04 Mai 2022
Em “Vita di Simone Weil”, de Simone Pétrement, publicada pela editora Adelphi, lemos que um dos desejos irreprimíveis da jovem aluna de Alain era o de experimentar a condição do operário agrícola, após as experiências realizadas na fábrica entre 1934 e 1935. Então, ela foi posta em contato com Joseph-Marie Perrin, um padre dominicano que conheceu em Marselha, em junho de 1941, e que se tornou seu pai espiritual.
O comentário é de Pasquale Di Palmo, poeta italiano, em artigo publicado no caderno Alias Domenica, do jornal Il Manifesto, 01-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Assim começou uma relação breve, mas atormentada, centrada principalmente nos argumentos referentes à fé cristã e que culminou na publicação de “Attente de Dieu”, o esplêndido livro que foi publicado postumamente em 1950, organizado pelo próprio Perrin, que reuniu as cartas e os escritos, a partir dos quais transparece a atração pela doutrina católica e, ao mesmo tempo, a repulsa por alguns aspectos históricos que marcaram a atuação da Igreja.
Reprodução das capas dos livros
Perrin colocou Weil em contato com Gustave Thibon, apelidado de “le philosophe-paysan”, que, passando por cima dos impedimentos de ordem manual, deu-lhe a oportunidade de trabalhar na sua propriedade agrícola e organizou, recorrendo aos cahiers que lhe foram deixados como herança pela amiga, o livro póstumo “La pesanteur et la grâce”, publicado pela editora Plon em 1947.
Esses testemunhos podem agora ser lidos em “Simone Weil come l’abbiamo conosciuta” [Simone Weil como a conhecemos] (174 páginas), que a editora Mimesis envia às livrarias na válida versão (não declarada) de Giuseppe Giaccio, que foi publicada pela editora Àncora em 2000.
Perrin e Thibon licenciaram o texto em 1952 junto à editora La Colombe, menos de uma década após o falecimento da autora que, devorada pela tuberculose e pela inanição, morreu como um fogo-fátuo em um hospital londrino em 1943. Trata-se de duas contribuições autônomas, muito diferentes no nível metodológico, embora em ambas seja perceptível a renúncia a qualquer tentação apologética em virtude da recuperação daquela contraposição dialética que havia caracterizado a relação interpessoal com a filósofa.
Tanto Perrin quanto Thibon se referem ao seu legado confessional, evidenciando os pontos nevrálgicos que levaram Simone Weil “ao limiar da Igreja”, sem nunca optar pela escolha crucial do batismo, abraçado talvez apenas à beira da morte, apesar de frequentar regularmente as cerimônias religiosas (são inesquecíveis os trechos das cartas dirigidas ao padre dominicano nos quais ela evoca as vertigens sentidas diante dos ritos em Assis e Solesmes) e rezar cotidianamente o Pai-Nosso em grego (leia-se a esse respeito “A proposito del Pater”).
Enquanto a intervenção de Perrin se articula de forma bastante ortodoxa, repreendendo a amiga por uma atitude maniqueísta, pouco inclinada a transigir com regras e dogmatismos de ordem eclesiástica, Thibon se concentra mais no lado especulativo, recorrendo a pensadores excepcionais como Pascal, Spinoza, Nietzsche e definindo Weil aos moldes de um Rimbaud manipulado por Claudel, um “místico em estado selvagem”.
A inspiração religiosa com a qual a autora viveu nos últimos anos derivava do interesse alimentado pelo cristianismo primitivo, contaminado por “La source greque” (outro título que foi publicado postumamente em 1953 na coleção “Espoir”, dirigida por Camus, da editora Gallimard) e o gnosticismo, assim como com o espírito do século XII, em que floresceram o estilo românico, trovadores e cátaros.
Reprodução das capas dos livros
O próprio Perrin, embora admitindo que os textos de Weil haviam sido extraídos de anotações não destinadas à publicação, afirma que o conhecimento dos cátaros não era tão aprofundado e que as especulações em âmbito doutrinal careciam de válidas argumentações teológicas, uma espécie de hybris que derivava mais de um temperamento excêntrico do que de uma sólida base cognitiva.
No “próprio coração da privação”, como afirma Thibon, a obra de Weil se configura como uma ferida incurável (vejam-se as referências ao malheur), quando a noção de “fé implícita”, presente na “Autobiografia espiritual” de “Attente de Dieu”, não coincide, segundo Perrin, com aquela de que falam os teólogos.
Mas, para além das interpretações dialéticas e dos indubitáveis méritos dos dois estudiosos, sem os quais não conheceríamos alguns dos resultados alcançados pela obra weiliana mediante a essencialidade de uma palavra que parece se cristalizar na página como um friso em uma catedral românica, a atitude de Perrin e Thibon nem sempre é compartilhável.
O dogmatismo deles força dentro de esquemas heréticos um pensamento que não queria se manifestar dentro do leito de fórmulas muito circunstanciadas como as doutrinais, principalmente pelo seu “caráter de incompletude” (Del Noce).
O sincretismo de Weil (não esqueçamos que ela havia estudado sânscrito junto com Daumal) bebe da fonte da “verdade” e do despojamento de si, modelando-se em um ascetismo que remete à concepção franciscana de caridade nos místicos medievais.
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Simone Weil, no limiar da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU