10 Setembro 2020
"2020 não foi, nem é, um ano perdido. A maioria das famílias sobrevivem a maior pandemia da história de todas as pessoas vivas na maior parte dos países do mundo! O ano letivo sim foi comprometido, mas como em todos os anos letivos, temos a saudar que este ou aquele afeto saiu vivo", escreve José Carlos Sturza de Moraes, cientista social, mestre em Educação, especialista em Ética e Educação em Direitos Humanos e especialista em Educação de Jovens e Adultos e Educação de Privados de Liberdade.
No que diz respeito ao retorno escolar, tem sido lugar comum nos meios de comunicação, repórteres e comentaristas dizerem que todos têm razão. Tanto as pessoas que são a favor da volta às aulas, com variados níveis de cuidado ou sem qualquer um, quanto as pessoas que defendem o não retorno, desde aquelas que só neste momento em que ainda persiste o contágio e as mortes (inclusive aumentando em algumas cidades) até aquelas mais radicais que defendem a volta só quando houver vacina com resultados evidentes.
Não. Acredito que todos não tem razão. Têm motivos e responsabilidades. Ou deveriam. Assim como pensar-reflexionar sobre quais sejam. Especialmente, penso que gestores e gestoras públicas têm menos razões e mais responsabilidades, ou deveriam.
Li atentamente a Portaria Conjunta SES/SEDUC/RS nº01/2020, firmada pela secretária estadual de saúde e pelo secretário estadual de educação do Rio Grande do Sul. É um documento longo e detalhado, ao mesmo tempo que indicativo - em diversas de suas partes - da impossibilidade de seu cumprimento. Noves fora que não detalha de forma nenhuma qual deva ser a composição dos Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação no âmbito de cada escola (COE-E Local), se trabalhadores(as) em educação, pais e mães e estudantes deveriam integrá-los. Diz que um representante da comunidade escolar. Ora, quem compõe a tal comunidade e como é escolhida essa pessoa? Portanto, já nasce um documento precário, vez que permite tamanha responsabilidade nas mãos de poucas pessoas, podendo ser - no limite - a direção da escola e quem essa entender que deve.
Nem a Portaria, nem o Decreto nº 55.465, de 5 de setembro de 2020, publicado no feriadão de 7 de setembro, indicando o retorno da Educação infantil para 08 de setembro (descalabro!), do Ensino Superior e do Ensino Médio para 21 de setembro, do Ensino Fundamental/anos finais para 28 de outubro e do Ensino Fundamental/anos iniciais para 12 de novembro, dão conta do suporte que será/seria dado aos municípios e à cada educandário para que essa volta seja possível. Terão álcool gel, termômetros infravermelhos e EPIs para todas as pessoas trabalhadoras em educação de cada escola e todas as pessoas estudantes? Parece que isso é remetido para que cada educandário dê conta.
É uma situação grave. Pessoas em funções de gestão pública, com capacidade de decretar procedimentos devem ter cuidado ao fazê-lo. Devem ter precaução ao fazê-lo. Não podem ser motivadas por achismos ou superficialidades. O contexto de mais de 4 milhões de pessoas contaminadas e 130 mil mortos até o momento, pede cautela, precaução e todos os seus sinônimos.
Como se sabe, muitas salas de aula em todo o Brasil, atendem a mais estudantes que a capacidade instalada de seu espaço e de outros aspectos arquitetônicos. O parâmetro nacional é de 1,20 m² por estudante. Salas de aula de 5m x 6m, com 40 estudantes, por exemplo, rendem um espaço de 0,75 cm² por estudante (não inclusa a pessoa docente na sala de aula). Uma sala de aula dessas deveria abrigar, no máximo 25 estudantes, para dar conta do parâmetro nacional. Nesse caso, qual será a metade? 20 ou 12/13? E se a maioria quiser aula presencial? Qual será o distanciamento? Qual a proteção efetiva?
Com sintomas gripais, docentes não devem ir às aulas. Estudantes também não. No Rio Grande do Sul, estado paraíso das farmácias, neste final de inverno e início da primavera, e seus corriqueiros resfriados, gripes e alergias, como manter aulas regulares? Mudou a bandeira, fecha a escola? Que ensino é esse?
2020 não foi, nem é, um ano perdido. A maioria das famílias sobrevivem a maior pandemia da história de todas as pessoas vivas na maior parte dos países do mundo! O ano letivo sim foi comprometido, mas como em todos os anos letivos, temos a saudar que este ou aquele afeto saiu vivo. Que teremos abraços e festas. Que as escolas seguirão sendo ponto de encontro de vida e não de temeridades e, eventualmente, vetores de transmissão de um vírus que mata de 3 a 5 pessoas em cada 100 infectadas. Mata pessoas velhas, e mata também pessoas de meia idade, e crianças e adolescentes.
O orgulho da família é pelas conquistas de cada pessoa que a integra. É pelo amor. Não podemos legar às nossas crianças e adolescentes a responsabilidade serem vetor de morte em casa ou na escola. Nem, tampouco, de serem seres alienados e sem empatia. O momento exige que conservemos o essencial. O essencial é a vida.
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Volta às aulas. Não. Todos não têm razão! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU