21 Julho 2021
O Pe. James Martin, SJ não tem ânsia de denunciar os preconceitos contra a sua fé. Mas às vezes as pessoas vão longe demais.
A reportagem é de Emma Green, publicada em The Atlantic, 20-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No início de julho, o jornal The New York Times publicou dois artigos que aparentemente tinham pouco a ver um com o outro. Um abordava a decisão da Sociedade Entomológica dos Estados Unidos de deixar de usar os termos “mariposa-cigana” e “formiga-cigana”. O outro era sobre um novo filme do diretor Paul Verhoeven, que apresenta um caso amoroso entre duas freiras do século XVII. “Perdoe-as, padre, porque elas pecaram”, começa o artigo. “Repetidamente! Criativamente! E espere até ouvir o que elas fizeram com uma estatueta da Virgem Maria.”
“Quando eu li aquele artigo pela manhã, não conseguia acreditar no que estava lendo. Era simplesmente nojento”, disse-me o Pe. James Martin, escritor jesuíta. Ele estava falando sobre o filme, não sobre as mariposas. Ele achou impressionante que o Times cobriu com deferência uma mudança de linguagem destinada a mostrar respeito pelo povo Rom, mas também publicou uma história que se deleitava com uma cena de um filme em que um objeto sagrado católico é profanado.
“O anticatolicismo é o último preconceito aceitável”, escreveu ele no Twitter, com um link para um artigo que ele escreveu há 20 anos, examinando por que alguns estadunidenses ainda tratam os católicos com suspeita ou desprezo. O argumento dele, então e agora, é que, em círculos seculares, liberais e elitistas – como o New York Times –, é aceitável zombar do catolicismo, particularmente da ênfase da Igreja na hierarquia, no dogma e no direito canônico, e em seus ensinamentos relacionados ao sexo.
Martin é bem conhecido no mundo católico estadunidense pela sua abordagem relativamente progressista a questões que têm dividido a Igreja, incluindo a defesa de uma maior aceitação católica às pessoas LGBTQ. Como resultado, ele é um alvo frequente de ofensas por parte de muitos católicos conservadores que tendem a protestar mais ruidosamente contra o anticatolicismo, e é por isso que eu quis conversar com Martin: ele usa argumentos semelhantes aos dos seus críticos.
Estamos vivendo em uma era em que as redações jornalísticas estão revisando os seus manuais de redação para serem mais sensíveis em relação a raça, gênero e sexualidade; em que comentários irreverentes percebidos como intolerância podem custar o emprego de certas pessoas; e em que sociedades entomológicas estão vasculhando suas listas de insetos em busca de nomes pejorativos. No entanto, alguns aspectos identitários e de crença ainda parecem passíveis de zombaria.
O New York Times escreveu sobre este novo filme chamado “Benedetta” e sobre a sua estreia no Festival de Cinema de Cannes. O artigo – escrito por um repórter, não por um crítico – é muito influenciado pelo sexo entre as freiras lésbicas do filme. Aparentemente, elas usam uma estátua da Virgem Maria para fazer algo que eu não posso nem dizer em voz alta, porque você é um padre. Quando você leu isso, por que isso lhe surpreendeu como um preconceito anticatólico?
Bem, em primeiro lugar, é algo muito subjetivo. A crítica de uma pessoa é o anticatolicismo de outra. Em segundo lugar, devemos ter cuidado para não rotular todas as críticas à Igreja como anticatolicismo. A Igreja merece as suas críticas, especialmente à luz da crise dos abusos sexuais e dos escândalos financeiros, entre outras coisas. O que mais me incomodou foi o artigo, e não o filme. O fato de você ter tido dificuldade em descrever o que o artigo me dizia deveria ser uma indicação da sua ofensividade. E se ele fosse dirigido a outra religião – a algo sagrado do islamismo ou do judaísmo, que estivesse sendo usado como um brinquedo sexual – e isso fosse ridicularizado no New York Times? Para mim, pareceu um deboche desnecessário.
Por que você acha que é mais aceitável para algumas pessoas o fato de o New York Times escrever assim sobre os católicos do que, digamos, sobre os judeus ortodoxos?
Eu acho que os tropos anticatólicos são aceitos na nossa cultura por uma série de razões, de uma forma que o antissemitismo, o anti-islamismo ou mesmo a homofobia não são. O tom do artigo era: “Não é algo engraçado? Não é algo tolo? O catolicismo não é ridículo?”.
Você acha que isso ocorre porque as pessoas presumem que a Igreja Católica é poderosa, e muitos católicos nos Estados Unidos são brancos e fazem parte da maioria cultural cristã? Será que zombar de pessoas ou instituições poderosas não parece ultrapassar os limites?
Sempre vivemos em uma cultura predominantemente protestante que suspeitou do catolicismo – da infalibilidade papal, do nascimento de uma Virgem, do sacerdócio celibatário. E há uma longa história de tropos anticatólicos nos Estados Unidos. Existem muitas razões, incluindo a desconfiança na autoridade e um mal-entendido sobre o celibato e a castidade.
Vou lhe mostrar as minhas cartas, no sentido de que eu não me importo muito com um filme ou com a forma como escrevem sobre ele no New York Times. Mas este caso despertou o meu interesse porque é indiscutivelmente um exemplo dos sinais culturais ambientais que constroem uma sensação, especialmente entre alguns católicos conservadores, de que eles estão culturalmente excluídos. Você não está tipicamente nesse campo, preocupado com o modo como os católicos são oprimidos. Neste caso, você tem alguma simpatia por esse ponto de vista?
Os gritos de anticatolicismo são muito frequentes. O anticatolicismo não é nem um pouco predominante quanto o racismo, a homofobia ou o antissemitismo. Nem toda crítica à Igreja é uma ofensa à liberdade religiosa. E o New York Times não é anticatólico. Mas, de vez em quando, é importante lembrar às pessoas que o anticatolicismo não é um mito.
Eu me pergunto se há casos em que isso se tornou politicamente complicado para você. Por exemplo, quando a juíza da Suprema Corte Amy Coney Barrett estava sendo sabatinada, os senadores democratas a questionaram sobre como a sua fé católica afetaria as suas decisões em questões como o aborto. A senadora Dianne Feinstein lhe disse a célebre frase: “O dogma vive ruidosamente dentro de você”. Muitas pessoas acharam que isso era uma manifestação declarada de preconceito anticatólico – uma senadora dos Estados Unidos expressando o medo de que uma talentosa acadêmica do Direito não poderia ser uma juíza justa por causa da sua fé. Você acha que eles tinham razão?
Bem, em primeiro lugar, eu achei essa frase inerentemente engraçada. “O dogma vive ruidosamente dentro de você.” Foi algo simplesmente estranho, quase sem sentido. Mas eu acho que foi apropriado que a senadora Feinstein perguntasse: “Até que ponto as suas crenças religiosas influenciarão as suas decisões jurídicas?”. Isso não é irrazoável.
Você acha isso? Quer dizer, a Constituição diz que nenhum teste religioso deve ser exigido como qualificação para um cargo público. Um princípio fundamental do nosso país é que os estadunidenses não levem em consideração a religião quando examinam as pessoas como servidores públicos.
Eu acho que a diferença é que a juíza Barrett é conhecida como uma católica devota. Eu não acho que foi uma pergunta ofensiva. A forma como foi formulada é que foi um pouco desajeitada.
Existem outros exemplos disso. A atual vice-presidente Kamala Harris, por exemplo, questionou os juízes nomeados sobre a sua participação nos Cavaleiros de Colombo, uma organização católica masculina, supostamente porque isso indicaria algo sobre a sua justiça em questões como o aborto e a sua aptidão para servir. Eu não preciso lhe dizer nada, os membros dos Cavaleiros de Colombo são, em sua maioria, pais católicos de classe média-alta.
Eu acho que isso revela mais um mal-entendido sobre os Cavaleiros de Colombo por parte de Harris. Mas aqui está a questão: se a religião quer fazer parte da praça pública, então é razoável que a praça pública faça perguntas sobre a religião.
O que eu quero dizer é que, para alguém como você, em particular, eu acho que seria mais fácil ler um artigo do New York Times e considerá-lo desrespeitoso. Mas pode ser mais difícil para você dizer, por exemplo, que a cidade da Filadélfia estava mostrando um preconceito anticatólico quando penalizou uma agência de adoção católica por se recusar a certificar os casais LGBTQ como possíveis genitores. No entanto, esses exemplos políticos – se forem realmente preconceito anticatólico – têm mais consequências para a vida das pessoas do que um filme de Verhoeven ou um artigo do New York Times.
Mesmo as pequenas coisas, como uma crítica do New York Times, contribuem para uma atmosfera em que o catolicismo é visto como algo tolo, e acho que isso torna mais difícil para as pessoas manter conversas sobre a fé em geral. Na realidade, eu acho que as duas coisas de que você está falando estão intimamente ligadas. O debate sobre temas difíceis ligados à religião deve ser acompanhado de respeito. Você pode querer falar sobre controle de natalidade, aborto ou liberdade religiosa, mas faça isso com respeito. Se você está nadando nesta cultura do desrespeito – do deboche e da depreciação – isso torna mais difícil para as pessoas até mesmo saberem como abordar esses temas.
Você ainda acha que o anticatolicismo é o último preconceito aceitável?
Sim, eu acho. O tipo de coisas que você lê sobre os católicos nunca seria tolerado por outras religiões. A fé é tratada como uma piada. As pessoas veem a castidade e o celibato como uma negação da sexualidade e, portanto, veem isso como uma ameaça. Mas eu costumo indicar para as pessoas: “Você conhece pessoas celibatárias e castas. Você conhece pessoas solteiras. Você conhece tias e tios. Você conhece viúvas”. Ninguém acha que eles são loucos, nojentos, pedófilos ou perigosos. Mas quando uma pessoa escolhe isso livremente, de repente ela se torna uma aberração.
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Anticatolicismo: o último preconceito aceitável. Entrevista com James Martin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU