16 Mai 2022
“A figura de Charles de Foucauld é extremamente complexa. Não pode ser simplificado em demasia porque existe o risco de banalizá-la. Mas é verdade que a fraternidade é central na sua vida e na sua espiritualidade, este seu desejo de ir ao encontro do outro, de fazer-se outro; é uma vontade louca, a dele, de se tornar irmão. Irmão de todos”. É assim que o arcebispo de Argel, Jean-Paul Vesco, resume a personalidade extraordinária - precisamente porque é fora da ordem - do irmão Charles, o santo da fraternidade, que hoje é canonizado em Roma junto com outros nove novos santos.
"Ele queria ser o irmão universal - escreve o Papa Francisco em Fratelli tutti - mas somente identificando-se com os últimos ele se tornou o irmão de todos". Sabem bem disso na Argélia, onde viveu no deserto do Grande Sul, em Beni Abbès, Tamanrasett e no Assekrem: aqui, ainda hoje, resistem alguns Pequenos Irmãos, um dos muitos ramos da família foucauldiana que nasceram inspirados em sua espiritualidade.
A reportagem é de Anna Pozzi, publicada por Avvenire, 15-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Um homem sedento de fraternidade - define-o Monsenhor Vesco, que chegou ontem a Roma com um grupo de cerca de trinta pessoas representando a pequena Igreja da Argélia -. Um homem que ardia de paixão e que carregou o Evangelho sobre si, continuando a inspirar tantos cristãos não só onde viveu, mas em todo o mundo. E hoje torna-se efetivamente um ícone da Igreja universal”.
Os tuaregues do Saara, com quem viveu a última parte da sua vida, deram-lhe o nome de "marabuto cristão", reconhecendo naquele homem tão diferente deles, de outro mundo e de outra fé, uma intensa experiência de Deus.
Ele foi certamente um homem complexo e fora do comum, um explorador do deserto e da alma.
Que viveu muitas vidas. Nascido em Estrasburgo em 15 de setembro de 1858, de uma família nobre, ingressou na academia militar, em meio a muitos excessos e pouca disciplina. Em 1880, partiu pela primeira vez para a Argélia, onde foi dispensado. Ele depois viajou para o Marrocos, disfarçado de judeu, junto com um rabino: aqui ele realizou uma série de pesquisas geográficas que lhe valeram a medalha de ouro da Société de Géographie em Paris. Foi somente ao retornar à França em 1886 que redescobriu sua fé, graças ao abade Henri Huvelin. E sua vida virou de cabeça para baixo. Para sempre. “Assim que acreditei que Deus existia - escreve - compreendi que não podia fazer outra coisa senão viver para Ele”.
Não é um homem de meias medidas, Charles de Foucauld. Durante uma peregrinação à Terra Santa, ele decidiu que devia se despojar de tudo para viver à semelhança de Jesus. Ele queria se tornar um monge trapista e entrou na abadia de Notre Dame des Neiges em Ardèche e de lá foi enviado para uma nova fundação em Akbès, na Síria. Mas mesmo a vida rigorosa de trapista não foi suficiente para ele. Regressou a Nazaré em 1897, para retomar a sua caminhada nas pegadas de Jesus, e só em 1901 foi ordenado sacerdote em Viviers, França. Enquanto isso, foi o chamado do deserto que acende sua alma novamente.
Ele sentiu fortemente que "devemos atravessar o deserto para receber a graça de Deus".
"No Saara, o irmão Charles realmente se despojou de tudo - reflete Vesco - e esse despojamento o deixou nu diante do outro, em total pobreza, na oração e na contemplação, no trabalho incansável e no testemunho de uma solidariedade fraterna com todos". Ele se instalou em Beni Abbès, onde construiu uma fraternidade e escreveu a regra dos Pequenos Irmãos do Sagrado Coração de Jesus e depois aquela das Pequenas Irmãs. São as primeiras sementes de algo que só daria frutos após sua morte. Transferiu-se depois para Tamanrasset, ainda mais ao Sul. Era 1905 e aqui começou uma nova vida, ainda mais radical, neste "lugar abandonado e de abandono".
Sozinho, dedicou-se à realização de um poderoso dicionário de francês-tuareg e à transcrição de poesias e provérbios daquele povo. A oração preencheu o resto de seus dias. Durante alguns meses transferiu-se para uma ermida no Assekrem, no maciço de Hoggar, onde, colocando-se "na solidão diante das coisas eternas - escreveu ele - sentiu-se invadido pela verdade".
"Morrer para si mesmos para que a vida se torne frutífera", lembra hoje o Irmão Ventura, um dos dois Pequenos Irmãos que continuam a viver no Assekrem: "A parábola do grão de trigo que caiu na terra acompanha o Irmão Charles durante toda a vida". É o que escrevia também ao abade Huvelin: "Devo me converter, devo morrer, como o grão de trigo que, se não morrer, fica sozinho". É uma espécie de profecia. Charles de Foucauld foi morto em 1º de dezembro de 1916 durante um assalto de saqueadores. Agora ele descansa em El Goléa, onde esta manhã, em concomitância com a canonização romana, é realizada uma cerimônia presidida pelo bispo de Constantino, Nicolas Lhernould.
“Seja qual for o meu futuro - escreveu o irmão Charles -, longo ou de um só dia, sereno ou doloroso, a tua Vontade é que seja santo”. Um santo fora de todos os esquemas.
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Charles de Foucauld. Grão de trigo no deserto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU