11 Novembro 2022
"O Papa não quer que fiquemos somente olhando Jesus sem fazer nada, isso não é cristianismo, ele quer que sejamos ativos em nossa comunidade de fé. Pois a fé em Jesus nos leva à ação, não à passividade, ao conforto e conformismo".
O artigo é de Alvim Aran Santos, seminarista, cursando o terceiro ano de filosofia no seminário Provincial Sagrado Coração de Jesus em Diamantina - MG
“Somos o fracasso, pois se formos o sucesso, significa que nos aderimos ao sistema” – Padre Júlio Lancellotti
Aproxima-se o VI dia mundial dos pobres e, ao contrário do que muitos pensam, quando Papa Francisco propõe esta reflexão, não é para enaltecer a pobreza e a condição de quem é pobre, mas é para nos fazer refletir sobre a causa e a situação de nossos irmãos e irmãs que são atormentados pela miséria à luz do evangelho anunciado por Jesus. Esta flexão é muito importante para todos nós, ainda mais nesse ano, pois o mundo passou e passa por uma situação difícil. Estamos caminhando para o fim da pandemia provocada pela Covid-19, além da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Quantas vidas ceifadas injustamente por descaso de governos que só pensam em si próprios e em suas economias sob o domínio de um neoliberalismo que exclui as camadas mais pobres da sociedade? O Papa inicia a carta fazendo uma alusão a São Paulo quando diz que “Jesus se fez pobre por nós” (2 Cor 8, 9), para nos ensinar a abaixar e servir, com intuito de nos mostrar e denunciar os sistemas de exclusão que existiam em seu tempo, e que se faz presente no nosso. E o Papa faz um questionamento que vale para todos, diante dessas situações que cooperam para o luto do mundo: “Como dar uma resposta adequada que leve alívio e paz a tantas pessoas, deixadas à mercê da incerteza e da precariedade?”
A resposta dele é o que todos os cristãos esperariam e que acreditam, isto é, "manter o olhar fixo em Jesus que 'sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza''" (2 Cor 8, 9). Mas o Papa não quer que fiquemos somente olhando Jesus sem fazer nada, isso não é cristianismo, ele quer que sejamos ativos em nossa comunidade de fé. Pois a fé em Jesus nos leva à ação, não à passividade, ao conforto e conformismo. Essas são palavras que deveriam ser excluídas da vida do cristão, e as que precisariam ser acrescentadas são “militância”, “ativismo” e “política”.
Não queremos pregar ideologias com essas palavras, mas dizer que o cristão deve ser ativo no mundo. Exemplo que o Papa cita na carta é São Justino (Primeira Apologia, LXVII, 1-6), que reforça a ideia de Atos dos Apóstolos (At 2,44), e afirma que os cristãos devem estar disponíveis para ajudar a todos, colocando seus bens em comum uns com outros para construir uma sociedade melhor. E o Papa reforçou que em nosso meio isso é possível, pois quando estourou a guerra, famílias fugiam e encontravam refúgio com outras famílias que, em meio às dificuldades, abriam suas portas com generosidade e solidariedade.
Como afirma o Papa: “A solidariedade é precisamente partilhar o pouco que temos com quantos nada têm, para que ninguém sofra”. Achamos isso de uma profundidade evangélica enorme, pois somos chamados a partilhar o que temos, não o que nos sobra. Jesus já nos alertava quando ensinou que devemos convidar para uma festa aqueles que não podem nos retribuir (Lc 14, 12-14). E esquecemos disso, e Francisco quer nos relembrar que isso é o Evangelho e não podemos perder isso de vista, esse compromisso com os mais desfavorecidos.
Quer nos lembrar, prestem atenção, não quer nos forçar. Precisa ser uma disposição pessoal nossa, por isso é importante estar intimamente em contato com Jesus e suas palavras libertadoras. Fazemos memória a Dom Pedro Casaldáliga, quando esse diz que na “maternidade de Maria, Deus se fez homem. E na paternidade de José, Deus se fez classe”. Por isso Pedro e Paulo, de um lado um operário, pobre, de outro um homem bem de vida a serviço da elite, e quando se encontram profundamente com Jesus se tornam classe, se tornam massa, se tornam fermento, se preocupam com os pobres, pois conheceram a pobreza.
E conhecereis a pobreza e ela vos libertará, pois existe uma pobreza que liberta e outra aprisiona. A segunda é, como diz o Papa: “a miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos. É a pobreza desesperada, sem futuro, porque é imposta pela cultura do descarte que não oferece perspectivas nem vias de saída. É a miséria que, enquanto constringe à condição de extrema indigência, afeta também a dimensão espiritual, que, apesar de muitas vezes ser transcurada, não é por isso que deixa de existir ou de contar”. E existe a pobreza que liberta: “é aquela que se nos apresenta como uma opção responsável para alijar da estiva quanto há de supérfluo e apostar no essencial”.
O nosso essencial é Cristo e Ele deve ser o nosso foco, pois através d’Ele olharemos o mundo e seremos capazes de entender que essas situações de miséria nunca foram a vontade de Deus. A pobreza de Jesus que nos torna rico, como enfatiza o Papa, é o amor. Esse amor que vai ser capaz de nos transformar, e nós transformarmos o mundo num lugar melhor para as futuras gerações. Por isso o Papa diz: “No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através dum envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém”, a teoria é linda, e existem várias, mas é preciso ação, isto é, mostrar ao mundo o que é ser cristão, trabalhar para a construção de uma sociedade justa e fraterna.
E, por falar em “fraterna”, o Papa cita um grande homem, Irmão Charles de Foucauld, esse encontrou Jesus nos pobres oprimidos. A radicalidade de Charles foi encontrar Jesus escondido em Nazaré e não a vista de todos, mas na simplicidade evangélica. E conseguiu, foi canonizado por Francisco e tem muito a nos ensinar sobre ser pobre com os pobres, a sermos fermento na massa.
Para isso, precisamos sair de nós mesmos, assim como Jesus saiu do Pai e veio morar numa favela para nos ensinar. Não é fácil, mas podemos seguir o exemplo de Irmão Charles e deixar tudo que temos para seguir Jesus, a mesma resposta que Ele, Jesus, deu ao jovem rico, dará a nós: “Vende tudo que tu tens e dá aos pobres” (Mc 10, 17-30). Serve para um mundo onde o dinheiro se tornou um deus, o Mestre de Nazaré já alertava: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). Não é servir a Deus e ao diabo, mas ao dinheiro. Jesus sabia o que estava acontecendo naquele tempo, as pessoas colocavam o lucro acima da humanidade, e isso acontece hoje.
Não podemos nos conformar com as injustiças e com este sistema capitalista aos moldes de Charles Darwin, isto é, a sobrevivência dos mais ricos (capitalismo darwiniano), enquanto os pobres morrem de fome. O dia mundial dos pobres vem para denunciar esses sistemas de miséria e morte, e que a exemplo de Irmão Carlos possamos lutar contra tudo que coopera para o luto do mundo e construir o Reino de Deus, uma sociedade onde imperam o amor e a paz. Urge o momento em que precisaremos enfrentar o dragão do ódio, como nos recordou o bispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes. Lutemos, sem jamais desanimar, virá o tempo da alegria, e os humilhados serão exaltados.
São Charles de Foucauld, nosso irmão universal, rogai por nós.
[1] Acesse aqui a mensagem do papa Francisco para o Dia Mundial dos Pobres 2022.
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Dia mundial dos pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU