15 Dezembro 2021
A eleição de Xiomara Castro em Honduras parece abrir um novo capítulo na polarização da América Central. A democracia se consolidará ou um novo ingrediente de incerteza está se acumulando?
O artigo é da jornalista e professora universitária Fabiola Chambi, publicado por Connectas e Jesuítas da América Latina, 09-12-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Mapa de Honduras, na América Central (Foto: Reprodução | Google Maps)
Xiomara Castro, eleita em 28 de novembro como primeira presidente da Honduras, tem uma história política particular. Casada com o ex-presidente Manuel Zelaya, foi sua primeira-dama e, depois de sua saída do poder, duas vezes candidata. Como intitulou um jornal local, a “terceira foi a vencida”, depois de 12 anos de governo conservador. Ganhou com promessas de conciliação, justiça, paz, refundação e ordem democrática em um país onde a vida cotidiana está ancorada à resignação de permanecer ou ao risco de fugir.
“Deus tarda, mas não esquece”, disse em um discurso em óbvia referência à reconquista do poder, ainda que enfatizando que governará à sua maneira e sob a consigna do “socialismo democrático”. No entanto, caem dúvidas sobre o novo governo e seu entorno familiar ligado à política.
Seu marido, Manuel Zelaya, governou de 2006 a 2009, ano em que uma aliança político-militar o tirou do governo a seis meses de concluir seu período, no qual muitos consideram um clássico golpe de Estado. Havia tentado realizar um referendo para modificar a Constituição, uma ação apontada pelos opositores como um projeto de reeleição, proibido na Carta Magna. Zelaya exerceu o poder estritamente ligado aos representantes da esquerda latino-americana, sobretudo Hugo Chávez, um antecedente que o candidato direitista do Partido Nacional, Nasry Asfura, usou contra a campanha de sua esposa.
A vitória esmagadora de Xiomara Castro do partido Libertad y Refundación (Libre), com uma participação histórica que ultrapassou os 68%, deixa sinais importantes. Segundo o advogado e analista hondurenho Raúl Pineda, “a maioria do eleitorado apoiou Xiomara Castro como forma de punição ao partido no poder e a necessidade de uma mudança política que passa necessariamente pela saída do atual governo”. E o mandato do presidente Juan Orlando Hernández, atolado na corrupção e com julgamento por tráfico de drogas nos Estados Unidos, aprofundou ainda mais a crise política e social do país centro-americano.
Para o analista Olban Valladares, Honduras vive um “alto grau de maturidade” com uma importante mudança geracional. “Os jovens hondurenhos, cerca de 600 mil novos eleitores, foram o setor populacional que causou o colapso de um dos mais importantes partidos tradicionais que, embora mantenha força no Congresso, não é suficiente”. Enquanto isso, para a socióloga feminista e integrante da plataforma Somos Muchas, Neesa Medina, “a juventude não conhecia outra coisa senão miséria, pobreza, corrupção e peculato na sociedade hondurenha. O motivo da votação é também porque o contexto se torna inviável e merecemos um país diferente daquele que temos tido nos últimos 12 anos”.
É claro que Honduras enfrenta um momento decisivo que apresenta grandes desafios: consolidar um Estado de Direito com segurança jurídica, combater a corrupção e o narcotráfico, enfrentar uma nova etapa nas relações internacionais e deter a migração.
De acordo com a Transparência Internacional, Honduras está em 157º lugar entre 180 países no índice de percepção de corrupção e foi recentemente informado que Castro anunciou uma reaproximação com as Nações Unidas para instalar a Comissão Internacional contra a Impunidade em Honduras (CICIH). Por outro lado, o Observatório Consular e de Migração de Honduras (Conmigho) informou que entre janeiro e novembro as deportações dos Estados Unidos e do México aumentaram 33,8%.
Nesse contexto adverso, reativar as relações com os Estados Unidos pode definir um novo começo. O Secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, já deu o primeiro passo em sua conta no Twitter: “Esperamos trabalhar juntos para fortalecer as instituições democráticas, promover o crescimento econômico inclusivo e combater a corrupção”.
“Biden está muito disposto a colaborar com Xiomara, algo que não aconteceu com os presidentes anteriores, mesmo com Zelaya, que não teve a aprovação de Washington”, diz o analista Valladares. Ele também afirma que a presidente eleita “não tem o tom de esquerda que eles queriam dar a ela” porque não vem de uma casa com formação política e com tendência definida. Afirmação, porém, que parece distorcida pela frase emblemática da Revolução Cubana: “Hasta la victoria siempre!”, que utilizou em seu discurso ao tomar conhecimento dos primeiros resultados da votação.
Honduras é o país com mais feminicídios da região: 4,7 por 100 mil mulheres, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). E neste ano, até 25 de novembro, morreram 321. Também é relevante que Honduras seja um dos cinco países da América Latina onde o aborto é criminalizado em qualquer circunstância. Castro propõe descriminalizar o aborto em três casos: estupro, malformação do feto ou quando a vida da mulher está em risco. “É uma alternativa de mudança em um país altamente machista”, diz a ativista Neesa Medina.
Num momento em que vários governos estão mais abertos às políticas de defesa dos direitos das mulheres, o caminho proposto por Castro pode ser uma resposta não só dentro do seu país, mas também perante a comunidade internacional.
Mas isso não será suficiente para consolidar sua governança com luzes próprias e superar obstáculos, pois há quem expresse dúvidas sobre a influência que o ex-presidente Zelaya poderia ter na tomada de decisões.
O marido da presidente eleita ficou quase à margem de sua campanha e só apareceu em circunstâncias muito específicas, enquanto negava categoricamente essas interpretações de interferência. “Acho que você deve valorizar e respeitar a Xiomara, ela é uma lutadora, eu a acompanhei, temos um casamento de 44 anos, quatro filhos, cinco netos. Falamos de uma mulher estável, com muito caráter, como servidora que há décadas tem estado na política. Tenho conseguido avançar ao lado dela justamente pela capacidade que Xiomara tem, não duvide que, a presidente é uma só, a cadeira presidencial é uma e a assinatura é uma”, disse o ex-presidente em uma entrevista ao jornal Expediente Público.
Essa declaração não convence a todos, pois permite interpretações conflitantes. O analista Pineda, por exemplo, garante que “atualmente, Xiomara Castro não é percebida como uma figura política independente de seu marido”. No entanto, aceita que “pode chegar a atuar assim caso se cerque da sua própria equipe de governo, e mantém um papel com alguma distância do ex-presidente Zelaya”.
Porém, a nova mandatária não parece muito comprometida com esse distanciamento já que seu marido será assessor presidencial. Como se fosse pouco, seu filho Héctor administrará o partido e coordenará a transição, enquanto sua filha Hortensia, a “Pichu”, será deputada e o irmão de Manuel, Carlon Zelaya, repetirá como deputado, indica o jornal El País.
Este cenário já conhecido na região, como na Nicarágua com os Ortega, ou na Venezuela com Nicolás Maduro, acendeu os alarmes dos opositores, que vem a Castro como uma figura de reposição para consolidar o retorno da esquerda. Poderia abrir um novo capítulo de polarização na América Central? É muito cedo para dizer.
Mapa da América Central (Foto: Reprodução | Google Maps)
Entretanto, os hondurenhos entregaram a Xiomara Castro suas esperanças de mudança depois de muitos anos de governos marcados pela corrupção e a indiferença às necessidades reais da população. Por isso, desde 27 de janeiro, data de posse começarão a medir sua capacidade de preencher essas expectativas. A primeira presidente de Honduras tem em suas mãos cumprir essa enorme responsabilidade sem colocar em perigo a estabilidade democrática do país.
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América Central. A esquerda reconquista o poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU