16 Junho 2021
"Parece evidente que a referência de modelo seja aquela da vida consagrada. Ela também nasce de um carisma e se dá uma forma de governo em que a dimensão democrática, o limite do mandato e o reconhecimento por parte do dicastério constroem a vontade comum de fidelidade ao fundador e de serviço à Igreja", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 15-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tempos precisos para os mandatos de governo e responsabilidade de cada membro conforme à escolha dos vértices (a representatividade): essas são as intenções do decreto do dicastério vaticano para os leigos sobre as associações internacionais de fiéis que têm reconhecimento pontifício. São 109.
Entre as mais conhecidas: Movimento dos Focolares, Comunhão e Libertação, Arche, Chemin Neuf, Comunidade de Vida Cristã, Beatitudes, Sodalizio, Arautos do Evangelho, Caminho Neocatecumenal, Cursillos de Cristianidad, Renovação no Espírito, etc. O documento foi divulgado em 11 de junho e entra em vigor em três meses.
Duas notas de orientação geral. A primeira diz respeito ao reconhecimento das novas associações, a segunda ao seu quadro jurídico. A sua plena aceitação na Igreja, após as primeiras décadas de statu nascenti, é expressa pela carta Iuvinescit Ecclesia (15 de maio de 2016), na qual se afirma a co-essencialidade do carisma e do serviço ministerial na Igreja.
O número 10 afirma: “no período que se seguiu ao Concílio Vaticano II multiplicaram-se as intervenções do magistério a este propósito. Isto deve-se à crescente vitalidade dos novos movimentos, agregações de fiéis e comunidades eclesiais, juntamente com a necessidade de precisar o lugar da vida consagrada dentro da Igreja. João Paulo II, ao longo do seu Magistério, insistiu particularmente no princípio da co-essencialidade destes dons: ‘Repetidas vezes sublinhei que na Igreja não existe contraste nem contradição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática, da qual os Movimentos são uma expressão importante. Tanto uma como outra são co-essenciais na constituição divina da Igreja fundada por Jesus, uma vez que concorrem conjuntamente para tornar presente o mistério de Cristo e a sua obra salvífica no mundo’.
O Papa Bento XVI, além de sublinhar a sua co-essencialidade, aprofundou a afirmação do seu predecessor recordando que ‘tal como na Igreja as instituições essenciais são carismáticas, assim os carismas devem de uma forma ou de outra institucionalizar-se, para que haja coerência e continuidade. Assim, ambas as dimensões, originárias do Espírito Santo através do Corpo de Cristo, concorrem conjuntamente para tornar presente o mistério e a obra salvífica de Cristo no mundo”.
Tanto os dons hierárquicos como os carismáticos resultam desta forma reciprocamente relacionados desde a sua origem. Finalmente, o Papa Francisco recordou ‘a harmonia’ que o Espírito estabelece entre os diversos dons e apelou às agregações carismáticas para uma abertura missionária, para a obediência aos pastores e para a imanência eclesial, uma vez que ‘é no âmbito da comunidade que desabrocham e florescem os dons que o Pai nos concede em abundância; e é no seio da comunidade que aprendemos a reconhecê-los como um sinal do seu amor por todos os seus filhos’”.
O quadro jurídico também passa por uma mudança. A orientação do Pontifício Conselho para os Leigos (agora integrado no dicastério dos leigos) foi pautada por uma aceitação substancial das práticas e costumes internos, atendendo a percepção carismática interna de cada realidade, pouco coerente com o associacionismo da tradição e em um contexto desprotegido de normas de código. E isso tem favorecido uma orientação normativa com perfil civilista.
A experiência mostrou os limites e as fragilidades: “o presente decreto visa, especificamente, permitir ultrapassar as tentações e insuficiências encontradas na forma de exercer o governo nas associações de fiéis”. Em seu discurso no terceiro congresso mundial dos movimentos (22 de novembro de 2014), o Papa Francisco lembrou o respeito prioritário da liberdade pessoal, a superação da autorreferencialidade, dos unilateralismos e das absolutizações, a promoção de uma sinodalidade mais ampla, assim como o bem precioso de comunhão.
Intervenções, tensões e escândalos (Beatitudes, Arautos do Evangelho, Arche, etc.) enfocaram o tema do governo e das suas formas. A exigência de uma maior coerência com o direito canônico e a sabedoria eclesial é reconhecível no n. 25 de um texto publicado pelo dicastério dos religiosos Para vinho novo, odres novos (2017).
No n. 25 é afirmado: “A relação superior-fundador merece particular importância e consideração nas novas fundações. Embora se deva agradecer ao Espírito Santo por tantos carismas que animam a vida eclesial, não podemos esconder a perplexidade diante de atitudes em que muitas vezes existe uma concepção restrita de obediência que pode se tornar perigosa. Em alguns casos, não se promove a colaboração ‘com obediência ativa e responsável’, mas sim a sujeição infantil e a dependência escrupulosa. Desta forma, é possível lesar a dignidade da pessoa a ponto de humilhá-la. Nem sempre, nessas novas experiências ou em outros contextos, a distinção entre foro externo e interno é considerada corretamente e adequadamente respeitada.
A garantia certa da mencionada distinção evita uma indevida ingerência que pode gerar situações de falta de liberdade interior, de sujeição psicológica que podem dar vazão a certo controle das consciências. Nestes, como noutros casos, trata-se de não induzir nos membros uma dependência excessiva, que pode assumir formas de plágio que podem chegar ao limite da violência psicológica. Nesse âmbito, resulta necessário separar também a figura do Superior daquela do fundador”.
O recente documento focaliza o seu interesse nos protagonistas das associações no que diz respeito ao governo: cada membro, o órgão central, o moderador, o fundador. “No que se refere à representação, o decreto prevê que os associados pleno iure de uma associação participem, pelo menos indiretamente, do processo de eleição do órgão central de governo em nível internacional”.
Estão, portanto, excluídas procurações em branco, aclamações, consultas genéricas ou cooptações sistemáticas. “A falta de limites aos mandatos de governo favorece, em quem é chamado a governar, formas de apropriação do carisma, que facilmente causam graves violações da dignidade e da liberdade pessoais e até verdadeiros abusos”.
Quanto ao órgão central de governo, se estabelece um mandato de cinco anos. Os componentes podem ser eleitos para dois mandatos, mas não além disso. Eles podem ser reeleitos somente após cinco anos de ausência. O moderador pode levar a término o mandato atual. O novo moderador também terá mandato de cinco anos, renovável uma vez.
O caso do fundador é diferente. Seu papel de governo pode ser renovado se necessário, se houver um consenso muito amplo e se obtiver a permissão do dicastério do Vaticano. O jurista Ulrich Rhode observa: “A troca geracional dos órgãos de governo, através da rotação das responsabilidades diretivas, aporta grandes benefícios para a vitalidade da associação: é uma oportunidade de crescimento criativo e um impulso para o investimento de formação; revigora a fidelidade ao carisma; dá respiro e eficácia à interpretação dos sinais dos tempos; estimula modalidades novas e atuais de ação missionária”.
Comunhão e Libertação já informou seu consenso, mas também são esperadas resistências e discussões. Parece evidente que a referência de modelo seja aquela da vida consagrada. Ela também nasce de um carisma e se dá uma forma de governo em que a dimensão democrática, o limite do mandato e o reconhecimento por parte do dicastério constroem a vontade comum de fidelidade ao fundador e de serviço à Igreja.
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Sobre o governo dos movimentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU