09 Dezembro 2020
É um dos melhores teólogos da Espanha e, sem dúvidas, o pai da “Teologia Popular”. Está à frente do seu tempo e, em certo modo, um dos mestres de Jorge Mario Bergoglio, que o lê, e por mais de uma vez, copiou suas reflexões. Próximas, profundas, compreensíveis, com entranhas do Evangelho. José María Castillo publica suas reflexões sobre o Evangelho diário – por mais um ano.... – em “La religión de Jesús 2021”, pela editora espanhola Desclée.
Diferentemente de outros, Castillo não segue o ano litúrgico, mas sim o calendário civil, “que é o que povo tem normalmente. O ano começa em primeiro de janeiro”, conta-nos, com toda a energia do mundo, desde sua amada cidade de Granada. Falamos com ele.
A entrevista é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 08-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Novamente apresenta suas simples reflexões para o ano. Que não começam no Advento, mas em 1º de janeiro. Por quê?
O Advento é uma questão puramente organizativa, da qual se pode prescindir. Pelas edições de Evangelho que vou vendo nas livrarias predomina o civil sobre as tradições religiosas ou litúrgicas, que foram introduzidas com o passar do tempo.
O que nos conta no livro?
Este é o 14º ou 15º ano que o faço. Na minha opinião, o Evangelho não é uma recopilação de relatos tomados por aqui ou ali, mas sim o que há de mais profundo. É teologia narrativa, o que significa que nestes relatos o determinante não é a historicidade do mesmo, mas sim o que significa o relato. Porque a historicidade nos quatro evangelhos, muda. Por exemplo, a expulsão dos mercadores do templo, que nos Evangelhos sinópticos está ao final da vida de Jesus, enquanto que João o coloca ao começa do seu. Quem tem a razão? Da igual, o fato ocorreu. O que ocorre é que os sinóticos o apresentam como o enfrentamento direto que precede a condenação, enquanto que João o mostra no início, para indicar que a vida de Jesus seria um enfrentamento com o templo, e uma condenação do templo. Não do templo em si, mas sim dos abusos que se cometiam no templo.
Da mesma maneira em que agora estamos escandalizados que tenham comprado catedrais, como a de Córdoba, as matrículas, ou em Leão, ou em Burgos... porque isso é uma coisa muito séria. E claro, utilizar os templos para esse tipo de coisas, não é? Em muitas catedrais se cobra para entrar, para visitar a casa de Deus.
Em teu livro abordas uma problemática que há meses vens tocando em seus artigos, sobre a tensão entre o seguimento a Jesus e o seguimento de uma religião, que são conceitos antitéticos, não?
Não apenas não significam o mesmo, como também são antitéticos. Pretende-se enfiar Deus no templo, no sagrado, e lá está Deus, e assim eu vou pela manhã à missa, e cumpro o compromisso com Deus... já durante o dia na rua, na casa ou no escritório, cumpro com outras coisas que pouco tem a ver com Deus.
É como se isso fosse o suficiente...
Claro! Jesus levanta isso de outra forma. Jesus não quis os templos. Não é como quando expulsou os comerciantes... os templos utilizam-se muito frequentemente de negócios. Ademais, o templo delimita Deus em um lugar determinado, enquanto que Jesus é a presença de Deus na vida, em toda a vida. Esteja onde estiver, faça o que for.
Para crer em Jesus, se pode continuar nesta Igreja? Ou não? É possível ser de Jesus e ser desta Igreja?
Se somos rigorosos e coerentes, eu digo que não. E por isso me alegra tanto a gestão que o papa Francisco leva adiante. Porque isto não se pode mudar da noite para o dia com um decreto, tem que ser com a vida. E o papa Francisco, aperta o que está acomodado na vida. No templo ele faz o essencial, mas o que ele gosta é de descer à rua, entrar no armazém, visitar um doente, conversar com as pessoas... Por quê? Porque, em última análise, Jesus é a humanização de Deus e a presença de Deus na vida.
Mas como vamos construir aquele grupo de seguidores de Jesus, que tem que ser em comunidade? Eu entendo que a Igreja o seja, aqueles que se reuniram em seu nome. Como podemos ser a Igreja que segue Jesus se não sairmos do templo e não expulsarmos os sacerdotes do templo...? É possível?
É uma utopia. Mas a maior utopia é um mundo sem utopia. A utopia é necessária, e o que devemos buscar e compreender é que cada grupo ou comunidade de cristãos veja como se unir para celebrar a memória de Jesus e compartilhá-la. Isso é o que os cristãos fizeram ao longo do segundo século. Os templos começaram a ser construídos nos séculos III e IV. Jesus não encontrou templo nenhum, nem queria templo, nem fez casas de retiros, nem alugou um escritório para receber pessoas, não. Nada disso. Jesus percorreu as ruas, conheceu o povo. O importante: o mais forte da vida é a gentileza. A bondade é tão poderosa que pode fazer qualquer coisa. E o grande erro é pensar que basta saber muito ou ter muito, ou dar muito. Com isso não consertamos nada, pelo contrário, lutamos, dividimos. O que há de mais poderoso na vida é a bondade, que é o que mais precisamos.
Por quê?
Algo está acontecendo, um fenômeno muito profundo. O poder despótico e de dominação está sendo substituído pelo poder de sedução. O que nos seduz, isso é o que prevalece, e o que mais nos seduz é o bem. Bondade, que é respeito, tolerância, proximidade, que é carinho, simpatia, fazer feliz quem tem dificuldade. Estamos tocando não apenas em um problema ético, mas em um problema teológico profundo. Onde está Deus nisso tudo? Deus está no bem, na convivência... e é por isso que Jesus, segundo os Evangelhos, preocupa-se com três questões fundamentais: a saúde, por isso curou os doentes; a economia, e é por isso que Jesus é tão duro com quem acumulou dinheiro e bens e desprezou os pobres...; e convivência: sobretudo de um modo que seja bom porque o bem está onde está a força e o poder de Deus. Isso é o que me parece que a Igreja negligenciou. E o que a Igreja fez muitas vezes em sua história foi imitar o poder, a riqueza, a importância dos poderes políticos e da terra, e assim não vamos a lugar nenhum... apenas ao confronto, divisão, sofrimento, que os poderosos dominam os fracos, etc.
Para finalizar, que reação você gostaria que os leitores de seu livro tivessem? Nestes tempos de coronavírus, sofrimento, solidão ... o que você pode contribuir?
A primeira coisa que pode contribuir é perceber e tomar consciência de que encontra Deus na vida, na convivência. Isso em primeiro lugar, e você o encontrará na coexistência, e não na frente de uma imagem. Uma convivência em que impera e prevalece a bondade. Uma gentileza que nas condições em que nos encontramos se preocupa acima de tudo com o respeito à saúde. Agora, no Natal, o que temos que fazer é respeitar a convivência, mas respeitar a saúde, e não fazer festas idiotas ou secretas, faz nós todos nos contaminarmos. Acredito que o Evangelho nos ensina que Deus está presente na bondade, na convivência, na preocupação com a saúde, na preocupação com aqueles que perderam o emprego, que não conseguem pagar as contas e não conseguem sobreviver, se alimentar todos os dias... e por último, ter muito claro que tudo o que desejo, tudo o que desejamos intensamente, é oração. Oração é o que queremos, porque Deus é transcendente e não temos possibilidade de nos relacionarmos com ele. Está presente em Jesus, o camponês da Galileia, o operário, o povo pobre e humilde, mas o operário que não queria templos, nem sacerdotes, nem ritos, nem cerimônias.
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“Jesus não quis templos, nem escritórios, nem casas de retiro. Jesus ia pelas ruas se encontrar com o povo”. Entrevista com José M. Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU