10 Junho 2021
Quando o bispo Tadeusz Rakoczy, um prelado polonês aposentado, foi punido pelo Vaticano no fim de maio por gerir mal o abuso sexual do seu clero, esse foi apenas o último golpe contra a imagem antes imaculada da Igreja Católica do país.
A reportagem é de Jonathan Luxmoore, publicada em National Catholic Reporter, 09-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos últimos dias, houve relatos de que os bispos poloneses foram especialmente convocados a Roma nos próximos meses pelo Papa Francisco devido a uma série de casos de abuso sexual que abalaram a Igreja do país.
Embora as autoridades tenham negado a veracidade dos relatos, eles sinalizam, mesmo assim, o profundo mal-estar que agora aflige a vida religiosa no país mais católico da Europa.
“Foi uma espécie de terapia de choque para todos”, disse Marcin Przeciszewski, diretor da Agência de Informação Católica da Polônia (KAI).
“Mas, mesmo se perdermos mais bispos, devemos também ver isso como algo positivo, um processo de limpeza para a nossa Igreja e uma curva de aprendizado para aqueles que estão inclinados a ignorar ou a encobrir fenômenos negativos”, disse ele.
Rakoczy, 83 anos, aposentou-se como bispo de Bielsko-Zywiec em 2013. Ele foi acusado por pelo menos uma vítima de abuso polonesa de encobrir denúncias de abuso nos anos 1990 e 2000. Após a cobertura das reivindicações da vítima, inclusive pelo NCR, o Vaticano, no dia 28 de maio, proibiu Rakoczy de aparecer publicamente e ordenou que ele levasse “uma vida de penitência e oração”.
O Vaticano também ordenou que o bispo pagasse uma “quantia apropriada” à Fundação São José da Igreja polonesa, criada em 2019 para ajudar as vítimas de abuso.
Rakoczy é apenas um dos muitos bispos poloneses punidos nos últimos meses, depois que uma série de documentários de TV revelaram de forma explícita que as denúncias de abuso foram ignoradas, violando a lei polonesa e as diretrizes vaticanas.
No dia 12 de maio, o papa aceitou a renúncia do bispo Jan Tyrawa, de Bydgoszcz, em meio a acusações de acobertamento semelhantes, enquanto, em março, o Vaticano ordenou que o arcebispo Slawoj Glodz, de Gdansk, e o bispo Edward Janiak, de Kalisz, indenizassem as vítimas e evitassem “celebrações religiosas públicas ou reuniões seculares”.
Em novembro passado, o cardeal aposentado Henryk Gulbinowicz foi impedido de usar as insígnias episcopais, e foi-lhe negado o direito a um funeral na catedral, após ele ter se envolvido pessoalmente em abusos. Gulbinowicz morreu menos de duas semanas após o anúncio da proibição.
Vários outros prelados estão sob investigação, incluindo o cardeal aposentado Stanislaw Dziwisz, que serviu por 39 anos como secretário do Papa João Paulo II. Dziwisz pode ser preso depois que uma comissão estatal polonesa o acusou de ignorar os abusos.
Depois que Francisco mudou a lei canônica no dia 1º de junho para criminalizar explicitamente o abuso sexual de adultos por padres, esperam-se outras sanções, em um desafio contínuo à autoridade e à credibilidade da Igreja polonesa.
Significativamente, as demandas por ação vieram de baixo para cima, por parte de leigos católicos, que há muito tempo se sentem não usados e marginalizados pela sua própria Igreja.
“Isso é algo bastante novo”, disse Malgorzata Glabisz-Pniewska, apresentadora católica da Rádio Polonesa.
“Houve um tempo em que qualquer ataque a um bispo era tratado como um ataque à Igreja inteira”, disse ela. “Mas isso foi há muito tempo, e a situação agora é diferente. Embora se presumisse que as pessoas sempre permaneceriam leais, não é mais assim.”
No dia 25 de maio, o jornal Rzeczpospolita relatou que os bispos do país ficaram “chocados” quando foram repentinamente convocados a Roma nos próximos meses para a sua tradicional visita ad limina ao Vaticano, um ano depois de todas essas visitas terem sido suspensas por causa da pandemia do coronavírus.
O jornal comparou a ordem, supostamente retransmitida pelo embaixador do Vaticano na Polônia, a uma convocação papal de 2018 aos bispos do Chile, que terminou com a sua renúncia em massa diante dos escândalos de abusos.
O porta-voz dos bispos poloneses, o padre jesuíta Leszek Gesiak, negou a alegação de que os bispos ficaram surpresos com o pedido de uma visita. A última visita ad limina polonesa, disse ele à agência KAI, foi em fevereiro de 2014, mais de sete anos atrás, enquanto a última, prevista para 2019, foi, na realidade, adiada duas vezes por Francisco.
Mesmo assim, haverá questões urgentes a serem discutidas com o papa – principalmente o efeito dos escândalos recentes sobre a lealdade católica, especialmente entre os jovens.
Uma pesquisa de março sugeriu que 90% dos 38 milhões de habitantes da Polônia ainda se declaram religiosos, a taxa mais alta da Europa.
No entanto, a frequência regular à igreja caiu de 50% para 37% em três décadas, e caiu pela metade entre os jovens, acompanhada por uma queda acentuada nas admissões aos seminários e por um declínio de dois terços no recrutamento de 106 ordens religiosas femininas da Polônia, de acordo com a pesquisa.
Com mais de 50% dos poloneses afirmando agora que a Igreja “não tem nenhuma autoridade” para eles, segundo a pesquisa, espera-se que as tendências de queda se acelerarão sob o impacto das restrições do coronavírus.
Em um comentário, a diretora do Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Polônia (CBOS), Miroslawa Grabowska, disse que a “secularização crescente” agora “se transformou em uma corrida”, auxiliada por um “significativo enfraquecimento da transmissão da fé nas famílias”.
A Polônia parece estar seguindo um “modelo italiano de laicização”, acrescentou Grabowska, no qual as profissões de fé permaneceriam altas para os padrões europeus, enquanto a verdadeira fé religiosa diminui.
O padre dominicano Michal Paluch, reitor polonês da Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino, em Roma, acredita que a Igreja polonesa ignorou os “graves sintomas da crise” e não fez “ajustes significativos” que poderiam ter diluído as frustrações públicas.
“Há uma crença cada vez mais comum de que a hierarquia da Igreja não está assumindo as suas responsabilidades”, disse o padre ao jornal católico Wiez.
“Ao falar com fiéis decepcionados, não é mais suficiente apontar papas notáveis, bons hierarcas ou consolos tradicionais. O tempo em que a sociedade consentia em indultar as fraquezas do clero acabou”, disse ele.
A Conferência Episcopal tomou medidas para combater o abuso sexual, nomeando autoridades de proteção à criança em todas as 43 dioceses polonesas e emitindo declarações de arrependimento em novembro de 2018 e em maio de 2019.
Mas ela não se pronunciou sobre as últimas renúncias e punições episcopais, aceitando-as discretamente e sem reação.
Embora alguns grupos católicos leigos tenham se manifestado, a maioria dos leigos na Polônia ainda está excluída quando se trata de dirigir e administrar a Igreja.
“Eles só podem expressar opiniões”, disse Glabisz-Pniewska. “Eles não têm nenhum poder de decisão e têm muito pouca influência real. Apesar de todo o barulho, nada mudou realmente.”
Przeciszewski é mais otimista.
“Na nossa tradição, todos os assuntos importantes da Igreja são tratados exclusivamente pelo clero, mas isso não pode mais continuar assim”, disse o diretor da agência KAI ao NCR.
“As estatísticas atuais mostram que estamos agora à beira de uma crise. Dentro de 10 anos, estaremos com falta de párocos, tornando essencial recrutar leigos e lhes dar uma parcela de responsabilidade”, disse ele.
Há esperanças de que a beatificação no dia 12 de setembro do cardeal Stefan Wyszynski, um líder reverenciado durante a era comunista da Polônia, reafirme o lugar da Igreja na vida nacional, ao relembrar as lutas heroicas do passado.
Um novo censo nacional, que vai até setembro, incluirá dados sobre as afiliações religiosas, enquanto se fala de um sínodo plenário nacional para reunir a Igreja fraturada da Polônia – apenas dois dos temas que provavelmente aparecerão durante a visita ad limina dos bispos poloneses, agendada para começar no dia 4 de outubro.
Glabisz-Pniewska acredita que o papa tem muitas preocupações em todo o mundo para se preocupar com as disputas entre os católicos poloneses. Mas Przeciszewski acha que Francisco pode oferecer ajuda mesmo assim.
O novo processo sinodal de três fases anunciado pelo Vaticano em maio dará aos padres e aos leigos uma oportunidade de se preparar para o próximo Sínodo dos Bispos em 2023, permitindo reflexões críticas e propostas de reforma que vêm de baixo.
Isso pode ser uma oportunidade para a Igreja polonesa ampliar as suas possibilidades de participação.
“No fim das contas, eu acho que não há qualquer inconsistência fundamental entre o que o papa e os bispos poloneses estão fazendo”, disse o diretor da KAI ao NCR.
“Mas o papa pode oferecer a inspiração tão necessária para chamar a atenção dos nossos bispos sobre aquelas pessoas que estão perto de abandonar a Igreja”, disse ele. “Pessoas como essas não vão voltar, a menos que a Igreja mostre uma abertura evangélica muito maior. Nesse sentido, uma visita ad limina no fim da pandemia seria um verdadeiro trunfo.”
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Polônia: bispos em guerra se reunirão com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU