27 Fevereiro 2021
“A equação parece clara: as classes dominantes esperam agitações, preparam-se para encará-las e neutralizá-las, porque por um tempo podem desestabilizar a dominação”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 26-02-2021. A tradução é do Cepat.
Um relatório recente do Fundo Monetário Internacional – FMI revela que as classes dominantes, às quais o organismo serve, esperam agitações sociais em todo o mundo como consequência da pandemia.
O trabalho Repercussões sociais da pandemia, publicado em janeiro, considera que a história é um guia que permite esperar agitações que manifestem fraturas já existentes na sociedade: a falta de proteção social, a desconfiança nas instituições, a percepção de incompetência e corrupção dos governos.
Graças a seus amplos recursos, o FMI elaborou um índice de mal-estar social com base em uma análise de milhões de artigos de imprensa publicados a partir de 1985, em 130 países, que refletem 11.000 acontecimentos suscetíveis de causar agitações sociais. Isto o permite antecipar que, em meados de 2022, iniciará uma onda de protestos que se busca prevenir e controlar.
O importante é que o organismo diz aos governos e ao grande capital que o período que se abre nos 14 meses posteriores ao início da pandemia pode ser perigoso para os seus interesses e que devem estar preparados, mas acrescenta que, cinco anos depois, os efeitos das agitações serão residuais e não afetarão mais a economia.
A equação parece clara: as classes dominantes esperam agitações, preparam-se para encará-las e neutralizá-las, porque por um tempo podem desestabilizar a dominação.
Um detalhe: o estudo nem sequer menciona os resultados de eventuais eleições com riscos para o capital, talvez porque independente de quem vença, sabem que os governos surgidos das urnas nunca conseguiram minar o poder do capital.
Nós, dos movimentos anticapitalistas, devemos no atentar às previsões do sistema, para não repetir erros e nos prevenir de ações que nos desgastam, a longo prazo, sem produzir mudanças. Proponho diferenciar agitações de levantes, para mostrar que aquelas não são convenientes, mas estes podem ser, caso sejam fruto de uma sólida organização coletiva.
As agitações são reações quase imediatas aos agravos, como os crimes policiais: geram uma enorme e furiosa energia social que desaparece em poucos dias. Entre as agitações, está a ocorrida durante três dias de setembro, em Bogotá, diante do assassinato de um jovem advogado pela polícia, com nove fraturas no crânio.
A repressão causou a morte de mais de 10 manifestantes e 500 feridos, cerca de 70 por bala. A justa raiva se concentrou nos Centros de Atenção Imediata, sedes policiais nas periferias, 50 das quais foram destruídas ou incendiadas. Após três dias, o protesto desapareceu e não restaram coletivos organizados nos bairros mais atingidos pela violência estatal.
Há muitos exemplos como este, mas meu interesse é destacar que os estados aprenderam a lidar com eles. Exageram na exposição da violência nos meios de comunicação, criam grupos de estudo sobre as injustiças sociais, mesas de negociação para simular interesses e até podem afastar alguns policiais de suas tarefas, com a transferência para outros lugares.
O mais comum é que os governos aceitem que há injustiças, em geral, e que atribuam a violência das agitações à precariedade do emprego juvenil e outras consequências do sistema, sem abordar as causas de fundo.
Levante é algo diferente. Um corpo organizado decide seu começo, traça os objetivos e os modos, os pontos de concentração e de retirada, e em diálogo coletivo decide o momento de finalizar o levante. O melhor exemplo é o levante indígena e popular de outubro de 2019, no Equador. Durou 11 dias, foi decidido pelas bases da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador e foi aderido por sindicatos e jovens das periferias urbanas.
A violência foi podada pelas guardas das organizações, que impediram saques induzidos por policiais infiltrados. Decidiu-se encerrar com enormes assembleias em Quito, depois que o governo de Lenín Moreno anulou o pacote de medidas neoliberais que gerou a mobilização. O parlamento indígena e dos movimentos sociais, criado dias depois, foi o encarregado de dar continuidade ao movimento.
Um levante pode reforçar a organização popular. No Chile, onde preferem dizer revolta e não agitação, foram criadas mais de 200 assembleias territoriais, durante os protestos, em quase todos os bairros populares.
A ação coletiva em massa e contundente deve reforçar a organização, porque é a única coisa que pode lhe conferir continuidade ao longo do tempo. As classes dominantes já aprenderam, há tempo, a contornar as agitações, porque sabem que são efêmeras. Se nos organizarmos, as coisas podem mudar, mas nada conseguiremos, se acreditarmos que o sistema cairá com apenas uma pancada.
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Agitações e levantes. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU