Força-tarefa resgata mais de 300 pessoas do trabalho escravo – 26 no Rio Grande do Sul

Em Serafina Corrêa, os procuradores encontraram 26 pessoas submetidas a trabalho escravo no recolhimento de aves vivas nas granjas e fazendas fornecedoras de um frigorífico da região (Foto: MPTRS/Divulgação)

01 Agosto 2022

 

Operação Resgate, com participação do MPT e de outros órgãos federais, foi realizada ao longo de todo o mês de julho em 23 unidades da federação.

 

A reportagem é publicada por ExtraClasse, 29-07-2022.

 

Força-tarefa integrada pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério do Trabalho, Defensoria Pública e Polícia Federal executou 105 ações contra o trabalho escravo em 23 unidades da Federação em julho.

 

A maior ação conjunta com foco no combate ao trabalho análogo ao escravo e tráfico de pessoas no país começou a partir do dia 4 de julho e foi alternada entre vários estados ao longo do mês para resgatar 337 trabalhadores submetidos às modernas formas de escravidão laboral.

 

Em janeiro de 2021, a primeira edição da Operação Resgate terminou com um total de 136 resgatados. Os resultados foram anunciados na quinta-feira, 28, no Auditório do Conselho Superior do MPF, na Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Quase 50 equipes de fiscalização estiveram diretamente envolvidas nas inspeções.

 

Gado, café e trabalho escravo

 

Goiás e Minas Gerais foram os estados com mais pessoas resgatadas na operação conjunta. As atividades econômicas com maior quantidade de resgate no meio rural foram serviços de colheita em geral, cultivo de café e criação de bovinos para corte.

 

No meio urbano, chamaram a atenção os resgates ocorridos em uma clínica de reabilitação de dependentes químicos e os casos de trabalho doméstico. Seis trabalhadoras domésticas foram resgatadas em cinco estados.

 

Foram resgatadas, ainda, de condições análogas à escravidão, cinco crianças e adolescentes e quatro migrantes de nacionalidade paraguaia e venezuelana.

 

Pelo menos 149 dos resgatados na Operação Resgate II foram também vítimas de tráfico de pessoas.

 

No RS, 26 trabalhadores escravizado

 

No estado, a operação foi responsável pelo resgate de 26 homens que foram ludibriados com a proposta de emprego em Serafina Corrêa para atuar na apanha de frangos, serviço de recolhimento de aves vivas nas granjas e fazendas fornecedoras de um frigorífico da região.

 

Os resgatados eram todos homens adultos, a maioria oriunda de outros Estados da Federação, tais como Bahia, São Paulo e Paraná, como o ex-metalúrgico. Havia também entre os trabalhadores dois paraguaios.

 

A operação teve início no dia 11 de julho, visando um grupo de empresas prestadoras de serviços de um frigorífico da região.

 

Três equipes, compostas de procuradores do trabalho, auditores-fiscais do trabalho, defensor público da união, oficiais de justiça e agentes da polícia federal cumpriram mandados de busca e apreensão em locais diferentes: no escritório da empresa e em um mercado, além da inspeção dos alojamentos.

 

Seguindo o ônibus que levava parte dos trabalhadores para a execução do serviço, à noite, a força-tarefa foi também até uma granja no interior de Marau, onde flagrou as condições irregulares de trabalho. Após a identificação dos trabalhadores envolvidos na atividade, foi efetuado o resgate.

 

Alojamento improvisado sequer tinha vidros nas janelas (Foto: MPTRS/Divulgação)

 

Pelo MPT-RS, participaram os procuradores Franciele D’Ambros, da PTM de Uruguaiana, e Lucas Santos Fernandes, da PTM de Pelotas e coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete).

 

Segundo o que foi apurado na operação, os 26 homens eram aliciados para assumirem o trabalho com promessas enganosas.

 

Ao chegarem ao Rio Grande do Sul, descobriam que o valor da passagem que os havia trazido de seus estados de origem seria descontado de seus salários, bem como o aluguel do alojamento, consistente em cômodos que comportavam em torno de três trabalhadores, em condições inapropriadas, sem móveis suficientes para todos, sem roupa de cama, com fiação elétrica exposta e existência de mofo.

 

A alimentação era fornecida por meio de vale-compras, os quais eram aceitos em um único mercado da cidade.

 

“Tudo era pago pelo funcionário, de alimentação, alojamento e despesas adicionais. Foi dito no anúncio que seria por conta do empregador. Quando chegamos no RS, não era. A princípio ele pagava o valor, mas descontava em folha de pagamento todas essas despesas. Como só podíamos comprar num supermercado, os preços eram muito altos, como R$ 16 por uma lata de óleo”, relatou o resgatado.

 

“A situação dos dois trabalhadores paraguaios era ainda pior do que a dos demais. Além de estarem em situação irregular no país, eles estavam alojados em uma casa sem água quente para o banho, sem vidros em algumas janelas, inclusive no banheiro, onde também não havia porta, em uma localidade que registra baixas temperaturas nesta época do ano” – relata a procuradora Franciele D’Ambros.

 

Trabalho extenuante

 

Além das péssimas condições de alojamento e dos descontos que praticamente deixavam pouco ou quase nada a receber, os trabalhadores eram também submetidos a uma carga estafante de um trabalho particularmente pesado.

 

“A gente trabalha no turno da noite, sem adicional noturno e sem o custeio do deslocamento, que era por micro-ônibus. Houve dia em que a gente saiu 15h30min, fizemos oito cargas de oito caminhões, cerca de 40 mil frangos, e com os deslocamentos entre as granjas voltamos pro alojamento só às 13h do dia seguinte, e isso tendo que voltar às 18h30min pra começar tudo de novo”, contou o trabalhador resgatado.

 

Além disso, as atividades eram realizadas sem todos os equipamentos de proteção individual (EPI) necessários, sendo que o próprio uniforme de trabalho, incluindo botas, também era cobrado dos trabalhadores.

 

“E isso em uma atividade particularmente insalubre. O acúmulo do esterco das galinhas é gerador de gases, tais como o enxofre, além de outras poeiras decorrentes da movimentação dos animais, não havendo o fornecimento de máscaras, por exemplo”, conta Franciele D’Ambros.

 

Perfil

 

No caso do Rio Grande do Sul, os resultados da Operação Resgate refletem um perfil já identificado do trabalho escravo contemporâneo ocorrido no Estado: normalmente em áreas rurais, em atividades econômicas ligadas à produção de alimentos em larga escala e tendo como vítimas normalmente trabalhadores migrantes oriundos de outros Estados e até mesmo do Exterior.

 

“Apesar da crise, ainda há uma imagem do Rio Grande do Sul como uma terra de oportunidades para o trabalho, principalmente o rural, o que leva muitos trabalhadores de outros Estados a tentarem uma oportunidade por estarem desesperadamente necessitados de trabalho. A crise, assim, torna muitos particularmente vulneráveis a armadilhas que os levam a condições degradantes de trabalho”, afirma o procurador Lucas Santos Fernandes.

 

Uma tendência de aumento de casos tem sido verificada. De acordo com dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência (SIT), em 2021 haviam sido resgatados 76 trabalhadores ao longo de todo o ano. Com os novos casos registrados nesta operação, já são 140 apenas neste ano.

 

Pós-resgate

 

Após o resgate, em atuação conjunta do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública da União, foi firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o proprietário da empresa fiscalizada – o mesmo empresário era responsável por quatro empresas prestadoras de serviços de apanha. O TAC estabelece para todo o grupo econômico obrigações de fazer e de não fazer com vistas à regularização das contratações, a impedir a continuidade dos descontos ilegais e à manutenção de alojamentos em condições adequadas.

 

O termo também impôs ao compromissário o pagamento total de R$ 92.258,26 em verbas rescisórias para os trabalhadores, referentes ao período trabalhado e aos descontos e outros R$ 114 mil a título de danos morais individuais – cada trabalhador recebeu como dano moral entre R$ 4 mil e R$ 6 mil (o ex-metalúrgico recebeu R$ 4 mil).

 

Além do resgate dos trabalhadores, a ação conjunta dos órgãos federais tem como objetivo a verificação do cumprimento das regras de proteção ao trabalho, a coleta de provas para garantir a responsabilização criminal daqueles que lucram com a exploração e a reparação dos danos individuais e coletivos causados aos resgatados. Também foram realizadas ações fiscais e lavrados autos de infração em todo o Brasil.

 

Foi oportunizado aos 26 trabalhadores resgatados o retorno às suas cidades de origem, cujo custeio também foi realizado pelo empregador.

 

Ranking do trabalho escravo:

 

Goiás – 90 trabalhadores resgatados

Minas Gerais – 78

Acre – 37

Rondônia – 29

Rio Grande do Sul – 26

Bahia – 25

São Paulo – 20

Espírito Santo – 9

Mato Grosso do Sul – 9

Mato Grosso – 7

Piauí – 3

Paraíba – 2

Pará – 1

Pernambuco – 1

Ceará – 1

 

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