03 Setembro 2021
As desavenças entre o Papa e as mais altas autoridades judaicas não diminuem. Pelo contrário. A querela sobre a interpretação de uma passagem de São Paulo, lida durante uma audiência, em vez de se arrefecer está prestes a se reacender depois que o padre Antonio Spadaro, o spin doctor de Francisco, em uma reflexão publicada no Fatto Quotidiano (onde ele tem uma coluna regular) terminou por enredar ainda mais a delicada questão ao afirmar - para fazer uma síntese - que São Paulo cinzelou a "religião do coração", contrapondo-a ao judaísmo, a doutrina dos fariseus, voltada a formalidades, rigidez.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada por Il Messaggero, 02-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cortante o juízo que apareceu na Moked, a revista judaica, ponto de referência para as comunidades judaicas italianas: "requenta-se um tema caro a componentes do mundo católico que nunca conseguiram se livrar da parafernália de preconceitos do antigo antissemitismo".
Mais ainda. “Para Spadaro, uma das ‘bajulações’ por trás da qual se esconderia uma falsa visão da relação com Deus, como se o homem tivesse que se colocar em uma condição 'pura' para se voltar para Deus”. Até mesmo, segundo o jesuíta, “essas lavagens acabam apenas por nos imunizar do próprio Deus, para nos esterilizar da fé”. Spadaro apresenta sua lição concluindo que a relação transcendente com Deus "ou toca a autenticidade profunda de uma vida ou é inútil refugo devoto, trash".
O caso eclodiu em surdina após uma catequese do Papa em 11 de agosto dedicada aos escritos de São Paulo (Epístola aos Gálatas). A partir daquela reflexão papal, as autoridades do Judaísmo em Israel intervieram pedindo esclarecimentos sobre algumas declarações relacionadas à Torá. A carta foi assinada pelo Rabino Rasson Arousi, Presidente da Comissão do Grande Rabinato de Israel para o Diálogo com a mesma Comissão da Santa Sé.
Na audiência, o Papa refletia sobre o que São Paulo dizia sobre a Torá: “O Apóstolo explica aos Gálatas que, na realidade, a Aliança com Deus e a Lei Mosaica não estão ligadas de maneira indissolúvel”, e “a Lei não está na base da Aliança porque veio depois, era necessária e justa, mas antes havia a promessa, a Aliança”. “Uma argumentação como esta - acrescentou o Pontífice - derruba aqueles que sustentam que a Lei mosaica é parte constitutiva da Aliança. Não, a Aliança é primeiro, é o chamado a Abraão. A Torá, a Lei de fato, não está incluída na promessa feita a Abraão (...)”
Porque essa controvérsia inter-religiosa provavelmente corre o risco de não ser resolvida em curto prazo, o explica claramente o Rabino Riccardo di Segni em um comentário no Repubblica. Aqui está o trecho mais significativo: "Repropor em termos simplificados as antigas contraposições comporta o risco de confirmar estereótipos hostis, no caso particular aquele do Judaísmo como religião revogada e formalista, toda deveres, sem espírito, ou simples preparação, ‘pedagogia’ para a nova fé. Tratar esses temas requer atenção e avaliação das consequências. Também causam surpresas certas defesas de praxe, nas quais se chega a paradoxos”. O espectro do antissemitismo está sempre atrás da esquina.
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Papa, tensão com os judeus pela interpretação de São Paulo. “Alimenta germes antissemitas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU