM, basta fazer um tour pelas ruas da capital croata, trocar algumas impressões com os colegas de outras cidades e com os ativistas do outro lado da fronteira com a Bósnia.
A reportagem é de Francesca Ghirardelli, publicada por Avvenire, 11-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Cresce o número de pessoas que chegam aqui, mas também em Rijeka e Buzet, a dois passos da Eslovênia e da Itália, não muito longe de Trieste. É certamente algo que não víamos na Croácia desde os movimentos migratórios de 2015”. Assim, o centro de acolhimento em Zagreb tem problemas de capacidade, não há lugar para todos, “mesmo que o Ministério do Interior informe que quem chega fica no centro um ou dois dias, depois continua a viagem”.
Para a Frontex, a rota dos Balcãs “continua a ser a rota mais ativa” e também por isso, depois do plano de novembro dedicado aos fluxos no Mediterrâneo central, a Comissão Europeia apressou-se a apresentar o Plano de Ação para os Balcãs Ocidentais em 5 de dezembro. Sobre essa rota, desde o início do ano já se registaram quase 130 mil tentativas de travessia irregular das fronteiras externas da União. Três vezes mais do que em 2021, embora a Frontex tenha especificado que o pico "pode ser atribuído a repetidas tentativas de migrantes já presentes na região".
Na Croácia são 36.000 as chegadas registradas este ano, foram 17.000 em 2021. É impossível estimar quantos passaram sem deixar rastros. Muitos são afegãos, alguns por algum tempo trancados na rota, outros, que fugiram com a chegada dos talibãs, demoraram um ano e meio para chegar ao limiar da Europa. “Também vemos paquistaneses e cidadãos da Guiné e Gâmbia. Devido ao recente regime de entrada sem visto da Sérvia, algumas pessoas chegaram de avião do Burundi e da Tunísia. Aconteceu desde a primavera passada e até recentemente, mas em outubro, sob pressão da UE, Belgrado mudou as regras para essas nacionalidades”, continua Tea Vidoviæ.
Croácia (Foto: Maplab | Wikimedia Commons)
Depois, há os nepaleses, “garotos e garotas que chegaram para uma liberalização croata das permissões de trabalho. Quando o visto expira, muitas vezes optam por se unir aos fluxos da rota para o norte”. A partir de janeiro a Croácia, já país membro da União desde 2013, também entrará na área do Acordo de Schengen. O Conselho de Assuntos Internos da UE ratificou sua adesão plena em 8 de dezembro. A sua longa fronteira meridional delimitará assim de forma ainda mais significativa a fronteira da União Europeia.
Nepal (Foto: Shahid Parvez | Wikimedia Commons)
Na véspera da votação para adesão, o Centro de Estudos para a Paz expressou temores de que o renovado “papel de guardião” de Zagreb possa tornar as ações ilegais contra os migrantes ainda mais severas. “As práticas violentas da polícia croata na fronteira não Cessaram”, ressalta Tea Vidoviæ. “Há rumores sobre o que vai mudar com a entrada no Schengen. Os centros de pré-triagem anunciados podem ser montados na Bósnia para controlar quem pode entrar. Há algum tempo, nós do Cms estamos atentos aos riscos de derrogação aos direitos humanos, tememos que a situação na Bósnia se torne realmente perigosa para as pessoas em trânsito”.
Analisando o conteúdo do novo Plano de Ação para os Balcãs, lemos sobre a importância de "reforçar a gestão das fronteiras para reduzir os fluxos irregulares, também à luz da evolução do modus operandi dos traficantes, do aumento do uso da violência". Ora, não está claro a que tipo de violência o plano fala referência, uma vez que os episódios de abusos violentos normalmente ligados ao trânsito de migrantes são aqueles contra aquelas mesmas pessoas em movimento, cometidos pelas autoridades fronteiriças. Relembra isso, com até 1.635 testemunhos, para um total de cerca de 25.000 pessoas envolvidas desde 2017, a volumosa atualização do Black Book of Pushbacks, o livro negro das recusas de entrada. A nova edição dessa galeria de horrores foi apresentada no dia 8 de dezembro pela Rede de monitoramento da violência nas fronteiras (BVMN), uma rede de ONGs (há também o Centro de Estudos para a Paz de Zagreb) que documenta a violência policial há anos.
É "apenas a ponta do iceberg, existem centenas de milhares de histórias que não ouvimos", declarou Hope Barker, pesquisadora da BVMN. Apenas 5,6% dos depoimentos ouvidos em 2021 não faz referência ao uso excessivo da força. “Este livro destaca que não estamos lidando com ações esporádicas de ‘algumas poucas maçãs podres’. Estes são sistemas em nível europeu, reforçados de cima”.
Entre as histórias coletadas na fronteira entre a Croácia e a Bósnia, está a de uma jovem de 26 anos do Burundi, impedida de entrar junto com 80 de seus compatriotas em 20 de outubro. Surpreendidos pelos agentes croatas, ela e seus companheiros de viagem sentaram-se no chão com as mãos para cima. O sinal de rendição não evitou os espancamentos dos policiais. “As mulheres eram empurradas, chutadas e espancadas nas costas. Os homens foram espancados ainda mais duramente”, registra o relatório do BVMN. Um homem perdeu os sentidos. “Não percebemos que ele não estava bem, foram os policiais que se aproximaram porque ele não se mexia, foram verificar se ele estava morto. Eles levantaram o homem do braço. Um policial acreditou que ele estava morto, disse ‘se foi' e começamos a gritar e chorar".
Burundi (Foto: Alvaro1984 18 | Wikimedia Commons)
Em outro depoimento, um jovem afegão em viagem com uma família iraquiana-curda, que foi mandado de volta para a Bósnia em 30 de outubro, conta sobre agentes croatas que usavam balaclavas e tinham um cachorro. O rapaz tentou fugir, sendo perseguido pelo animal. Para evitar ser mordido, ele parou e levantou as mãos. Quando os polícias o alcançaram, começaram a espancá-lo “com dois tipos diferentes de cassetetes, um preto de tamanho médio e um pau flexível cinzento. Eles me bateram tanto, tanto, e agora tenho dores nos rins e nas costas. Levaram-me também os sapatos e tive de andar 30 quilômetros sem eles”.
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Na Croácia, do Nepal e do Burundi. As vidas rejeitadas nas fronteiras da Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU