12 Abril 2022
"Entregar nossas conquistas para gringos de fora é uma especialidade brasileira, sem qualquer remorso, vendas às vezes representando uma bagatela do valor real", escreve Edelberto Behs, jornalista.
O complexo de vira-lata de brasileiros e brasileiras não se limita ao uso de palavras do inglês, tipo “sail”, “off”, “shopping”, assim como já copiamos do francês. Ele vai muito além e entra na seara de valorizar produtos estrangeiros, comparando-os com similares brasileiros, e, claro, aqueles são “muito melhores, duráveis...”, ainda mais se importados da Alemanha, do Japão, da Coreia, dos Estados Unidos.
Em 20 de outubro de 1665, relata Laurentino Gomes em “Escravidão”, uma embarcação chamava a atenção de lisboetas ao vê-la cruzar a barra do Rio Tejo. O navio “Padre Eterno” pesava 2 mil toneladas, podia receber 144 canhões e “exibia um mastro colossal, feito do tronco de uma única árvore, medindo, na base quase três metros de circunferência”.
A título de comparação, a maior embarcação inglesa, a “Sorvereign of the Seas”, pesava 1,5 mil tonelada, um quarto menos que o galeão construído inteiramente na Baía da Guanabara, num estaleiro situado na Ilha do Governador. “Essa engenharia colonial brasileira estava destinada a ser uma espécie de ‘Titanic’ do século XVII, na comparação do historiador Luiz Felipe de Alencastro”.
Pois bem, a indústria aérea transnacional brasileira, a Embraer SA, constrói aviões comerciais, executivos, agrícolas e militares, além de produzir peças aeroespaciais para companhias que recorrem às fuselagens, asas e motores da empresa em todo o mundo. Mas, assim parece, brasileiros, brasileiras, não têm orgulho do que são capazes de fazer, tanto assim que a empresa esteve a venda no governo Temer.
Entregar nossas conquistas para gringos de fora é uma especialidade brasileira, sem qualquer remorso, vendas às vezes representando uma bagatela do valor real. Foi com o empenho de pesquisadores, geólogos, engenheiros que a Petrobras alcançou reservas de petróleo no pré-sal, que nenhum empreendimento estrangeiro alcançou. E a entrega dessa epopeia para quem acena com dólares não está fora dos cálculos de governos entreguistas.
Não nos esqueçamos do ministro do Meio Ambiente, uma piada na Esplanada dos Ministérios, que tentava passar a boiada de braçada em plena pandemia do covid, enquanto a imprensa estava voltada à contagem de mortos e contaminados pela pandemia. Enquanto isso, madeira nobre partia contrabandeada em navios para o fabrico de móveis e utensílios no estrangeiro. O Brasil queima e desmata impunemente para a ocupação comercial da Amazônia.
Se olharmos no retrovisor da história, nada de novo no horizonte. Ouro e diamantes extraídos das terras tupiniquins foram parar em grande escala na Europa, ornando igrejas, palácios, moradias de ricos e famosos, mãos, braços e pescoços da fina flor da classe dominante do além mar.
“Entre 1700 e 1750, o Brasil respondeu sozinho pela metade da produção mundial de ouro. ... No total, estima-se entre oitocentas e mil toneladas o total de ouro garimpado em Minas Gerais, na Bahia, em Goiás e no Mato Grosso de 1697 até 1810. Só de Minas Gerais foram despachadas para Portugal cerca de 535 toneladas entre 1695 e 1817, no valor equivalente a cerca de 167 bilhões de reais em 2021”, contabiliza Laurentino.
Depois veio a descoberta de minas de diamantes, que o historiador Pandiá Calógeras avaliou em cerca de três milhões de quilates, “aproximadamente 615 quilos o total de diamantes extraídos no Brasil entre meados do século XVIII e começo do século XIX – incluindo pedras comercializadas legalmente e contrabandeadas”.
O que essa montanha de ouro beneficiou o país e seus habitantes? Na época, o Brasil era colônia dependente da “matriz” Portugal. Hoje o Brasil é um país livre, independente – ou assim nos fazem crer. E continuamos entregando nossas riquezas para estrangeiros. Exportamos soja para engordar porcos e vacas na China e outros países, mandamos para fora as tais “commodities”.
O Brasil é pop, como expressam orgulhosos slogans, enquanto brasileiros e brasileiras correm atrás de caminhões de lixo para encontrar algum osso de boi ou de galinha dispensado por açougueiros. E governantes expressam com o peito insuflado que esse é um país que segue políticas neoliberais, de privatizações, de exploração agrícola, mineração, e que está dando certo. Certo para uma faixa ínfima da população, para quem o Brasil sempre deu certo.
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O Brasil explorado de sempre. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU