24 Novembro 2020
Celia Deane-Drummond é diretora do Instituto de Pesquisa Laudato Si', na Universidade de Oxford. Ela iniciou sua carreira acadêmica nas ciências naturais, focando na fisiologia das plantas e agricultura botânica, particularmente a bioquímica do nitrogênio para nutrição de plantas e a biofísica de transporte íons através de membranas de células de plantas usando novos traçadores. Os desafios éticos e globais do uso de Organismos Geneticamente Modificados - OGMs a encorajaram a aprender sobre teologia, educação e ética ambiental. Nesta entrevista ela fala sobre teologia moral e meio ambiente.
A entrevista é de Charles C. Camosy, publicada por Crux, 21-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Há tanta coisa acontecendo com você no momento que é difícil saber por onde começar. Mas vamos começar com o passado. Se você pode nos contar brevemente, como você entrou na teologia moral católica e como passou a ter interesses teológicos tão fortes pelo não-humano?
Minha jornada para me tornar uma católica veio antes de me tornar uma teóloga de moral católica, mas uma parte muito significativa dessa jornada foi ir para Assis e viver como uma franciscana por uma semana em uma comunidade criada para encorajar uma maior compreensão da espiritualidade e prática franciscana. Vivíamos de maneira muito simples com fardos de palha áspera como camas, compartilhamos refeições e refletíamos sobre os escritos de Francisco de Assis. Era inevitável que eu fosse atraída a pensar sobre o mundo não humano. Além disso, eu sempre tive curiosidade sobre o mundo natural e comecei minha carreira acadêmica como fisiologista de plantas, mergulhando em tentar descobrir como outras coisas além dos humanos funcionavam.
Quando as questões ecológicas começaram a vir à tona na consciência pública, senti um forte desejo de refletir sobre os aspectos globais e éticos da prática agrícola, especialmente o rápido desenvolvimento de culturas geneticamente modificadas que um laboratório vizinho estava desenvolvendo, que realmente não estavam sendo discutidas por meus colegas cientistas. Minha preocupação com os aspectos morais disso foi amplamente rejeitada por eles, mas eu persisti, e voltei-me para o estudo teológico, estudando para uma graduação e depois para o doutorado que se especializou na interseção entre teologia e ecologia.
Também comecei a trabalhar meio período com uma consultoria chamada Consultoria Internacional em Religião, Educação e Cultura, que foi pioneira no desenvolvimento de materiais educacionais em religião e ecologia. A Aliança de Religião e Preservação surgiu desse grupo. Continuei minha carreira acadêmica, eventualmente ampliando minha própria área de estudo para incluir a teologia moral.
E essa jornada a trouxe até aqui, como diretora-fundadora do Instituto de Pesquisa Laudato Si', em Oxford. Você pode nos contar mais sobre as esperanças para o Instituto?
O Instituto foi fundado por iniciativa dos Jesuítas na Grã-Bretanha e sua determinação em incluir tanto o trabalho intelectual quanto o prático em seu portfólio de atividades relacionadas à Laudato Si'. Somos um, portanto, de uma série de trabalhos diferentes que focam na Laudato Si'.
Portanto, como o nome indica, somos inspirados por esta encíclica papal, mas queremos fazer muito mais do que apenas educar outras pessoas sobre esses temas. Em vez disso, queremos incorporar uma nova forma de ser um instituto de pesquisa que leva a sério as perspectivas dos mais marginalizados, como atores-chave na criação de bases alternativas de conhecimento, para que possamos ouvir com mais precisão o grito da terra e o grito dos pobres. Nossa visão, portanto, é reunir as tradições intelectuais com a sabedoria da religião, em particular, mas não exclusivamente a teologia católica, para que juntos possamos encontrar os melhores caminhos para lidar com os prementes e urgentes problemas ecossociais de nosso tempo.
E, como um instituto de pesquisa, estamos interessados em promover o diálogo, a inovação que surge por meio desse diálogo, e em parceria com ativistas e aqueles que estão trabalhando para uma mudança eco-social prática. Achamos que reunir ativistas e acadêmicos dessa forma é frutífero para ambos.
Estamos baseados em Oxford há pouco mais de um ano, por isso estamos crescendo em nossas atividades o tempo todo. Você pode encontrar mais informações sobre nós aqui, neste link. Estamos construindo uma rede de apoiadores, bem como desenvolvendo uma rede global de pesquisa na Laudato Si', juntamente com uma pesquisa abrangente e programa de pesquisadores visitantes. Qualquer pessoa que esteja realmente interessada pode se inscrever para receber uma notificação na hora de começar.
Parece que você apresentará alguns diálogos importantes na tentativa de imaginar um mundo pós-covid. O que você espera desses diálogos? Eles estão abertos (virtualmente) ao público?
Em primeiro lugar, qualquer pessoa pode vir a esses diálogos, e a qualquer outro evento que seja promovido pelo Instituto, a menos que haja restrições específicas apontadas. Os eventos do simpósio, por exemplo, muitas vezes são eventos fechados, acessíveis apenas aos convidados, para manter a conversa focada, mas vamos deixar claro em nosso site o que está aberto ou não. Estamos tentando incorporar em nossa programação do evento pós-covid como as discussões podem ser produtivas ao trazer ativistas e acadêmicos ao diálogo uns com os outros. Já descobrimos que tais diálogos geram conversas frutíferas sobre tópicos de vital importância que são relevantes para a forma como encaramos um futuro pós-covid; tratando assim do trabalho do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral e da CAFOD (a agência de desenvolvimento internacional dos bispos ingleses) e sua atenção mais recente às questões de alimentação e agricultura, discussões sobre uma nova economia, e assim por diante. Temos estudiosos renomados na área que concordaram em participar desses diálogos. O link para se inscrever nesses eventos está neste link.
Theological Ethics Through a Multispecies Lens,
de Celia Deane-Drummond.
Oxford Press, 2018
Nesse ano você publicou um livro importante intitulado “Theological Ethics Through a Multispecies Lens” (“Ética teológica através de um prisma multiespécies”, em tradução livre). Poderia dizer alguma coisa sobre esse livro e como ele se intersecciona com o que você está fazendo no Instituto Laudato Si'?
Eu finalizei o livro em 2018, um ano antes do Instituto se estabelecer em Oxford. No entanto, a influência da Laudato Si' de fundo é muito forte, nesse sentido que o livro está enquadrado. Laudato Si' fala muito sobre a interconectividade, a necessidade do diálogo e da escuta das vozes de comunidades indígenas. Também fala sobre a importância de valorizar a criação, a Terra como um presente, e como nós precisamos retirar as perigosas e dominantes versões de antropocentrismo. Eu provavelmente vou mais longe do que o papa Francisco ao gerar os argumentos deste livro, mas ele ainda é inspirado por esses instintos básicos.
O que tento argumentar é que nossa vida moral, especificamente nossa capacidade de expressar as virtudes específicas de compaixão, justiça e sabedoria, não são um obstáculo à nossa natureza bruta, mas que outros animais também mostram tendências que agem como prelúdios para o subsequente desenvolvimento cultural das virtudes.
A ética da virtude não é, portanto, uma restrição que ajusta nossas naturezas animais, mas em harmonia com essas naturezas. Nisto ressoa mas também me afasto da obra de Tomás de Aquino, que reconheceu, no mínimo, que outros animais têm um tipo de prudência e eram capazes de mostrar afeto uns aos outros. Também espero, ao mostrar argumentos relacionados com as pesquisas atuais em antropologia evolutiva, que haja fortes razões para supor que nossa própria natureza moral se estabeleceu por meio de nossas relações com outros animais em particular, e que esses animais eram percebidos como agentes e até mesmo pessoas.
Eu defendo o tratamento dos animais como pessoas neste livro, o que por si só tem fortes implicações éticas. É por isso que a capa do livro traz uma imagem provocante de um orangotango e também traz a nossa querida cadela, Dara, a quem o livro é dedicado. Sua vida tragicamente curta me influenciou enquanto escrevia este livro, e conto a história de sua morte no próprio livro. Não extraio exatamente o que são implicações éticas, pois o objetivo é gerar uma base e uma explicação teórica de por que uma abordagem multiespécies é mais convincente intelectualmente em comparação com alternativas, como os direitos dos animais, por exemplo.
Existem, portanto, alguns quebra-cabeças não resolvidos sobre como priorizar qual animal em particular em decisões éticas difíceis, mas minha sensação é que a compaixão, a sabedoria e a justiça desenvolvidas nos dão todas as ferramentas de que precisamos para fazer boas escolhas.
O subtítulo do livro é provocativo: “The Evolution of Wisdom, Volume I” (“A evolução da Sabedoria”, tradução livre). Isso significa que podemos esperar um Volume II?
Sim, de fato, e o Volume III também, se Deus quiser! Eu estava ciente ao explorar as diferentes virtudes que a tendência para oposição, vício, também pode ajudar a iluminar as virtudes, pois mostra o que elas não são, bem como o que são. Eu também não queria criar a impressão que poderia ter surgido do Volume I de que o mundo natural, incluindo a humanidade, é apenas propenso à virtude por conta própria – temos que dar uma olhada clara para o lado negro.
Acho que, pessoalmente, tem havido muita atenção a isso, e muitas vezes somos fascinados pelo mal, pela escuridão e pela morte. A covid-19 reforçou isso. Mas, em “Shadow Sophia, Evolution of Wisdom Volume 2” (“Sombra de Sofia, a Evolução da Sabedoria Vol. 2”, em tradução livre), que é o título do próximo livro a ser publicado em fevereiro de 2021, abordo por que precisamos de histórias sobre o que fazer com o mal e como explicá-lo, e o que os diferentes vícios cardeais em particular significam em relação às tendências no mundo não humano.
Acabo concluindo, porém, que mesmo os piores vícios muitas vezes podem começar a parecer bons para o indivíduo; portanto, um aspecto crucial do vício é a capacidade de enganar aqueles que estão em suas garras. É um afastamento da verdadeira virtude de maneira muito sutil e, em termos culturais, muitas vezes sem mesmo ser notado por um indivíduo ou comunidade.
Esse poder enganoso do vício e do mal pode criar estrangulamentos culturais difíceis de quebrar. Mas o terceiro volume começará a mostrar como a vida do Espírito pode e funciona para reverter isso, e neste livro, ainda não escrito, irei abordar como as virtudes teológicas como um dom mostram nossa dependência de Deus, mas também como nem tudo está perdido, uma vez que nos tornamos cientes do mal, do sofrimento e da morte em nosso meio.
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Acadêmica defende “prisma multiespécies” na teologia moral. Entrevista com Celia Deane-Drummond - Instituto Humanitas Unisinos - IHU