19 Mai 2021
“Jesus não oprimiu ninguém. Jesus libertou do sofrimento, da opressão e da marginalização todos os oprimidos pelo sofrimento e nisto consistiu a sua revelação. Exatamente o oposto do que os 'judeus' estão fazendo agora com os 'palestinos'”, escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 19-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Como bem se sabe, a Bíblia diz que Deus apareceu a Moisés quando os judeus eram escravos dos egípcios. Isto é o que relata o capítulo três do livro do Êxodo, no episódio da sarça que ardia e não se consumia (Ex 3, 1-2). E desde a sarça ardente, o Senhor disse a Moisés: “Vi a opressão do meu povo no Egito e escutei suas queixas contra os opressores; conheço seus sofrimentos. Vim libertá-lo dos egípcios” (Ex 3, 7). Sem dúvida alguma, o Deus dos judeu é um “Deus libertador”.
Por isso, porque Deus é assim e se dedica a libertar os oprimidos, quando Moisés perguntou a Deus, “qual é o teu nome?” (Ex 3, 13), Deus lhe respondeu: “Eu sou”. “Este é meu nome para sempre” (Ex 3, 14-15). E este, nem mais nem menos, é o nome que Jesus se apropria no Evangelho. Jesus disse o mesmo à mulher samaritana quando esta perguntou ao mesmo Jesus quem seria o Salvador: “Eu sou, o que fala contigo” (Jo 4, 26). E aos dirigentes judeus lhes disse sem duvidar: “Antes que existisse Abraão, eu sou” (Jo 8, 58). Por isso, Jesus chega a dizer: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30).
Mas, atenção! O problema de Deus não está no “poder”. O problema de Deus está na “transcendência”. O que quer dizer que Deus é o “absolutamente-Outro”. Ou seja, Deus pertence ou está “mais além de” tudo o que nós – os humanos – podemos pensar ou dizer. Porque quando pensamos ou dizemos, na realidade o que fazemos é “objetivar” (nos convertermos em um objeto mental) o que pensamos ou dizemos.
O que de verdade pensamos ou dizemos não pode ser transcendente. O que pensamos ou dizemos é sempre “imanente”. Isso é, o que pensamos ou dizemos é uma “representação” humana de Deus. Porém isso não é Deus. Por isso, até o próprio Jesus teve que dizer: “Se não faço as obras do meu Pai, vocês não precisam acreditar em mim. Mas se eu as faço, mesmo que vocês não queiram acreditar em mim, acreditem pelo menos em minhas obras” (Jo 10, 37-38). Isso quer dizer: se não o fias “no que digo”, creias “no que faço”. A conduta, a forma de vida, o projeto de vida.
A conduta que Jesus levou o levou à morte violenta, isso é, colocou “o exemplo” à frente da “eloquência”, por isso Jesus é "a Palavra". O que Jesus disse ao mundo não se resume ao que seus lábios disseram. Jesus disse ao mundo o que ele fez, o que viveu e como viveu. É por isso que Jesus era o Deus libertador. Jesus não oprimiu ninguém. Jesus libertou do sofrimento, da opressão e da marginalização todos os oprimidos pelo sofrimento e nisto consistiu a sua revelação.
Exatamente o oposto do que os “judeus” estão fazendo agora com os “palestinos”. É verdade que entre os palestinos existem grupos fanáticos e violentos. Mas justamente por isso – e se o assunto é pensado do ponto de vista da Religião – justamente por isso, o caminho da solução tem que se chamar “Eu sou”: O Deus que desce – e nos ensina a descer – para saírem da escravidão e opressão todos os oprimidos que no mundo estão perdendo a vida: todos os “escravos” que permanecem no mundo.
Se formos consistentes, acabaram os “predicados” que existem no mundo. “Eu sou” é a única coisa que pode “ser”. Deus está certo. Mas estamos dando a ele? Então, de que adianta reclamar tanto que a política é fatal? E o que falamos sobre política, repetimos quando falamos sobre economia, saúde, educação, sociedade, religião e, enfim, tudo o que vem à mente.
Precisamos, mais do que apenas, do “eu sou”. Um Deus que existe e a quem não podemos dizer em que consiste. De tal Deus, só sabemos uma coisa: que ele não apoia o sofrimento dos oprimidos. É por isso que seu nome afirma a existência. Mas em que consiste? É a conduta de todos os que não podem suportar o sofrimento que pode ser evitado ou suprimido.
Eu acredito no “eu sou”; na sarça ardente, na cruz que abaixou a cabeça quando expirou pela última vez... E na dor de todos os que sofrem sem esperança. Sem dúvida, acredito no “EU SOU”, com o que isso acarreta.
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Do Deus libertador ao Deus ameaçador: do Egito à Palestina. Artigo de José M. Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU