08 Junho 2022
"Este Dicionário que chega à sua terceira edição recolhe a novidade que o papa Francisco traz para a teologia, a vida da Igreja e para o modo de ver os problemas éticos. A insistência do papa Francisco aponta para a misericórdia, para o discernimento e para a consciência", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro Dicionário de Teologia Moral [1].
A situação que se encontra hoje a teologia moral – sujeita a um estado de profunda evolução e ao mesmo tempo percebida como essencial para a solução dos mais graves problemas – explica a importância do Dicionário de Teologia Moral (Editora Unisinos, 2021, 1174 p.). Ele é uma reedição retrabalhada de versões anteriores que procuraram recolher a renovação pós-conciliar no âmbito da teologia moral. A primeira versão, Dizionario Enciclopedico di Teologia Morale, é de 1973, preparado por Leandro Rossi e Ambrogio Valsechi, seguida por uma edição atualizada, Nuovo Dizionario di Teologia Morale, de 1990. Em 2019, saiu a última versão retrabalhada do Dizionario di Teologia Morale, aqui apresentado em sua tradução ao português feita por Luisa Rabolini. Composto de cento e quarenta verbetes (140), este dicionário têm como objetivo: “proporcionar uma atualização séria das questões éticas na fidelidade aos dados da revelação e do magistério eclesial e com a preocupação de ativar um diálogo fecundo com a cultura contemporânea” (p. VIII). Isso porque “passados os tempos de certa rigidez na Igreja motivada e explicada pelas exigências de uma verdade moral abstrata, papa Francisco, em continuidade com suas exortações Evangelii Gaudium e Amoris Laetitia, insiste na necessidade de um sadio realismo e concretude existencial e de uma atitude espiritual de misericórdia quando se discutem questões morais. Não existem cristãos adultos em sua consciência se não souberem realizar um maduro discernimento ético diante dos desafios morais de nosso tempo” (p. XI).
Capa do livro Dicionário de Teologia Moral
(Fonte: Divulgação)
Os organizadores desta obra, Paolo Benanti, Francesco Compagnoni, Aristide Fumagalli e Giannino Piana, quatro teólogos moralistas italianos de grande renome, salientam que na elaboração desta obra procuram valorizar os critérios que a Constituição Apostólica Veritatis Gaudium indica para a indagação teológica: é necessário, segundo o papa Francisco, imprimir aos estudos aquela renovação sábia e corajosa que exige a transformação missionária de uma Igreja em saída: “um diálogo amplo não como exigência intrínseca para fazer experiência comunitária da alegria da Verdade e aprofundar o seu significado e implicações práticas”(n. 4 b). Além disso, a abordagem deve ser caracterizada por uma inter e uma transdisciplinaridade, a ser exercida “com sabedoria e criatividade à luz da Revelação” (n. 4 c) em virtude desse “princípio vital e intelectual da unidade do saber na distinção e respeito pelas suas múltiplas, conexas e convergentes expressões “ (ibid.). Esse fermento de pesquisa deve traduzir-se também numa “necessidade urgente de criar rede entre as várias instituições que, em todas as partes do mundo, cultivam e promovem os estudos eclesiásticos, ativando decididamente as oportunas sinergias também com as instituições acadêmicas dos diferentes países e com as que se inspiram nas várias tradições culturais e religiosos” (n. 4 d).
Os verbetes foram elaborados com a colaboração de mais de oitenta autores (80) autores em sua maioria italianos, que são atuantes em diversas regiões do país (entre os nove não italianos, seis são docentes em faculdades de teologia da península). Cada verbete segue este itinerário:
a) ampla ilustração da evolução histórica do tema no quadro da tradição cristã;
b) proposta de uma síntese doutrinária dos elementos de juízo solidamente adquiridos;
c) indicação das perspectivas abertas e das questões ainda não resolvidas.
Elencamos a lista dos verbetes temáticos e técnicos deste dicionário:
1) aborto (p. 1-5); 2) abuso sexual (p. 5-13), 3) amor (p. 13-20), 4) antropologia cultural (p. 20-38), 5) aprimoramento (p. 38-42), 6) ato humano (p. 42-52), 6) autonomia (p. 52-59), 7) bem comum (p. 60-67), 8) bem e mal (p. 67-77), 9) bem-estar e seguridade social (p. 77-87), 10) bioética (p. 87-100);
11) ciências humanas (p. 101-108), 12) comunicação e informação (p. 108-119), 13) consciência (p. 119-128), 14) conselhos evangélicos (p. 128-137), 15) conversão (p. 137-151), 16) convivência more uxorio (p. 151-158), 17) corpo e vida (p. 159-178), 18) decálogo (p. 179-191), 19) dependências (p. 191-199), 20) deficiência (p. 199-205);
21) Dia do Senhor (p. 205-209), 21) direito canônico (p. 209-217), 22) direitos humanos (p. 217-226), 23) discernimento (p. 226-234), 24) divertimento (p. 234-238), 25) doutrina social da igreja (p. 238-247), 26) ecologia (p. 248-253), 27) economia (p. 253-269), 28) ecumenismo (p. 269-278), 29) educação moral (p. 277-287), 30) educação sexual (p. 287-297);
31) empresa (p. 297-308), 32) engenharia genética (p. 308-314), 33) envelhecimento e morte (p. 314-322), 34) erotismo-autoerotismo (p. 322-331), 35) escândalo (p. 331-334), 36) escola (p. 334-338), 37) esporte (p. 338-343), 38) esterilização (p. 343-347), 39) estética (p. 347-356), 40) ética aplicada (p. 356-359);
41) ética das profissões (p. 360-363), 42) ética descritiva (p. 363-367), 43) ética feminina (p. 367-370), 44) ética filosófica (p. 370-380), 45) ética global (p. 380-385), 46) ética inter-religiosa (p. 385-389), 47) ética narrativa (p. 389-393), 48) ética normativa (p. 393-397), 49) ética nos negócios (p. 397-405), 50) ética ortodoxa (p. 405-409);
51) ética protestante (p. 409-412), 52) etologia comportamental (p. 412-420), 53) eutanásia (p. 421-432), 54) experiência moral (p. 432-436), 54) família (p. 437-448), 55) fidelidade e indissolubilidade (p. 448-456), 56) fortaleza (p. 456-456), 57) furto (p. 456-472), 58) geração humana (p. 474-476), 59) história da teologia moral (p. 477-503), 60) homicídio e legítima defesa (p. 504-511);
61) homossexualidade (p. 511-520), 62) honra (p. 520-524), 63) humildade (p. 524-530), 64) identidade pessoal (p. 531538), 65) identidade sexual (p. 538-545), 66) ideologia (p. 545-550), 67) justiça (p. 551-560), 68) justiça penal (p. 560-565), 69) legalidade (p. 566-576), 70) lei da gradualidade (p. 576-580);
71) lei natural (p. 580-587), 72) lei nova (p. 588-598), 73) liberdade e responsabilidade (p. 598-608), 74) magistério (p. 609-616), 75) matrimônio (p. 616-623), 76) metaética (p. 623-627), 77) metodologia (p. 627638), 78) migrações (p. 638-649), 79) ministério (p. 649-661), 80) moral do Antigo Testamento (p. 661-667);
81) moral do Novo Testamento (p. 677-691), 82) neurociências (p. 692-699), 83 norma (p. 699-708), 84) objeção e consciência (p. 709-717), 85) opção fundamental (p. 717-724), 86) oração (p. 724-731), 87) ordenamento jurídico (p. 731-741), 88) paixões (p. 742-749), 89) parênese (p. 749-753), 90) participação (p. 754-760);
91) paz (p. 760-768), 92) pecado (p. 768-779), 93) pena de morte (p. 779-786), 94) penitência (p. 787-795), 95) pesquisa e experimentação biológica (p. 795-804), 96) pobreza e riqueza (p. 804-809), 97) poder (p. 809-813), 98) política (p. 813-825), 99) pornografia (826-829), 100) prazer (p. 829-833);
101) princípios morais (p. 833-840), 102) procriação medicamente assistida (p. 840-851), 103) procriação responsável (p. 851-858), 104) promessa e juramento (p. 858-864), 105) propriedade (p. 864-869), 106) prostituição (p. 869-875),107) prudência (p. 875-885), 108) psicologia (p. 885-892), 109) publicidade e propaganda (p. 892-896), 110) pudor (p. 896-906);
111) relativismo (p. 907-911), 112) religião (p. 911- 919), 113) sacramentos (p. 920-931), 114) santificação e perfeição (p. 931-939), 115) saúde e doença (p. 939-946), 116) seguimento e imitação (p. 946-957), 117) sexualidade (p. 957-971), 118) sistemas morais (p. 971-979), 119) sistemas políticos (p. 980-986), 120) sociobiologia (p. 986-993);
121) solidariedade (p. 993-999), 122) subsidiariedade (p. 999-1004), 123) suicídio (p. 1005-1013), 124) tecnologia (p. 1014-1023), 125) tecnologia e informação (p. 1023-1031), 126) temperança (p. 1031-1039), 127) teologia moral – conteúdos essenciais (p. 1039-1048), 128) teologia moral – questões teóricas e metodológicas (p. 1049-1064), 129) trabalho (p. 1064-1076), 130) transexualidade (p. 1077-1081);
131) transplantes (p. 1081-1089), 132) tributação (p. 1089-1094), 133) valor (p. 1095-1102), 134) verdade e veracidade (p. 1102-1111), 135) violência (p. 1111-1121), 136) virgindade consagrada (p. 1121-1124), 137) virtude (p. 1124-1134), 138) virtudes teologais (p. 1134-1144), 139) vocação e estados de vida (p. 1144-1147), 140) votos (privados e religiosos) (p. 1147-1153).
São, portanto, 140 verbetes de mais de 80 autores. Ao final de cada verbete é apresentada a bibliografia utilizada pelos autores/as na elaboração como também títulos indicados por eles/as para ulteriores estudos ou reflexões por parte do leitor. Em cada tema, procurou-se realizar uma mediação equilibrada entre as exigências objetivas de uma disciplina que tem uma milenar tradição de reflexão ancestral e consolidada, e a abertura às questões mais significativas do momento histórico atual. Os organizadores consideraram oportuno reservar amplo espaço, nesse sentido, às áreas da bioética e da economia política, da tecnologia e da ética profissional, que representam um terreno de diálogo profundo entre os saberes e onde as contaminações inter e transdisciplinar se percebem como urgentes e necessárias.
O mapa conceitual que acompanha o dicionário constitui uma proposta de leitura que permitirá uma abordagem mais direta dos vários âmbitos em que a teologia moral historicamente foi se desdobrando. O leitor, partindo desse mapa e seguindo o seu percurso, que propõe os tratados que ainda hoje são objeto de estudo da disciplina, oferecendo uma articulação sistemática dos verbetes dentro de cada uma das áreas de interesse: Moral Fundamental; Moral da Vida (Bioética), Moral Sexual, Moral Social, a fim de favorecer uma abordagem integral da Teologia Moral que permita apreender em sua estrutura, reconstruir as relações entre os verbetes nas diversas áreas e aproximar-nos, desta forma, de forma orgânica aos conteúdos da proposta moral cristã. A compreensão dessas dimensões por certo dará uma deia sobre a linha de reflexão presente em seus diferentes verbetes.
Este Dicionário de Teologia Moral atende aos critérios indicados pela Veritatis gaudium do papa Francisco para a pesquisa e estudo da teologia. Quanto à originalidade e a perspectiva desenvolvida por este dicionário, Dr. José Roque Junges, na Apresentação à Edição Brasileira destaca que “nos últimos tempos, a teologia moral como metodologia volta sua reflexão sobre o humano, ou mais especificamente sobre o ato humano como ato moral, partindo do pressuposto de que toda moral trata da ação humana, sempre situada num éthos concreto e projetada para algo mais que pode ser o chamado da graça de Cristo, a interpelação do bem, dos valores, apontando para a dimensão de exterioridade e de interioridade de toda atividade moral humana. Essa constatação explica por que a teologia necessita da contribuição de todas as ciências humanas, como aparece nos diferentes verbetes que recolhem dados dessas ciências para entender a ação humana aberta à vida nova da graça. Se o conteúdo da teologia moral deve ser a vida nova em Cristo, sua matriz e sua metodologia de operacionalização devem ser o humano onde essa graça se encarna” (p. XII).
Este Dicionário que chega à sua terceira edição recolhe a novidade que o papa Francisco traz para a teologia, a vida da Igreja e para o modo de ver os problemas éticos [2]. A insistência do papa Francisco aponta para a misericórdia (na fragilidade e vulnerabilidade das ações humanas é preciso saber olhar para as ações morais sempre com misericórdia), para o discernimento (em cada situação temos que saber discernir e deliberar o que é o melhor) e para a consciência (é a consciência que tem que discernir). Esta obra enciclopédica de acordo com a sensibilidade contemporânea, portanto, em muito ajudará a repensar a Teologia Moral, uma vez que propicia esclarecimentos adequados e orientações precisas diante das complexas e inquietantes questões que afligem a consciência do ser humano neste nosso tempo.
[1] BENANTI, Paolo; COMPAGNONI, Francesco; FUMAGALLI, Aristide; PIANA, Giannino (Orgs.). Dicionário de Teologia Moral. Tradução do original italiano feita por Luisa Rabolini. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1174 p. ISBN 9786587032115
[2] JUNGES, José Roque. Misericórdia, discernimento e consciência. Um dicionário de teologia de acordo com a sensibilidade contemporânea. Entrevista com José Roque Junges (23.12.2021). Disponível aqui. Acesso em: 12 fev. 2022.
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Dicionário de Teologia Moral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU