11 Janeiro 2021
Farid, amputado na Eslovênia e abandonado na Bósnia. Novas denúncias de expulsões em cadeia. Em Bihac e Lipa, milhares de pessoas vagam pela neve ainda sem abrigo. Teme-se uma catástrofe.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 10-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Farid acordou sem uma perna. Mesmo assim, ele tinha certeza de que ainda estava com ela após o acidente na estrada que aconteceu com o caminhão sob o qual ele se escondeu para escapar dos guardas da fronteira. Acima de tudo, Farid não conseguia entender como fosse possível que uma pessoa mutilada adormecesse em um pronto-socorro na Eslovênia e acordasse em Sarajevo, na Bósnia.
Campo de refugados da fronteira Bósnia-Croácia.
(Foto: Al Jazeera English/YouTube)
As expulsões dos países da UE à Bósnia não conhecem descanso nem piedade. Também não há notícias da família de curdos-iranianos capturados e carregados embora diante de nossos olhos. Eles conseguiram superar os cumes nevados e os campos minados na Croácia. No Porin Hotel, o único centro de detenção oficial do país, na periferia de Zagreb, ninguém os viu chegar ainda.
Para além da floresta, nos campos da fronteira da Bósnia, a condição não melhora. Um primeiro grupo de cerca de duzentos migrantes que ficou sem abrigo após o incêndio no campo de Lipa, perto de Bihac, foi temporariamente colocado sob grandes barracas aquecidas armadas pelas forças armadas da Bósnia. Os estrangeiros ficaram expostos à neve e ao gelo por dias, sem abrigo nem mesmo à noite. De acordo com as autoridades de Sarajevo, pouco mais de 16 mil pessoas entraram na Bósnia em 2020, outras 11 mil foram bloqueadas ao longo da fronteira sul. 6.300 migrantes estão registrados nos míseros centros de acolhimento da Bósnia. Segundo as estimativas do Ministério do Interior, mais 1.500 permanecem em alojamentos particulares ou perambulando ao ar livre, nos bosques ou em prédios abandonados.
Refugados de Lipa.
(Foto: Al Jazeera English/YouTube)
Entre eles estava Farid, o garoto afegão que ficou sem a perna direita. O seu testemunho foi recolhido pouco antes do Natal pela “Infokolpa”, uma das organizações da rede “Border violence monitoring”. Farid havia tentado cruzar a fronteira para a Eslovênia alguns meses antes. Havia se escondido sob um caminhão, enganchando-se no chassi, bem escondido entre os pneus. Uma vez na Eslovênia, o veículo sofreu um acidente, então Farid ficou gravemente ferido. Não havia mais nada a ser feito por sua perna. Após três cirurgias, enquanto ele estava em coma farmacológico, os médicos amputaram o membro acima do joelho. Farid expressou imediatamente seu desejo de obter proteção internacional. Em vez disso, ele foi colocado em uma ambulância e descarregado, como acontece com aqueles que são pegos na travessia da Croácia para a Itália.
Não foram suficientes 17 dias em um dos hospitais de Ljubljana para ganhar pelo menos a esperança de uma reabilitação motora na Europa. Da capital eslovena foi "readmitido" na Croácia, de onde nem se lembra de ter transitado com o caminhão, e dali para a Bósnia e Herzegovina, onde foi entregue a um campo oficial de refugiados. Lá, porém, não havia tratamento adequado para um caso sério como o dele. Agora ele está em um apartamento alugado por um amigo com quem aguarda a recuperação e alguém que decida lhe fornecer-lhe uma prótese. Enquanto isso, em Zagreb, as autoridades repetem que todas as denúncias de abusos cometidos por policiais são levadas a sério e examinadas.
E assim ficou-se sabendo que em Karlovac, uma cidade ao sul da capital, conhecida pela confluência de quatro rios e pela produção de cervejas e armas, em outubro o tribunal rejeitou as acusações da polícia contra um suposto contrabandista iraniano e quatro migrantes orientais. Os agentes haviam explicado as circunstâncias da prisão, às quais os estrangeiros se opuseram, argumentando que a violência partira dos irregulares e não da polícia. O tribunal não acreditou nessa versão e libertou os migrantes, que manifestaram a intenção de pedir asilo. A polícia os escoltou para fora do tribunal e os fez embarcar em uma van. Poucos dias depois, os cinco reapareceram na Bósnia. Rejeitados. Enquanto isso, o comissariado de polícia havia entrado com um recurso contra a absolvição dos migrantes. Mas o tribunal de apelação também confirmou o veredito de não culpabilidade.
Os episódios reconstituídos pelo Avvenire no mês passado serão objeto de várias questões parlamentares na Itália e em Bruxelas. Pina Picierno (Pd) apresentou um pedido urgente "à Comissão da UE e a Úrsula von der Leyen para esclarecimentos". Nos últimos dias, outros membros do Parlamento Europeu, incluindo Pietro Bartolo, Vice-Presidente da Comissão para as Liberdades Civis, Justiça e Assuntos Internos, pediu respostas rápidas e exaustivas diante de acusações de expulsões em cadeia, da Itália à Eslovênia, dali para a Croácia e finalmente para a Bósnia. No entanto, as fortes nevascas das últimas horas fazem do território bósnio, fora da jurisdição da UE, o palco de uma nova tragédia humanitária.
Campo de refugiados na Eslovênia.
(Foto: Euronews em Português/YouTube)
Se a hipótese de adequação do acampamento queimado em Lipa parece ter sido arquivada, nem mesmo uma transferência para Bihac parece no momento uma opção viável, sempre devido à oposição do prefeito da cidade e das autoridades do cantão de Una Sana, que haviam fechado no final de setembro o campo Bira, instalado numa antiga fábrica e que se opunham a qualquer tentativa de reabertura. Um conflito totalmente interno à política da Bósnia que, de acordo com a Organização das Nações Unidas para as Migrações (OIM), está deixando pelo menos 3.000 pessoas ao relento no meio do inverno.
Se Zagreb, apesar das acusações de expulsões, não tem intenção de construir barreiras, a Eslovênia, pelo contrário, está procedendo com a instalação de um “muro” que deverá cobrir cerca de quarenta quilômetros ao longo das zonas mais porosas. Obras realizadas graças ao financiamento da União Europeia.
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Crise humanitária. Refugiados ao léu, no frio e na neve - não existe piedade nem mesmo para portadores de deficiência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU