22 Julho 2022
A geógrafa e membro do Alto Conselho para o Clima (HCC), Magali Reghezza-Zitt, respondeu às perguntas de leitores e leitoras sobre como se adaptar às mudanças climáticas após a onda de calor que varreu a França.
A entrevista é publicada por Le Monde, 20-07-2022. A tradução é do Cepat.
O episódio da onda de calor que atinge a França desde quinta-feira da semana passada atingiu seu pico na segunda-feira, mas a onda de calor se deslocou para o leste do país na terça-feira, e 73 departamentos permanecem em alerta laranja. Em Gironde, dois gigantescos incêndios, ainda não controlados, já queimaram 19 mil hectares de vegetação.
O Reino Unido também está passando por uma onda de calor sem precedentes, com temperaturas que devem ultrapassar os 40°C na terça-feira. Esta onda de calor atinge também toda a Europa Ocidental, provocando também incêndios florestais na Espanha e em Portugal.
A multiplicação de eventos climáticos extremos é uma consequência direta das mudanças climáticas, segundo os cientistas, com as emissões de gases de efeito estufa aumentando em intensidade, duração e frequência.
Lucie: Qual é a solução para a excessiva pavimentação a fim de tornar as nossas grandes cidades viáveis nos próximos anos?
Existem muitas soluções de adaptação, dependendo da cidade. As ações podem, em primeiro lugar, dizer respeito aos prédios e às infraestruturas. No futuro, ou construiremos com novos materiais, inventando novas formas, novas técnicas, ou reformaremos o que já existe. No caso das construções, vamos, por exemplo, fazer isolamentos para garantir o conforto de verão da habitação. Insisto nas infraestruturas, porque elas sofrem os efeitos do calor: as rodovias, as estradas de ferro e as diversas redes que nos servem no nosso cotidiano.
Para além das ações pontuais, vamos retrabalhar a forma das cidades, a alocação de espaços a esta ou aquela atividade. As soluções baseadas na natureza devem ser privilegiadas por seus benefícios mútuos e por sua natureza reversível: fala-se muito na criação de áreas verdes, por exemplo. A ideia é partir de ações pontuais, que serão baseadas em inovações técnicas, mas também em mudanças nas práticas individuais e coletivas, para desenvolver um projeto de desenvolvimento global que aborde vários riscos ao mesmo tempo, evite a falta de adaptação (basicamente, quando as soluções são ruins a longo ou médio prazo) e que possibilite benefícios mútuos.
Assim, a criação de áreas verdes tem consequências positivas para a saúde, incluindo a saúde mental, a biodiversidade, etc. A ação sobre a habitação permite combater a pobreza energética, melhorar o conforto geral e combater as más condições de moradia.
Não há, portanto, uma solução, mas várias, que vão depender dos territórios, dos riscos a que estão expostos, dos seus recursos, das necessidades e desejos dos habitantes, do equilíbrio entre os poderes locais, das relações entre o público e o privado, da história do espaço urbano, das desigualdades existentes, etc.
Jemedemande: O ar condicionado mantém você fresco, mas também aumenta a temperatura exterior. As regras não poderiam ser mais rígidas para garantir que o ar condicionado tenha o menor impacto possível?
O ar condicionado é o exemplo típico de uma má adaptação. Devemos primeiro lembrar que em alguns casos, pelo menos por enquanto, é impossível viver sem ele. Estou pensando em hospitais e asilos. Por outro lado, quanto mais demorarmos para começar a renovação visando o conforto do verão, mais nos condenamos ao ar condicionado.
Depois, surge de fato a questão do equilíbrio entre o incentivo e a restrição. O aumento do custo da energia possivelmente terá um peso significativo no uso do ar condicionado. Podemos pensar também na pressão dos consumidores e nos riscos para a imagem de certas empresas. Meus colegas sociólogos lhe explicariam que as ações individuais, que são necessárias, também devem ser sustentadas por dimensões coletivas: informações, incentivos, às vezes coações. Indico-lhes o excelente podcast do Le Monde, Chaleur humaine, ideal para aprender nestes dias de intenso calor!
Dess6: Quais são as ações radicais a serem implementadas hoje para reverter as tendências climáticas?
A redução das emissões de gases de efeito estufa para atingir emissões líquidas zero até 2050 está agora bem definida na França pela Estratégia Nacional de Baixo Carbono (SNBC). Estamos no número dois, e o número três está chegando. Esta estratégia inclui cinco setores com metas em nível nacional. Também é missão do Conselho Superior do Clima avaliar o cumprimento das trajetórias anunciadas para cumprir os compromissos internacionais da França.
Ao mesmo tempo, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou no início deste ano a terceira parte do seu sexto relatório de avaliação. Neste relatório, as diferentes soluções são avaliadas com base na literatura científica para os diferentes gases de efeito estufa (não apenas o CO2) de origem antrópica. As questões do sequestro de carbono, da captura e da geoengenharia também são avaliadas. E os benefícios mútuos são mencionados.
Agustin: Fala-se muito sobre a adaptação às mudanças climáticas, mas isso significa que a própria batalha contra a mudança já está perdida?
Várias coisas podem ser ditas sobre isso. Em primeiro lugar, a batalha não está perdida, é até o contrário. O relatório do IPCC demonstra, com base em fatos cientificamente comprovados, que é possível conter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C. Essa é a atenuação. As soluções existem, são aplicáveis. Elas permitem, além disso, ter benefícios mútuos. Insisto, porque isso muitas vezes é esquecido.
Depois, o clima já mudou desde 1900: + 1,7°C para a França. Diante de um ambiente em mudança, com impactos cada vez mais intensos, é necessário implementar respostas para minimizar os impactos negativos. É a adaptação. Saliento que também temos de nos adaptar à erosão da biodiversidade, à poluição, às várias e diversas crises que atravessamos. No passado, os humanos eram capazes de se adaptar. Não foi sem danos (mortes, custos financeiros e ambientais, etc.).
O problema hoje é que o ritmo é muito rápido, às vezes demais. Por exemplo, os ecossistemas estão sob forte pressão. Podemos apoiar sua adaptação, mas em algum momento são levados ao limite. É por isso que temos que fazer as duas coisas: lutar para conter as mudanças climáticas dentro de limites que não ponham em risco a biodiversidade, que é para nós humanos um recurso vital (independentemente dos outros valores que possamos conceder-lhe), e desenvolver respostas para limitar o máximo possível os impactos, protegendo os mais fracos, que já são vítimas.
MB: Quais são as diferenças entre o IPCC e o HCC e, mais particularmente, quais são suas reais margens de ação?
O IPCC é uma organização intergovernamental que, portanto, reúne os Estados. Os Estados nomeiam cientistas reconhecidos em sua área, que são voluntários, e que avaliarão o estado do conhecimento com base em tudo o que foi publicado de acordo com os padrões da produção científica. O IPCC, portanto, conta com várias dezenas de milhares de artigos e publicações revisados por pares.
O IPCC não recomenda nada, não defende nada e não faz pesquisas (não é um "mega-laboratório", se preferir). Uma vez que o relatório é escrito, o resumo para os tomadores de decisão é validado palavra por palavra (sim, sim) por cada governo. Neste resumo, os governos não podem fazer acréscimos ao que não está escrito no relatório (que são milhares de páginas). Por outro lado, alguns pontos do relatório podem não aparecer lá.
O HCC é diferente. É um órgão independente (espero) com treze especialistas (cientistas em exercícios, engenheiros, etc.) que contam com um secretariado formado por analistas. O HCC avalia de forma independente (novamente, espero) a realização dos objetivos climáticos da França em termos da mitigação e adaptação (um pouco mais complicado, porque não existem objetivos tão claros quanto para a Estratégia Nacional de Baixo Carbono).
Nós acompanhamos a avaliação com recomendações. Todos os anos, apresentamos um relatório anual ao qual o governo deve responder dentro de seis meses. Também podemos pegar assuntos e sermos solicitados pelas assembleias. Nossos relatórios são públicos e nossos "webinars" são muito bons (faço a publicidade).
Sarah Py: Você não acha que a questão da água é central nesta crise climática? E o que você acha do relatório recente que observou que as chuvas na França estavam diminuindo?
A questão da água é absolutamente central. A mudança climática causada pela ação humana aumenta a variabilidade natural para os extremos úmidos e secos e é combinada com a poluição e a crise da biodiversidade. Quando falamos de recursos hídricos, devemos considerar todas essas dimensões. Nos territórios, sempre foi necessário gerir a quantidade (em relação à procura e, portanto, às necessidades e usos) e a qualidade. Devemos também olhar para o acesso ao recurso: nem todos têm acesso à mesma água em todos os lugares. A água é um recurso pelo qual devemos pagar, por exemplo.
Esquematicamente, as mudanças climáticas causadas pelos humanos aumentam a pressão sobre os territórios onde os recursos hídricos já estavam sob pressão. Ao mesmo tempo, pode haver a degradação deste recurso (em quantidade ou em qualidade) onde antes existia satisfatoriamente em relação às necessidades. Além disso, há desenvolvimentos específicos dos territórios: demografia, economia, valores individuais e coletivos, etc.
O desafio é, portanto, garantir o acesso à água em quantidade e qualidade suficientes, num contexto com maiores restrições, o que significa arbitrar e priorizar necessidades, e com as mesmas opções que para o resto: ganhar eficiência ao desenvolver usos sóbrios (e evitar desperdícios), distribuir o esforço de forma justa, proteger os vulneráveis, etc. Trata-se também de prestar atenção às desadaptações, que bloqueiam as emissões e destroem a biodiversidade ou o solo.
Em termos concretos, a questão da água é um problema antigo, já com múltiplos instrumentos: seja na prevenção de riscos, na gestão dos ambientes aquáticos, no grande ciclo da água, temos instrumentos regulatórios, jurídicos, normativos, órgãos de governança (papel das agências de bacias, papel dos comitês locais de água, SAGE, Sdage, etc.), soluções técnicas (incluindo soluções baseadas na natureza), etc., mas falta coerência e uma avaliação mais regular, que integre plenamente as mudanças climáticas.
But: Como você pode tranquilizar seus filhos angustiados com o futuro?
Eu me faço a pergunta todos os dias. Ouço a angústia dos e das estudantes, dos jovens e agora das crianças. Eu saio do meu papel como cientista para compartilhar uma opinião baseada apenas na minha experiência. Não tenho a solução milagrosa, mas tenho a impressão de que falar, colocar em palavras o que está acontecendo, propor materiais de divulgação apropriados que mostrem o estado do conhecimento e as soluções, mostrando também que nós, adultos, não cruzamos os braços, que cada um de nós tenta agir em nosso nível microscópico, sem se opor, mas mostrando que o que nos une é maior do que o que nos separa, não mentir, dizer que essa luta não está ganha, que não é e nem será fácil, mas que milhares de pessoas estão se mobilizando e agindo, bem, isso ajuda. Espero que sim, de qualquer maneira.
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Onda de calor: “Estamos vendo o desenvolvimento do climatorasteirismo: não negamos mais o problema, mas o minimizamos”. Entrevista com Magali Reghezza-Zitt - Instituto Humanitas Unisinos - IHU