15 Outubro 2022
Apesar das dificuldades e das limitações mencionadas, o caminho percorrido pela teologia moral, a partir do Concílio, certamente foi positivo. Deve-se reconhecer que ela adquiriu uma identidade teológica específica, saindo das amarras do passado e recuperando a dignidade que havia perdido.
A opinião é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas, em artigo publicado na revista Rocca, n. 20, 15-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nascida no início da modernidade como disciplina autônoma, a teologia moral sempre foi considerada (e não erroneamente) uma disciplina teológica de segunda categoria, com um caráter de “ciência dos confessores”, destinada à administração da penitência privada. A confissão acabava a identificando com uma casuística na qual o que importava era a circunscrição dos pecados e de sua gravidade, também em vista da administração da satisfação (ou penitência).
Além de algumas referências iniciais, totalmente formais, à Sagrada Escritura, o desenvolvimento dos vários tratados de moral geral e especial recorria ao direito canônico como instrumento idôneo para configurar sua estrutura de sustentação; enquanto o esquema expositivo adotado – o dos mandamentos do Decálogo – conferia-lhe uma perspectiva negativa, baseada no máximo em uma ética natural, mas bem distante da proposta evangélica.
Do fim do século XIX até a primeira metade do século XX, não faltaram vozes críticas contra tal visão, e foram se desenvolvendo tentativas de reforma de grande relevância, que mais tarde tiveram sua expressão oficial nos documentos do Vaticano II, que determinaram uma virada decisiva para a teologia moral, tanto no plano epistemológico quanto no dos conteúdos.
A proposta formulada pelo Concílio é de uma verdadeira e radical renovação da teologia moral, com a referência à exigência de abrir espaço para três direções fundamentais: uma rigorosa fundamentação bíblica, um sólido aparato científico – pensemos na importância a ser atribuída à filosofia e às ciências humanas – e, por último, uma visão positiva da proposta cristã com o enraizamento no evento-pessoa de Jesus de Nazaré e a assunção da caridade como critério de avaliação e de orientação da conduta humana (cf. Optatam totius, n. 16).
O caminho pós-conciliar foi lento e não sem obstáculos: tratava-se de sair de uma tradição consolidada, reconstruindo o tecido de uma disciplina que exigia uma refundação radical e a adoção de novas categorias interpretativas. Na realidade – para permanecer na Itália – não faltou a vontade de levar a sério o compromisso de renovação com o nascimento de uma associação específica, a Atism (Associação Teológica Italiana para o Estudo da Moral), destinada à atualização dos teólogos morais e à pesquisa, assim como com o lançamento de algumas iniciativas editoriais: do “Dizionario di teologia morale”, organizado por Leandro Rossi e Ambrogio Valsecchi (Edizioni Paoline, 1973), aos fascículos dedicados às várias áreas temáticas da ética, abordadas por autores diversos, com a objetivo de dar origem a uma forma embrionária de manual a várias vozes, promovido pelas Edizioni Dehoniane de Bolonha, até a publicação, também pelas Edizioni Dehoniane, da Rivista di Teologia Morale.
Desde o início, não foram poucas as dificuldades ao desenvolvimento desse caminho. As rápidas e profundas mudanças em curso provocadas pela evolução do contexto sociocultural – o fenômeno da secularização foi decisivo nesse sentido – e pelo progresso científico-tecnológico nos vários âmbitos da atividade humana se refletiam (e não podiam deixar de se refletir) na definição dos costumes e dos estilos de vida. A questão moral era chamada a enfrentar questões delicadas e complexas, que tornavam árdua a possibilidade de oferecer respostas unívocas adequadas.
O esforço de dialogar com o mundo em um debate aberto e construtivo – o Concílio havia aberto esse caminho – esbarrava em muitos obstáculos, devidos, por um lado, à afirmação do “pensamento radical”: por outro, às posições assumidas nesse meio tempo pelo magistério. Em relação ao primeiro aspecto – o do pensamento radical – quem abria caminho era o abandono de uma perspectiva ético-valorativa para se confiar em uma perspectiva utilitarista, que assumia como critérios de avaliação da conduta humana o individualismo (vale aquilo que é válido para mim) e a lógica do desejo (vale para mim aquilo de que eu gosto), redimensionando, desse modo, o papel da pesquisa teológico-moral e empurrando, por reação, a hierarquia eclesiástica a intervenções cada vez mais rígidas, pelo temor do avanço de uma situação incontrolável.
Nesse sentido, foi emblemática a publicação em agosto de 1968 da encíclica Humanae vitae, de Paulo VI; encíclica que determinou uma forte tensão conflituosa entre o magistério e a teologia moral, com profundas dilacerações no tecido eclesial.
Mas a maior dificuldade era causada principalmente pelo surgimento de novas áreas de interesse, com questões geradas pelo desenvolvimento tecnológico em diversos campos da experiência humana: do campo da atividade biomédica ao da comunicação, do campo ecológico ao da robótica. Os critérios tradicionais de abordagem logo se mostraram incapazes de abordar o surgimento de pontos nodais complexos, que impunham a adoção de uma nova metodologia.
De fato, não se tratava apenas de uma ampliação em termos quantitativos do âmbito da reflexão moral, mas também de um verdadeiro salto qualitativo. As problemáticas emergentes – basta pensar na área da bioética – implicavam um trabalho interdisciplinar, no qual era preciso fazer convergir competências diferentes na busca de soluções de mediação, voltadas à busca do “bem possível” (ou do mal menor) e com uma flexibilidade capaz de enfrentar o ritmo acelerado das mudanças em curso.
Apesar das dificuldades e das limitações mencionadas, o caminho percorrido pela teologia moral, a partir do Concílio, certamente foi positivo. Deve-se reconhecer que ela adquiriu uma identidade teológica específica, saindo das amarras do passado e recuperando a dignidade que havia perdido.
Por outro lado, enquanto isso, cresceu a sua importância, devido às mudanças em curso, que não só modificavam as estruturas externas da convivência, mas também investiam mais profundamente sobre a consciência, a ponto de determinar uma verdadeira mutação antropológica. As intervenções ativadas nos diversos campos do agir humano, de fato, abriam, por um lado, novas perspectivas de crescimento, mas tinham (e não podiam deixar de ter), por outro, fortes repercussões negativas sobre a vida dos indivíduos e da espécie.
Basta lembrar aqui as manipulações genéticas com o risco de alterar a identidade biológica do humano; o uso das mídias sociais com a criação de normas de grave dependência e com a possibilidade de mortificação da verdade; a crise ecológica com a produção de níveis de poluição incontroláveis e a subtração do ser humano (em particular das gerações futuras) de energias fundamentais para o desenvolvimento da vida; e, por fim, a robótica, com a substituição de algumas atividades humanas por obra da máquina e com o risco da atrofia de algumas faculdades do ser humano, como a memória e a atividade cognitiva.
O necessário (e constante) discernimento exigido por essa situação ambivalente exige o cultivo de uma série de atitudes, entre as quais ocupam um lugar de primeira ordem o exercício da responsabilidade em todos os setores, privados e públicos, da existência e o desenvolvimento de uma abertura criativa ao novo, que permita identificar perspectivas humanizantes.
No primeiro caso – o exercício da responsabilidade – a teologia moral adquiriu, graças também ao debate com o pensamento filosófico e com as ciências humanas, importantes instrumentos para uma correta abordagem da realidade com a possibilidade de formular juízos bem fundamentados, visando ao bem da humanidade presente e futura. O exercício dessa tarefa envolve a adoção de uma criteriologia que intervenha nos processos individuais, medindo, de vez em quando, suas consequências positivas e negativas, e pondo em prática as suas escolhas à luz de tal análise.
Não faltam graves dificuldades para a formulação de tal juízo, devido à pré-existência de processos manipulativos radicais – como os mencionados – que interagem com os novos processos desencadeados, dando origem a consequências nem sempre previstas e imprevisíveis, que às vezes fazem com que a balança penda na direção oposta.
Tudo isso se traduz na dificuldade de controle do sistema. Uma situação que torna necessária a segunda atitude, a abertura criativa – uma vigilância constante, que permita interromper ou modificar o processo ativado. Por esse motivo, não devem ser desencadeados processos irreversíveis, adotando soluções que levem em consideração a ampla gama de reivindicações perseguidas e façam as contas com a especificidade de cada situação, nunca totalmente homologável e repetível.
Para além da análise científica, absolutamente necessária, quem exerce uma função importante na tomada de tais decisões é, então, a capacidade de encontrar, por meio da intuição pessoal, respostas que saibam valorizar o valor positivo do progresso, sem esquecer de avaliar seus possíveis riscos.
A plena apropriação do princípio da responsabilidade – para muitos, a ética se identifica hoje com esse princípio – e a aquisição de uma atitude criativa que saiba responder às perguntas sempre novas que emergem do atual contexto sociocultural são, em última instância, as condições para o desenvolvimento de uma disciplina teológica que se reveste – como já foi mencionado – de uma importância fundamental para a busca de soluções humanizantes para questões particularmente delicadas, das quais dependem o presente e o futuro da humanidade.
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Teologia moral: quais perspectivas? Artigo de Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU