29 Setembro 2021
“A questão é muito parecida com a dos planos privados de previdência. Isso tudo revela a precariedade da saúde coletiva ser tratada por empresas privadas”, diz o economista.
A reportagem é de Eduardo Maretti, publicada por Rede Brasil Atual, 25-09-2021.
As revelações da CPI da Covid sobre a atuação da operadora de Saúde Prevent Senior dizem mais do que fazem parecer as discussões superficiais sobre o caso. Os protocolos “heredoxos” que, segundo dossiê recebido pela comissão, levaram a práticas como “tratamento paliativo” mostram o enorme custo social de a saúde ser relegada ao mercado e aos interesses privados. “Quem tem que cuidar bem da questão da Saúde dos mais velhos é o Estado, não a Prevent Senior. Isso já é uma deformação a priori. A questão é sistêmica e estrutural”, avalia o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista à RBA.
“A questão é muito parecida com a dos planos privados de previdência. Você entrega as pessoas a um grau de incertezas e critérios exclusivamente financeiros, que definem a natureza do atendimento. Isso tudo revela, antes de mais nada, a precariedade da saúde coletiva ser tratada por empresas privadas. No mundo inteiro está surgindo essa reticência, resistência e questionamento em relação aos planos privados de saúde”, acrescenta o economista.
A Prevent Senior construiu um nicho no mercado como operadora especializada no atendimento a pacientes de idade mais avançada a preços mais baixos que a concorrência. Com esse modelo de negócio, a operadora declarou em 2020 um faturamento de R$ 4,3 bilhões, 19% a mais que no ano anterior. Ampliou em quase 10% o número de clientes, passando para 540 mil, segundo dados de junho de 2021.
Para Belluzzo, antes de julgar a empresa, é preciso esperar a apuração dos fatos para se chegar a conclusões, inclusive porque a próxima oitiva da CPI é com a advogada dos ex-médicos que denunciaram a operadora. Mas o fato é que a discussão diz respeito à busca pelo lucro também nos cuidados à saúde. “Vamos esperar. Não posso fazer uma afirmação peremptória, definitiva, sobre o comportamento da Prevent Senior. Mas pelo que li e ouvi eles se utilizaram de certos remédios que não funcionam porque não querem internar o paciente. Porque o custo fica maior. A ideia era fazer tratamento preventivo para evitar internação. É muito sério.”
Belluzzo está lançando um livro, intitulado Dinheiro, cuja nota introdutória aborda um tema diretamente relacionado ao debate sobre as consequências da prática médica nas mãos do mercado. Analistas do grupo financeiro multinacional Goldman Sachs discutem tratamentos com terapia genética. Segundo esses analistas, o desenvolvimento de métodos que facilitem as curas pode ser ruim para os negócios a longo prazo. Ou seja, curar pode não ser um bom negócio.
“A pergunta que eles fazem: curar pacientes é um modelo de negócio sustentável? O que é melhor? Você ter clientes que se curam com uma injeção pela terapia genética ou ter clientes de câncer que precisam de muitos tratamentos recorrentes? Parece que o tratamento de câncer dá mais lucro”, critica Belluzzo. Em outras palavras, para o capital, o tratamento do câncer pode ser mais lucrativo do que a cura. “É inequívoco. Isso é o que diz a Goldman Sachs, claramente. Eu diria descaradamente. O tratamento dura mais tempo e o cliente tem que gastar mais dinheiro.”
Para o economista, é por tudo isso que não se pode comparar o caso da Prevent Senior com o das construtoras levadas à falência pela operação Lava Jato, causando desemprego aos milhares. “São situações muito distintas, porque no caso da Prevent Senior é a vida das pessoas que está ameaçada.”
Ele lembra ainda que, no pós-Segunda Guerra, a questão da saúde pública foi “muito bem conduzida” na Europa, pela Inglaterra, Itália, França, “todos com serviços de saúde pública muito abrangentes”. Por outro lado, nos Estados Unidos, onde o mercado governa, há muita gente desamparada “e um sem número de aposentados não consegue sobreviver direito. A saúde é uma questão pública, coletiva, assim como a previdência”, conclui Belluzzo.
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Belluzzo: ‘Quem tem que cuidar da saúde dos mais velhos é o Estado, não a Prevent Senior’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU