09 Setembro 2020
Dois padres se suicidaram recentemente na França. O jornal La Croix investigou a solidão em que frequentemente se encontram os padres com dificuldades psicológicas.
A reportagem é de Mélinée Le Priol, publicada em La Croix International, 08-09-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Nós, seus responsáveis, fomos capazes de ouvir o sofrimento deles?” O bispo Marc Stenger, de Troyes, no centro-norte da França, expressou suas dúvidas no Twitter logo depois que dois padres de outras dioceses do país cometeram suicídio nos dias 21 e 23 de agosto.
En deux jours j'apprends le suicide de deux prêtres que je connais, de la même génération (la cinquantaine). Des pasteurs donnés à leur ministère. Alors pourquoi? Nous, les responsables, avons-nous su entendre leur souffrance?
— Marc Stenger (@MarcStenger) August 25, 2020
Foram duas situações muito diferentes.
No primeiro caso, o Pe. Jacques Amouzou, da Diocese de Langres, havia sido acusado, dois anos antes, de comportamento impróprio com uma mulher que o procurava para orientação espiritual.
No outro caso, o Pe. Thierry Min, da Diocese de Metz, era um dinâmico padre de 50 anos.
Dom Stenger, que o conhecia bem, disse que o padre era “muito sociável, mas se sentia muito sozinho onde estava”.
Os colegas padres com quem ele fez uma caminhada em julho disseram não ter percebido nada que pudesse prenunciar tamanha tragédia.
Existem muitas razões pelas quais os padres caem na depressão ou no mal-estar, incluindo excesso de trabalho, aridez espiritual e a desconexão entre sua visão idealista do sacerdócio e a realidade diária.
Os padres frequentemente sofrem por se sentirem desvalorizados, experimentam dificuldades de intimidade ligadas ao celibato e são afligidos pela imagem negativa que os escândalos sexuais deram ao sacerdócio.
Independentemente da causa, a maioria dos padres tende a lidar com sua infelicidade por meio do silêncio e do isolamento. E isso às vezes é letal.
“Isso me corroía, eu me fechava em mim mesmo”, disse o Pe. Raymond, de Monts du Lyonnais, que vivenciou um esgotamento físico e mental em 2015.
“Eu tinha uma relação muito amigável com meus paroquianos, muitos dos quais simplesmente me chamavam de Raymond, mas percebi que eles não eram amigos íntimos. Eu me sentia mais sintonizado com os problemas deles do que o contrário”, diz ele.
O mesmo vale para outro padre, que passou por uma doença grave em 2016 e agora sente que “a armadilha de um padre é dar mais do que receber”.
É difícil saber se isso se deve à atitude dos leigos, à posição do padre em geral ou ao temperamento de alguns.
“Eu tentei ajudá-lo, mas ele tinha uma personalidade forte e não gostava de ser cuidado”, diz Marie (nome fictício), que há alguns anos foi a testemunha “impotente” de uma longa crise na vida do seu pároco no leste da França.
“Eu lhe disse que ele estava se afogando no trabalho, mas só de brincadeira, porque não era minha função lhe dar instruções”, explica a ex-secretária paroquial de 72 anos de idade.
Mais tarde, quando o padre em questão foi descansar por vários meses, Marie atualizou a comunidade sobre a situação dele, mas sempre “sendo muito vaga”.
Essa importância atribuída à “discrição” ainda é verdadeira na Igreja da França, como evidenciado pela dificuldade de reunir informações sobre essas questões delicadas.
“Tornar público o seu mal-estar não é a melhor forma de ajudar um padre a se reerguer”, argumenta o Pe. René Pennetier, que aconselha os padres da Diocese de Nantes.
“Quando se trata de uma depressão, vai se falar de cansaço, para manter a prudência”, afirma.
Às vezes é difícil compartilhar confidências, mesmo entre os padres.
A maioria das dioceses lhes oferece agora a oportunidade de se encontrarem regularmente em “grupos de apoio”, quando a fraternidade já não é uma realidade diária para os padres que moram na mesma residência.
“As trocas se centram principalmente nas dificuldades ligadas à pastoral, não à vida pessoal”, lamenta a psicóloga Marie-Françoise Bonicel, que recebe padres para aconselhamento.
Ela também observa que eles querem encontrar respostas “na fé e não na terapia”, embora o recurso a um psicólogo pareça ser cada vez mais aceito pelas gerações mais jovens de padres ou seminaristas.
Embora a vigilância seja, naturalmente, responsabilidade do bispo, nem todos os padres têm a tendência de se abrir para a própria hierarquia.
“Como em uma empresa, pode ser algo delicado”, diz Blandine Girard, assistente social do clero da Arquidiocese de Lyon.
Vinte e cinco das 100 dioceses da França contam com esse serviço.
Como católica não praticante e não integrante da instituição eclesial, Blandine Girard insiste na necessidade de distinguir o acompanhamento espiritual, social e psicológico dos padres em dificuldade.
“Como eu não estou pessoalmente envolvida na vida da Igreja, eu vejo essas pessoas como homens, e não como padres”, sublinha ela.
Essa atitude permitiu que o Pe. Raymond, em Monts du Lyonnais, saísse do seu isolamento em 2015.
“Blandine disse aos meus superiores que eu precisava ser hospitalizado e deu os passos necessários”, lembra ele.
“Para ela, eu não era um caso a ser resolvido, mas sim uma pessoa a ser escutada".
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Padres ainda estão muito isolados diante do sofrimento psicológico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU