16 Fevereiro 2022
“Vence o discurso de que vale tudo para produzir mais soja, enquanto o povo passa fome na fila do osso”, enfatiza Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Greenpeace
A reportagem é publicada por Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, 10-02-2022.
Por 301 a 150, a Câmara dos Deputados aprovou o Pacote do Veneno (PL 6299/2002), na noite desta quarta-feira (09), em menos de 4 horas de debate entre a aprovação do pedido de urgência e a votação do projeto de lei. Sem participação popular, o projeto agora segue para apreciação pelo Senado.
O projeto flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos no país e substitui o atual marco legal (Lei 7.802), vigente desde 1989. Com violação a diversos artigos da Constituição e acordos e tratados que o Brasil ratificou, o projeto prevê a liberação de agrotóxicos cancerígenos; maior poder ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), e desautorização da Anvisa e Ibama; e abre espaço para uma “indústria” de Registros Temporários.
A aprovação do PL na Câmara marca um retrocesso histórico, diante do contexto de crise econômica e de crescimento da fome pelo qual o Brasil atravessa. Mais de 116,8 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, organizado pela Rede PENSSAN.
Para Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a aprovação do Pacote do Veneno é “uma verdadeira derrota civilizatória”. E completa: “Num momento em que o mundo está buscando menos poluição, menor uso de recursos naturais, menos contaminação e emissões de produtos poluentes e tóxicos, o que fazemos aqui? O oposto: libera geral para os agrotóxicos. Vemos um grupo de supostos representantes da população decidindo algo completamente oposto ao verdadeiro desejo da sociedade. Além disso, vence o discurso de que vale tudo para produzir mais soja, enquanto o povo passa fome na fila do osso. Somos os campeões da soja e da fome. A quem interessa isso?”, questiona Tygel.
A posição da maioria das e dos parlamentares ignora dezenas instituições científicas públicas, órgãos técnicos, entidades representantes do Sistema Público de Saúde, e de organizações da sociedade civil, que se manifestaram contra o PL 6299 por meio de notas públicas ao longo dos últimos dois anos. Entre elas estão a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Nacional do Câncer (INCA), Organização das Nações Unidas (ONU), Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal e do Trabalho.
Karen Friedrich, pesquisadora da Fiocruz e membro GT Saúde e Ambiente da Abrasco, afirma que as modificações previstas no PL permitirão a liberação de agrotóxicos ainda mais danosos sejam autorizados no Brasil. “Agrotóxicos com maior risco de câncer, de problemas reprodutivos e hormonais e malformações em bebês terão mais facilidade para serem registrados. Os danos são imprevisíveis, para quem mora próximo das lavouras ou de indústrias fabricantes e principalmente para quem trabalha nesses locais”.
Para a pesquisadora, as graves consequências diante da aprovação do Projeto de Lei se somam a um cenário de desmonte das políticas de agroecologia, desestruturação dos órgãos de assistência técnica, fiscalização e vigilância em saúde.
“Seguiremos a luta no Senado, e por todos os meios possíveis para barrar este retrocesso. Não vamos desistir de construir um Brasil soberano, agroecológico, e livre de agrotóxicos e transgênicos”, garante o porta-voz da Campanha Contra os Agrotóxicos. A plataforma abaixo-assinado “Chega de Agrotóxicos” soma mais de 1,7 milhão de apoios, e segue aberta a adesões.
O PL avança em um contexto de aumento recorde de liberação de agrotóxicos durante o governo Bolsonaro, parte deles extremamente tóxicos e muitos proibidos na União Europeia. Foram mais de 1.500 novos produtos liberados desde o início da gestão, 641 apenas em 2021.
Nilto Tatto, deputado federal pelo PT-SP, enfatizou a ineficácia do aumento do uso de veneno na agricultura: “Depois de liberados mais de 1500 agrotóxicos, o curto prazo para a produção de agrotóxicos continuar aumentando”.
O parlamentar questiona quem, de fato, se beneficia do avanço do PL: “Eu pergunto para os liberais que querem aprovar, vocês querem atender aos interesses do povo brasileiro ou das grandes corporações e dos grandes latifúndios, que é quem ganha dinheiro com a agricultura brasileira? São esses grandes produtores que se apropriam de 60% do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] e utilizam na produção de soja para exportação, e não para a produção de alimentos”. Os produtores e distribuidores de veneno receberam cerca de R$ 4,2 bilhões em incentivos fiscais em 2021, por meio da Lei Kandir, de 1996.
O pedido de urgência para a votação do PL pelo plenário da Câmara partiu dos parlamentares Luiz Nishimori (PL/PR), Wellington Roberto (PL/PB), Pedro Lupion (DEM/PR), Isnaldo Bulhões Jr. (MDB/AL), Aline Sleutjes (PSL/PR), Nivaldo Albuquerque (PTB/AL), Cacá Leão (PP/BA), Efraim Filho (DEM/PB), Antonio Brito (PSD/BA), Alê Silva (PSL/MG), Vitor Hugo (PSL/GO) e Paulo Ganime (NOVO/RJ).
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Aprovação do Pacote do Veneno em votação relâmpago marca “derrota civilizatória” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU