24 Agosto 2022
Jorge Riechmann (Madrid, 1962), professor de filosofia moral da Universidade Autônoma de Madrid, ensaísta e poeta, dedicou sua extensa obra para analisar a dimensão da crise ecológica. Suas reflexões estão reunidas em livros como Otro fin del mundo es posible, Informe a la Subcomisión de Cuaternario e Ecosocialismo descalzo. Ele mesmo confessa que atravessou uma “ecodepressão”.
A entrevista é de Antonio Cerrillo, publicada por La Vanguardia, 22-08-2022. A tradução é do Cepat.
Você dará importância às medidas propostas pelo Governo [espanhol] para reduzir o consumo de energia?
Como não! São medidas de economia insuficientes e que chegam tarde, mas isto é melhor do que nada. Para poder continuar vivendo em uma Terra habitável, precisamos reduzir drasticamente nosso uso de energia no Norte global.
Toma medidas nesse sentido?
Medidas pessoais, sim. Não tenho carro, nunca tive, parei de comer carne em 1993, parei de voar em 2015 e antes nunca voei em distâncias curtas. Uso poucos aparelhos eletrodomésticos, nada de televisão, nem ar-condicionado. Meu fornecimento de energia elétrica vem da cooperativa Som Energia, que fomenta fontes renováveis.
Você sente ecoansiedade ou culpa, no atual momento?
Vivi minha “ecodepressão” em 2013-2014. Foi quando cheguei à conclusão de que não seríamos capazes de evitar a cadeia de desastres que podemos chamar de colapso. Hoje, tenho um forte sentimento não de ecoansiedade, mas de pesar, e de alguma culpa, porque os movimentos ambientalistas, com os quais me identifico, não foram capazes de cumprir nossa “missão histórica”: a guinada para a sustentabilidade não aconteceu e, nos anos 1970-1980, perdemos para o impulso do capitalismo neoliberal. Isso foi uma tragédia para a humanidade (e para toda a vida no planeta) e nos coloca diante do abismo em que estamos agora.
Como você definiria essa situação? Estamos enfrentando as consequências do fim do petróleo barato?
Há duas verdades que, mais do que incômodas - diz referindo-se à expressão “an inconvenient truth”, que Al Gore cunhou -, são inaceitáveis na visão que predomina no mundo. Mas se não nos responsabilizarmos pela realidade, estamos perdidos.
A primeira é que o aquecimento global, sendo mais apropriado falar em tragédia climática, não significa alguns incômodos a mais para a nossa vida cotidiana, como um pouco mais de calor no verão, ter um pouco menos de água do que costumávamos. O que está em jogo são sociedades inviáveis, em uma Terra inabitável. E a segunda é que a crise energética não tem solução que não implique viver usando muito menos energia, o que significa algum tipo de empobrecimento.
Não aceitamos que boa parte do que chamamos de “progresso” e “desenvolvimento”, nos últimos dois séculos, deve-se em boa parte à excepcionalidade histórica dos combustíveis fósseis e à assombrosa superabundância energética que nos proporcionaram.
E defende em seus livros consumir menos e distribuir melhor.
No nível atual de consumo da Espanha, com as enormes desigualdades e a violenta fratura social existente, o planeta não poderia suportar mais do que 2,4 bilhões de habitantes, e já somos 8 bilhões!
Há quem diga que as restrições impostas são uma coerção à liberdade individual. Você fala da necessidade de formas de vida mais igualitárias e cooperativas. E citando Jackson, diz que em um mundo com limites, determinadas liberdades são imorais. Os liberais, suponho, responderiam que em um mundo livre certas limitações são imorais...
Liberdade não pode significar licença para danificar, destruir, porque os outros existem. Isso é elementar. É a primeira coisa que ensinamos às crianças, e o fato disto ser questionado nos dá a medida da tremenda infantilização que nossa sociedade sofre hoje. O liberalismo clássico, o de um John Stuart Mill, por exemplo, tinha clareza sobre os limites que o “princípio do dano” impunha.
“Ecologizar a economia e a sociedade não é apenas apertarmos os cintos. Pode nos ajudar a viver melhor.” Você acredita nisso?
Sim, se formos capazes de mudar os desvalores que hoje prevalecem, como a competitividade, o individualismo, a ganância, o imediatismo... Dou um exemplo: segundo algumas pesquisas, sete em cada dez espanhóis gostam de cozinhar, mas apenas uma em cada dez pessoas tem tempo para isto. É assim que o capitalismo nos expropria do tempo de nossa existência!
Alguns falam de uma corrente de opinião colapsista. Mas, independentemente de ser ou não um termo pejorativo, avalia que o ambientalismo ficou aquém no diagnóstico sobre os limites do planeta e da crise?
Sem dúvida, sim, uma parte do ambientalismo ficou aquém: a que segue apegada a noções como “desenvolvimento sustentável” e não toma distância em relação ao “capitalismo verde”. Aquele ambientalismo que Arne Naess, já no início dos anos 1970, chamava de “superficial”.
Certas correntes, que também se consideram ambientalistas, sustentam que um modelo energético 100% renovável não é possível por causa da falta de recursos minerais. Esta tese não leva a certo imobilismo...?
De forma alguma. Precisamos de uma rápida transição para um modelo 100% renovável, mas o que esse ambientalismo destaca com prudência, a partir de pesquisadoras como Alicia Valero ou Antonio Turiel, é que esse modelo novo, renovável, só poderá fornecer uma fração da energia que estamos usando agora e nos parece normal. Temos que viver com menos e viver de outra forma, e isso coloca sobre a mesa, com muita força, as questões de redistribuição e igualdade social.
Em seu livro ‘El socialismo puede llegar sólo en bicicleta’ (nova edição atualizada, 2021), você diz que a causa fundamental da crise ecológica é a submissão da natureza aos imperativos de valorização do capital...
Sim. São os imperativos da acumulação de capital, traduzidos na tríade extrativismo, produtivismo e consumismo, que levam as sociedades industriais a colidir com os limites biofísicos e ultrapassá-los.
Para você, quais dados ilustram melhor a superação ou transposição dos limites planetários?
O que vemos com mais clareza é o aquecimento global, mas, a longo prazo, pior ainda é o rompimento da teia da vida, o colapso de ecossistemas, de espécies, de populações de seres vivos que estamos causando e que se chama Sexta Grande Extinção.
Um fato que provém de uma pesquisa que ficou conhecida neste verão: hoje, a água da chuva não é mais potável em lugar algum do mundo por conter altos níveis de compostos químicos perfluorados e polifluorados (PFA), substâncias químicas que são cancerígenas, hepatotóxicas, imunotóxicas e tóxicas para a reprodução, o desenvolvimento e o comportamento.
E escreve: “A cultura capitalista é um grito de guerra contra os limites.”
O capitalismo é a civilização da hybris. Sua dinâmica leva à destruição de qualquer tipo de barreira que apresente obstáculos à geração de lucros e acumulação de capital.
O crescimento não serve mais para medir o progresso e o bem-estar?
Há muito tempo, nos países centrais do sistema, o crescimento se tornou antieconômico: os aspectos destrutivos prevalecem amplamente sobre os construtivos. Por isso, precisamos decrescer...
Também aponta que nossa narrativa cultural, predominantemente orientada para o crescimento, precisa ser reescrita. Como?
A questão de fundo é substituir o desejo de dominação da Natureza e de outros seres humanos por valores de cooperação e simbiose. Por isso, parece-me tão importante, sem ir muito longe, o trabalho da grande bióloga estadunidense Lynn Margulis, que nos ajuda a nos ver como holobiontes em um planeta simbiótico.
Você confessa sua grande admiração pelo filósofo Manuel Sacristán. Qual é o seu valor hoje?
Foi um mestre que antecipou muitas das questões que nos preocupam hoje, apesar de sua morte prematura em 1985. E desenhou o ideário do que mais tarde chamamos de ecossocialismo. Sacristán viu antes, viu mais longe e viu com maior acuidade do que seus contemporâneos.
Marx era um ambientalista?
Não chegou a tanto, mas, sim, analisou a fundo vários aspectos da destrutividade capitalista, teve algumas brilhantes intuições ecológicas e introduziu algumas noções-chave para a nossa compreensão atual da crise ecossocial, sobretudo as de metabolismo e fratura metabólica.
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“Nos países centrais do sistema, o crescimento se tornou antieconômico.” Entrevista com Jorge Riechmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU