16 Mai 2022
No Colégio cardinalício, há apenas um terror. Chegar despreparado para a próxima Sé Vacante, como aconteceu em 2013, após a renúncia chocante de Bento XVI. Além disso, mais de nove anos depois daquele gesto que revolucionou para sempre o papado e que no futuro afetará os bispos de Roma, o Papa Emérito, aos 95 anos, vive tranquilo no Mosteiro Mater Ecclesiae. E assim alguns, mais dentro do que fora dos palácios sagrados, sentem-se legitimados a levantar a hipótese de que Joseph Ratzinger ainda poderia sentar-se no trono de Pedro se não tivesse renunciado para sempre. Uma tese desenvolvida com inteligência, graças a fontes de primeira mão, pelo jornalista do Corriere della Sera, Massimo Franco, em seu último livro intitulado Il Monastero (Solferino) e com um subtítulo muito eloquente: Bento XVI, nove anos de papado-sombra.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 15-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
As misteriosas condições de saúde de Francisco, obrigado há algumas semanas a usar cadeira de rodas mesmo para deslocamentos curtos, alimentam o debate sobre o futuro da sede mais cobiçada da Igreja em Roma. Que o pré-conclave já tenha começado e há algum tempo não deve escandalizar porque aquele do pós-Karol Wojtyla começou mais ou menos na segunda metade dos anos 1990, pouco menos de uma década antes da morte de São João Paulo II. Para demonstrar que o período pré-conclave sempre fez bem aos pontífices felizmente reinantes que viram tantos papáveis candidatos à sucessão morrer antes deles. Nisso, a Sede Vacante de 2005 é um exemplo digno de manual.
É claro que o perfil do futuro Papa não pode ignorar os perfis dos atuais 117 cardeais eleitores, ou seja, com menos de 80 anos, aos quais provavelmente terá que ser acrescentado o cardeal Angelo Becciu, atualmente acusado no processo do Vaticano sobre os investimentos financeiros da Secretaria de Estado, mas que por sua idade pode aspirar a entrar no conclave.
Nomes e perfis se sucedem como o do cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, que está na linha de frente ao lado Francisco na oferta de mediação da Santa Sé para o fim da guerra na Ucrânia.
Do secretário geral do Sínodo dos Bispos, o cardeal Mario Grech, maltês, que está sendo conhecido pelo seu trabalho na consulta sinodal de todas as dioceses, paróquias e movimentos, programada pelo Papa. Assim como despontam as figuras do arcebispo de Rabat, o cardeal Cristóbal López Romero, salesiano e espanhol, e do arcebispo de Nova York, Timothy Michael Dolan. Sem esquecer o arcebispo de Bolonha, o cardeal Matteo Maria Zuppi, figura de destaque da Comunidade de Santo Egídio fundada por Andrea Riccardi, na pole positon para a presidência da Conferência Episcopal italiana, cuja estatura e qualidades de homem de mediação e de paz são universalmente apreciadas. Um homem capaz ao mesmo tempo de levar adiante as reformas do pontificado bergogliano e de conduzir a Igreja com autoridade para fora das areias movediças em que parece ter se atolado em um confronto contínuo entre conservadores e progressistas. Uma figura nascida, como Wojtyla, das aberturas desejadas pelo Concílio Ecumênico Vaticano II.
Não faltam os nostálgicos que gostariam de um retorno anacrônico ao passado, àquele 11 de fevereiro de 2013 em que, segundo essa visão, a Igreja teria marcado, pelo menos por enquanto, seu último batimento vital. Recomeçar a partir daquele momento é o seu projeto de retomar as fileiras de um catolicismo que enxergam sem cor, irreconhecível, desfigurado, vendido às piores modas seculares do momento. Atual, no entanto, decididamente muito minoritário dentro do Colégio cardinalício e cujos expoentes, antagonistas de Bergoglio em relação aos quais guardam ressentimentos pessoais por terem sido defenestrados de maneira bastante desajeitada, certamente não podem contar com a maioria dos dois terços exigidos para a fumaça branca.
Sem esquecer, além disso, que para o pré-conclave será determinante o próximo consistório com os novos cardeais eleitores que serão nomeados por Francisco. Uma nomeação altamente aguardada, uma vez que os últimos nomeados foram anexados ao Colégio cardinalício em 28 de novembro de 2020. O futuro consistório terá também em conta a nova estrutura da Cúria Romana, visto que entrará em vigor no dia 5 de junho a Constituição Apostólica que a redesenha completamente, Praedicate Evangelium. Recentemente, Francisco já deixou claro que quer rever todos os chefes do dicastério, com inclusão também de leigos, e não se limitar a simples trocas de cadeiras.
Não por acaso, no momento em que se alimenta o pré-conclave e às vésperas da assembleia geral da CEI durante a qual será escolhido seu novo presidente, o arcebispo emérito de Cagliari, Monsenhor Giuseppe Mani, que também foi reitor do Seminário Romano, publicou um volume repleto de reflexões muito importantes. Chama-se Quello che il vescovo non deve fare (O que o bispo não deve fazer, em tradução livre) e é um termômetro interessante para realmente entender a temperatura dentro das instituições eclesiais. “É possível – pergunta Monsenhor Mani – escolher sempre os melhores para assumir a autoridade na Igreja? Há muitas objeções, inclusive aquela de que faltam personalidade. 'Por que não há mais bispos na Igreja como Ambrósio, Agostinho, Afonso?', perguntou certo dia Paulo VI a Monsenhor Pietro Rossano. 'Por que não nomeais mais bispos homens como Ambrósio, Agostinho e Afonso'. 'Talvez tenha realmente razão', concluiu Paulo VI”.
“Eu era reitor do seminário - o prelado ainda lembra no livro - e um dos meus superiores tomou uma decisão com a qual eu não concordava em nada. Não vou descrever minha situação interior para vocês. O papel que eu exercia não me permitia reações que mostrassem publicamente minha opinião, mas a oportunidade apareceu e eu aproveitei. Encontre-me com dom Giuseppe Dossetti e foi ele quem aguentou minha revolta. Deixou-me dizer tudo o que eu sentia e depois de me ouvir pacientemente, salientou ter repetido várias vezes que não era possível que em certos lugares da Igreja houvesse 'cabeças de abóbora’ daquele tipo e acrescentou:
'Veja, não acredite que aquele cabeça de abóbora seja uma exceção que conseguiu passar nas malhas da peneira, não, na Igreja todos aqueles que possuem autoridade são cabeças de abóbora. Diante do meu espanto, ele continuou: 'Uma pessoa que se faz chamar, e acreditamos sinceramente que seja, vigário de Jesus Cristo, em comparação com Cristo é menos que um cabeça de abóbora, um bispo que se considera mestre da fé, e o é, em comparação com os apóstolos é definitivamente um cabeça de abóbora e podemos continuar indefinidamente. Por quê? Porque a Igreja é uma grande experiência de pobreza. Deus escolhe as coisas ínfimas deste mundo para confundir as fortes, para que nenhuma carne se glorifique diante dele.'”
Mani também relata o comentário sobre essas afirmações feito a ele pelo padre jesuíta Paolo Dezza, que foi confessor de São Paulo VI e por vontade de São João Paulo II, que em 1991 o nomeou cardeal, foi delegado pontifício da Companhia de Jesus: “Certamente a Igreja é uma experiência de pobreza, mas para encontrar alguém melhor do que aquele para colocar como chefe de…, na Igreja era preciso pouco”. Palavras que também ressoam como uma advertência ao Colégio cardinalício.
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Papa Francisco, o pré-conclave já começou e não há porque se escandalizar. E os nomes de alguns candidatos “papáveis" já estão circulando - Instituto Humanitas Unisinos - IHU