18 Mai 2021
"Na conjuntura atual, os evangélicos estão divididos e a maioria dos católicos estão contra o atual mandatário instalado no Palácio do Planalto", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 17-05-2021.
As eleições de 2022 devem apresentar resultados opostos aos das eleições presidenciais de 2018, quando se considera o voto segundo o perfil religioso do país, especialmente o eleitorado cristão que abarca a grande maioria dos eleitores brasileiros. De forma resumida, em 2018, Bolsonaro empatou com Haddad entre o eleitorado católico, deu uma lavada entre o eleitorado evangélico e ainda levou a maioria do voto espírita. Em 2022 deve ocorrer o contrário, com Lula empatando com Bolsonaro entre os evangélicos e conquistando uma vantagem esmagadora entre os católicos e entre os espíritas, conforme mostra o gráfico abaixo, com base no cenário 1 da última pesquisa Datafolha.
Não há dúvidas de que o voto evangélico garantiu a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da República em 2018, como mostrei em artigo aqui no EcoDebate (Alves, 31/10/2018). Segundo as intenções de voto apuradas pelo Instituto Datafolha, no segundo turno das últimas eleições presidenciais, Bolsonaro (com 51%) e Haddad (com 49%) ficaram empatados (dentro da margem de erro) entre os eleitores autodeclarados católicos. Bolsonaro também teve vantagem entre os espíritas, enquanto Haddad recebeu mais intenções de voto entre os sem religião (em especial entre ateus e agnósticos) e no eleitorado das religiões de matriz africana. Mas o que fez a diferença foi o eleitorado autodeclarado evangélico, que marcou 69% de intenção de voto em Bolsonaro e somente 31% em Haddad. Praticamente, toda a vantagem dos cerca de 11 milhões de votos do candidato vitorioso em 2018 veio do segmento evangélico da população apta a votar.
Mas os determinantes do voto religioso não são rígidos e imutáveis. Um erro muito elementar na política é considerar os votos religiosos como fazendo parte de “currais eleitorais” fixos. Nas quatro eleições vencidas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) – tanto de Lula quanto de Dilma -houve maioria do voto católico e empate ou pequena diferença (para mais ou para menos) entre os principais segmentos evangélicos. A grande excepcionalidade ocorreu somente em 2018.
A pesquisa do Instituto Datafolha de 11 e 12 de maio de 2021 apresenta a intenção de voto para as eleições de 2022 apenas para os segmentos católico, evangélico e espírita do eleitorado religioso. Nesta pesquisa, no cenário de Lula contra Bolsonaro, a intenção total de voto no segundo turno indica 55% para o primeiro e 32% para o segundo. Lula teria 61% dos votos católicos, 45% dos evangélicos e 51% dos espíritas, enquanto Bolsonaro teria 27% dos votos católicos, 45% dos evangélicos e 24% dos espíritas.
A pesquisa Datafolha não apresenta a intenção de votos para as filiações afro-brasileiras e os sem religião, mas estes dois segmentos votam tradicionalmente no PT. Portanto, Lula empata entre os evangélicos e possui uma vantagem ampla, geral e irrestrita nos demais segmentos religiosos. É claro que a pesquisa é um retrato do momento e, com a falta do censo demográfico em 2020, todas as pesquisas estão com dificuldades para montar uma amostra que represente de fato a população. Mas tudo indica que o apoio religioso a Bolsonaro tem se enfraquecido e os líderes pentecostais mais radicais têm ficado relativamente isolados.
A “diáspora evangélica” do bolsonarismo parece ser um processo em franco deslocamento, como mostrou o pesquisador Fábio Py, em artigo na Carta Capital (10/05/2021): “Neste texto, indico que com avanço da pandemia da Covid em 2021 ocorre certo desvencilhar de algumas lideranças cristãs do projeto bolsonarista. Isso por conta do número de mortos nas camadas populares, e também pelo desapego governamental às medidas de isolamento social. A menor adesão de lideranças eclesiásticas às comemorações da Páscoa deste ano sugerem o enfraquecimento da articulação da base religiosa do governo”.
Indubitavelmente, qualquer time que sofre uma série de derrotas em um mesmo campeonato tem dificuldade para manter a torcida animada e fiel. Segundo o Datafolha a fatia de ótimo e bom do governo caiu para 24% em maio de 2021 e a rejeição a Bolsonaro só é inferior à de Collor com tempo semelhante no governo. Neste cenário, mesmo os líderes religiosos que acreditam em milagres sabem que o instinto de sobrevivência dos fiéis fala mais alto no momento de apuros. A maioria dos evangélicos que embarcou no projeto bolsonarista em 2018 não possui vocação para seguir líderes suicidas, quer sejam reais ou simbólicos, como aconteceu com Jim Jones em Jonestown.
O fato é que a “Arca de Noé” do bolsonarismo está começando a naufragar, como aconteceu com o Titanic. A orquestra ainda está tocando, mas os sinais de naufrágio são evidentes. Foram 200 mil mortes pela pandemia do SARS-CoV-2 em 2020, devendo ultrapassar de 500 mil somente em 2021. A crise fiscal do Estado é sem precedentes, mas o governo promove um “orçamento secreto”, disfarçado de emendas parlamentares, enquanto não tem dinheiro para fazer o censo demográfico. Aumentou o desemprego, a pobreza, a desigualdade, a fome e, mesmo em um quadro recessivo, a inflação está subindo (consequentemente, os juros). Enquanto isto diminui a quantidade de água nos reservatórios, podendo provocar crise hídrica e aumento do preço da energia. O caos se amplia e a possibilidade de impeachment é real, enquanto o presidente perde seguidores nas redes sociais. Acima de tudo e de todos, Bolsonaro cometeu tantos erros e abusou tanto do discurso “Messias-fascista” que tem perdido grande parte do apoio da base católica que constitui o maior grupo eleitoral do país.
Na conjuntura atual, os evangélicos estão divididos e a maioria dos católicos estão contra o atual mandatário instalado no Palácio do Planalto. Os evangélicos representam 26% e os católicos 50% do eleitorado brasileiro, segundo o perfil da amostra da pesquisa do Datafolha.
Por conseguinte, ao contrário das eleições de 2018, os evangélicos devem perder a condição de fiel da balança eleitoral. Algo parecido aconteceu nas eleições municipais de 2020, quando o prefeito Marcelo Crivella conseguiu maioria da intenção do voto evangélico (especialmente neopentecostal) no Rio de Janeiro, mas perdeu por larga margem no resultado final para o ex-prefeito Eduardo Paes.
Tudo indica que a próxima eleição deve ser decidida pela maioria católica do eleitorado brasileiro, que caminha para votar majoritariamente contra o atual presidente do país.
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O voto católico poderá garantir a vitória de Lula em 2022. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU